07 Janeiro 2021
"Como disse Greta Thunberg, mais um ano se passou e nada de significativo foi feito para deter a emergência climática. A governança global não tem apresentado soluções efetivas e a inação só sinaliza para um futuro mais quente e uma Terra cada vez mais inóspita e inabitável", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 06-01-2021.
A concentração de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm) durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). Mas após a grande arrancada do crescimento demoeconômico global propiciado pela Revolução Industrial e Energética – que iniciou a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas em larga escala – a concentração de CO2 chegou a 300 ppm em 1920, atingiu 317 ppm em março de 1960 e pulou para 417 ppm em maio de 2020, conforme mostra a curva de Keeling do gráfico abaixo.
As emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 37 bilhões de toneladas em 2019. Em consequência do efeito estufa, as temperaturas do Planeta estão subindo e acelerando as mudanças climáticas e seus efeitos danosos sobre a vida na Terra.
Como disse a ativista adolescente sueca, Greta Thunberg, a “nossa casa está pegando fogo” e a juventude foi para as ruas para protestar, mas a governança global continua perdendo tempo com palavras vazias e grande inação climática na prática.
Depois de tantas Conferências, Acordos e Tratados a curva de Keeling continua subindo e o ritmo do efeito estufa aumentando. Na década de 1960, o ritmo de aumento da concentração de CO2 estava abaixo de 1 ppm ao ano. Na primeira década do século XXI, a concentração de CO2 passou a aumentar a 2 ppm ao ano e na segunda década (2010-2019) passou a aumentar 2,5 ppm ao ano, conforme mostra o gráfico abaixo. Enquanto a população mundial cresce cerca de 1 bilhão de habitantes a cada 12 ou 13 anos (e o consumo cresce ainda mais rápido), o mundo caminha para uma situação inusitada e dramática de agravamento do efeito estufa.
A desaceleração industrial e a recessão mundial do primeiro semestre de 2020, devido à pandemia COVID-19, não reduziu significativamente os níveis recordes de gases de Efeito Estufa durante o ano de 2020, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Em coletiva de imprensa realizada, os meteorologistas explicaram que houve um surto de crescimento de emissões de dióxido de carbono (CO2) em 2019 e que a concentração continuou aumentando em 2020. Segundo a OMM, as quarentenas impostas pelos governos para frear a transmissão do SARS-CoV-2 ajudaram a reduzir as emissões de muitos poluentes e gases de Efeito Estufa, como o dióxido de carbono. Todavia, o impacto nas concentrações de CO2 na atmosfera (que é o acúmulo das emissões passadas e atuais) não foi significativamente percebido – na verdade houve um aumento dentro das flutuações normais do ciclo de carbono.
Normalmente, a concentração de CO2 aumenta de setembro a maio e tem uma queda entre maio e setembro de cada ano, como mostra o gráfico abaixo da NOAA. Entre outubro de 2019 e outubro de 2020 o aumento da concentração foi de 2,76 ppm, mesmo com as quarentenas e a redução das atividades econômicas globais.
O desafio da contemporalidade é reduzir as emissões de GEE e reduzir, o mais rápido possível, a concentração de CO2 na atmosfera de 417 ppm em maio de 2020 para menos de 350 ppm, o que é o nível minimamente seguro para evitar o descontrole do aquecimento global.
Os últimos 7 anos (2014-20) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente desde 1880. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois vai deixar amplas áreas da Terra inapropriadas para a vida humana e não humana. Ainda não temos os dados definitivos de 2020, mas o ano passado de igualar a temperatura de 2016, sendo que novembro de 2020 bateu todos os recordes da série, conforme mostra o gráfico abaixo.
Sob o Acordo de Paris adotado em 2015, praticamente todas as nações do mundo se comprometeram a limitar o aquecimento global a um patamar “bem abaixo” de 2º C em relação aos níveis pré-industriais e também, se possível, “buscar” esforços para limitar o aquecimento a 1,5C. Contudo, no momento, o mundo não está nem perto do caminho certo para atingir essas metas.
Segundo análise do Carbon Brief, baseado na última geração de modelos climáticos – conhecidos como “CMIP6” (consulte o explicador do Carbon Brief), que estão sendo executados na preparação para o sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), previsto para 2021-22, os cenários são os seguintes:
O mundo provavelmente excederá 1,5º C entre 2026 e 2042 em cenários onde as emissões não são reduzidas rapidamente, com uma estimativa central em 2031;
O limite 2º C provavelmente será excedido entre 2034 e 2052 no cenário de emissões mais altas, com um ano mediano de 2043;
Em um cenário de mitigação modesta – onde as emissões permanecem próximas aos níveis atuais – o limite 2º C seria excedido entre 2038 e 2072, com uma mediana em 2052.
A crise climática significa clima instável e com variações extremas. Mais furacões, mais secas, mais inundações, mais incêndios e queimadas, mais mortes relacionadas ao calor, etc. Desta forma, haverá mais doenças infecciosas à medida que os insetos se deslocarem para o norte. O Ártico poderá ficar sem gelo no verão e a passagem do Norte poderá ficar aberta a maior parte do ano, agravando a situação do ecossistema. O nível do mar aumentará alguns metros à medida que as prateleiras de gelo dos polos derretem, produzindo maiores tempestades e inundações mais intensas em áreas baixas ao redor do mundo. Milhões de pessoas serão forçadas a mudar de área ou país. A agricultura terá perda de produtividade e a insegurança alimentar deve aumentar.
Como disse Greta Thunberg, mais um ano se passou e nada de significativo foi feito para deter a emergência climática. A governança global não tem apresentado soluções efetivas e a inação só sinaliza para um futuro mais quente e uma Terra cada vez mais inóspita e inabitável.
ALVES, JED. A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio, Ecodebate, 19/06/2019. Disponível aqui.
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com prosperidade e regeneração ecológica, Ecodebate, 14/08/2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. O ‘Green New Deal’: a luta contra a degradação ambiental e o aquecimento global, Ecodebate, 25/02/2019. Disponível aqui.
ALVES, JED. Antropoceno é um conceito mais correto do que Capitaloceno, Ecodebate, 18/09/2020. Disponível aqui.
UNDRR. The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019), United Nations Office for Disaster Risk Reduction, 13/10/2020. Disponível aqui.
Jorgen Randers & Ulrich Goluke. An earth system model shows self-sustained melting of permafrost even if all man-made GHG emissions stop in 2020, Scientific Reports volume 10, Article number: 18456, 12/11/2020. Disponível aqui.
TEMPERATURE 4 December 2020 18:06
Analysis: When might the world exceed 1.5C and 2C of global warming?, Carbon Brief, 04/12/20. Disponível aqui.
Série Taliba de Meio Ambiente | EP 02 | Luiz Marques, José Eustáquio Alves e Cristina Serra. Disponível aqui.
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Concentração de CO2 bate recorde em 2020 mesmo com pandemia. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU