09 Fevereiro 2021
“Os idosos nunca tiveram que morrer assim... foram tratados cruelmente”, manifesta em documento a Pontifícia Academia para a Vida.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 09-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“O número de mortes de pessoas maiores de 65 anos é impressionante. Estamos vendo o que aconteceu com os idosos em todos os países do mundo em razão do coronavírus. Nunca tiveram que morrer assim (...): foram tratados cruelmente”. Duríssimo documento da Pontifícia Academia para a Vida, que evidencia as situações de “solidão e isolamento” de muitos de nossos idosos, que se converteram no principal foco de mortalidade durante este primeiro ano de crise mundial pelo coronavírus.
O documento intitulado “A velhice: o nosso futuro. A condição dos idosos depois da pandemia” começa com uma recordação da histórica vigília do Papa na vazia Praça São Pedro, em 27 de março de 2020, na qual fez um chamado para “permitir novas formas de hospitalidade, fraternidade e solidariedade”.
“Que lições podemos aprender do coronavírus?”. Responder a isso é um dos objetivos do texto, que convida a “aprender com a tragédia da pandemia, sobre suas consequências, para hoje e para o futuro de nossa sociedade”.
Isso porque a pandemia tornou “imprescindível repensar o modelo de desenvolvimento de todo o planeta”, porque “tudo está em jogo: a política, a economia, a sociedade, as organizações religiosas, para iniciar uma nova ordem social que ponha no centro o bem comum dos povos”.
O bem comum, acrescenta a Pontifícia Academia para a Vida, “não é uma fixação cristã: sua definição concreta converteu-se agora em uma questão de vida ou morte”, e a fraternidade em uma “paixão evangélica”, como relatava Bergoglio na Fratelli Tutti.
O cuidado com os demais frente ao “descarte”, observa-se especialmente no mundo dos idosos, “os mais afetados pela pandemia”.
“Durante a primeira onda da pandemia, uma proporção significativa das mortes por covid-19 foi produzida em instituições para idosos, onde se deveria ter protegido a parte mais fraca da sociedade, mas onde se produziram proporcionalmente mais mortes que no lar e no entorno familiar”, destaca a Academia para a Vida, “uma tragédia inimaginável”, segundo a OMS.
“A institucionalização dos idosos, especialmente dos mais vulneráveis e solitários, proposta como única solução possível para cuidá-los, em muitos contextos sociais revela uma falta de atenção e sensibilidade para com os mais fracos”, denuncia a instituição dirigida por Vincenzo Paglia, que utiliza palavras do cardeal Bergoglio para destacar que “a eliminação dos idosos é uma maldição que esta sociedade inflige a si mesma com frequência”, que hoje se tornam proféticas.
Diante disso, é preciso uma “reflexão interna” sobre o ocorrido, para lançar “uma nova visão, um novo paradigma que permita a sociedade a cuidar dos mais velhos”. Em sociedades como as ocidentais, com uma maior esperança de vida (ligada à “drástica queda” no número de nascimentos), chegaram a coincidir quatro gerações. “Esta grande transformação demográfica representa um desafio cultural, antropológico e econômico”, especialmente nas grandes cidades, onde o futuro “uma a cada cinco pessoas será idosa”.
Portanto, continua o documento, “é essencial fazer de nossas cidades lugares inclusivos e acolhedores para as pessoas mais velhas e, em geral, para todas as formas de fragilidade”.
“É inegável que a pandemia reforçou em todos a consciência de que a ‘riqueza de anos’ é algo que precisa ser valorizado e protegido”, aponta o documento, que convida a “repensar profundamente os modelos de cuidados a idosos”.
“Quem não gostaria de continuar morando em casa própria, rodeado de seus afetos e dos mais próximos, mesmo quando fica mais difícil? A família, a casa, o próprio ambiente são a opção mais natural para todos”, afirma o Vaticano, que nos convida a ter sempre o idoso, “com as suas necessidades e direitos, no centro das atenções”.
O documento vai ao concreto ao exortar “a dar atenção especial à habitação para adaptá-la às necessidades dos idosos: a presença de barreiras arquitetônicas, a falta de instalações higiênicas, a falta de aquecimento, a falta de espaço deve ter soluções concretas”.
Além disso, acrescenta, “exige um processo de conversão social, civil, cultural e moral. Só assim será possível responder de forma adequada à procura de proximidade dos idosos, especialmente dos mais fracos e desfavorecidos”.
“Uma aliança cuidadosa e ativa entre as famílias, o sistema de saúde, os voluntários e todos os atores envolvidos pode evitar que os idosos tenham que deixar sua própria casa”, propõe o órgão do Vaticano, que convida “uma abordagem personalizada para a intervenção sócio-sanitária”.
Amparar as famílias “que não podem assumir a responsabilidade de cuidar de uma singular e exigente doença em casa, que custa energia e dinheiro”. É importante, acrescenta o texto, “inverter a tendência, principalmente por meio de planos efetivos que promovam a civilização da situação e do meio ambiente, de forma que não deixe para trás os que estão envelhecendo”.
No que diz respeito às casas de repouso, a Pontifícia Academia para a Vida recorda que “há muito bons exemplos que mostram que é possível humanizar o cuidado aos idosos mais fragilizados”, dado que “em alguns contextos sociais pobres, a solução institucional pode ser uma resposta concreta à falta de casa própria”, sem esquecer que alguns idosos “escolhem por si próprios mudar-se para as suas casas de saúde em busca de companhia”, enquanto “outros o fazem porque a cultura dominante os leva a sentir dor e desconforto pelos seus filhos”.
Por isso, “é tão importante preservar o tecido humano e um ambiente acolhedor e atencioso onde todos possam ser cuidados, servidos e satisfeitos”, não só na área da saúde ou residencial, mas também no mundo eclesial, onde os idosos foram e continuam a ser os maiores transmissores da fé para seus netos. Mesmo em uma sociedade secularizada como a nossa, onde “a atual geração de crianças não tem formação e fé cristã”, eles podem transmiti-la aos netos. Porque, como assinala o Papa na Evangelii Gaudium, é necessário “anunciar a presença de Cristo [também] aos idosos”, que “são chamados a ser missionários”.
Na esfera espiritual, “a velhice também é entendida neste contexto espiritual: é a idade propícia ao abandono a Deus”, sublinha o órgão vaticano, que destaca que “a fragilidade dos idosos é também pró-vocacional (...) Uma sociedade que acolhe a fragilidade dos idosos pode oferecer a todos a esperança de futuro”. Por isso, acrescenta, “tirar o direito à vida dos fragilizados é roubar a esperança das pessoas, especialmente dos jovens. Por isso, afastar os idosos – inclusive na linguagem – é um problema sério para todos”.
O abandono “é uma atitude perigosa”, que contrasta com a realidade do Cristianismo, que “não só não responde à fraqueza do homem, desde a sua concepção até ao momento da sua morte, mas dá-lhe sentido e até força". É “o surpreendente potencial da velhice” exemplificado pelos idosos Simeão e Ana, que encontram Jesus, como os velhos e os jovens têm que se encontrar na sociedade de hoje, como o Papa Francisco continuamente repete.
“Ao descartar os idosos, reduzimos as oportunidades de crescimento da sociedade e não atendemos às necessidades momentâneas do presente”, lamenta a Pontifícia Academia na carta, que clama por “uma ética do bem comum e o princípio do respeito à dignidade de cada pessoa, sem qualquer forma de distinção, inclusive de idade”.
A íntegra do documento da Pontifícia Academia para a Vida, em italiano, pode ser lida aqui.
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A Pontifícia Academia para a Vida manifesta-se duramente contra o descarte de idosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU