06 Janeiro 2021
Embora seja administradora de hospital e enfermeira no oeste da Índia, tendo já treinado enfermeiras no Sudão do Sul durante combates étnicos, o pior medo de uma freira católica ao pegar a Covid-19 era o respirador.
A reportagem é de Saji Thomas, publicada por National Catholic Reporter, 04-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Eu tinha certeza de que, uma vez colocada no respirador, eu não sobreviveria. Eu visualizava como eu iria morrer”, disse a Ir. Sneha Joseph, das Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo, ao se lembrar de um incidente angustiante ao acordar após uma cirurgia de apendicite anos antes, entubada e ofegante.
Mas, quando pegou o vírus, ela não apenas escapou do respirador, como também sobreviveu após 18 dias de tratamento e acabou doando plasma convalescente para tentar salvar a vida de pacientes com coronavírus. “Havia uma voz interior que me incentivava a doar plasma”, disse ela.
Joseph foi homenageada no dia 1º de novembro de 2020 como “Covid-19 Warrior” pelo governador do Estado de Maharashtra em sua residência em Mumbai, a capital do Estado.
“Estou orgulhoso de você. Obrigado pelo seu serviço abnegado à sociedade”, disse o governador Bhagat Singh Koshyari a Joseph, ao apresentar uma carta reconhecendo o seu “serviço exemplar” à irmã das Missionárias Servas do Espírito Santo.
O governador, que é o representante do presidente indiano no Estado, destacou que Joseph inspirou muitos sobreviventes da Covid-19 a doar sangue para tratar outros pacientes.
O programa de premiação Warrior foi organizado pela Spandan Arts, uma organização não governamental local, junto com Ashish Shelar, um legislador do partido pró-hindu Bharatiya Janata.
A Irmã Sneha Joseph, das Missionárias Servas do Espírito Santo, recebe o prêmio COVID-19 Guerreiro em 1º de novembro de Bhagat Singh Koshyari, governador do estado indiano ocidental de Maharashtra. (Foto cedida | NCR)
Joseph doou seu sangue pela quinta vez no dia 9 de dezembro, naquilo que as notícias chamaram de algo inédito para uma doadora mulher. “Eu ainda quero doar sangue, no entanto, os médicos me aconselharam a esperar”, disse a freira de 57 anos ao Global Sisters Report em novembro, após a sua quarta doação.
Joseph, que tem mestrado em Enfermagem, atualmente é diretora executiva do Holy Spirit Hospital, uma instituição multiespecialidade terciária que a sua congregação administra em Andheri, um subúrbio de Mumbai.
A freira doa plasma apenas para pacientes pobres com Covid-19 no Nair Hospital and Medical College, uma instituição administrada pelo governo em Mumbai.
Ramesh S. Waghmare, médico e professor do banco de sangue do Nair Hospital, que facilitou a doação de sangue de Joseph, define a terapia de plasma como um procedimento médico que usa o sangue de um paciente recuperado para criar anticorpos nos pacientes infectados.
Como parte do procedimento, o plasma, a parte fluida do sangue que contém anticorpos, é separado e transfundido para o corpo de um paciente com Covid-19. “Esse procedimento não foi aprovado oficialmente como uma medida eficaz para tratar os pacientes com Covid-19. Mas mostrou resultados positivos no nosso hospital”, disse Waghmare.
O médico disse que seu hospital realiza “terapia de plasma guiada” em vítimas de Covid-19 com plasma convalescente de pacientes recuperados, como Joseph, como parte de um teste clínico.
“Transfundimos duas unidades de 200 mililitros em cada paciente em dois dias sucessivos, e os nossos resultados até agora têm sido bem-sucedidos”, explicou Waghmare.
O médico elogiou Joseph por doar plasma várias vezes, quando outros sobreviventes relutaram em apoiar o estudo pelo menos uma vez.
A freira católica, acrescentou, expressou disposição de ajudá-los no teste, doando seu plasma incondicionalmente. “Estamos todos em dívida com ela”, disse.
Joseph, no entanto, acredita que foi o plano de Deus deixá-la contrair a doença, para que ela pudesse obter novos conhecimentos sobre a sua vida religiosa e o seu desejo de servir aos pobres.
Ela sentiu medo quando adoeceu, pois a doença é muito nova.
“Quando eu soube que havia contraído o vírus, fiquei com medo e pensei que meu fim havia chegado”, lembrou Joseph.
A freira disse que havia se preparado mentalmente para morrer, se essa fosse a vontade de Deus. Ela lutou pela sua vida no hospital durante 18 dias em maio. Uma semana após a recuperação, ela estava de volta ao trabalho.
“Agora, eu me dou conta de que Deus tinha um propósito especial ao me deixar contrair a Covid-19. Inicialmente, fiquei decepcionada, pois as pessoas se afastam dos pacientes com Covid-19 mesmo depois de curados”, disse.
A Ir. Beena Devassia Madhavath, das Irmãs Ursulinas Filhas de Maria Imaculada, que dirige o Sister Doctors Forum na Índia, agradece a “coragem e a generosidade” de Joseph.
Muitas pessoas têm medo e ideias erradas sobre a doação de plasma, mas Joseph não teve problemas, diz Madhavath, que também é superintendente médico do Holy Family Hospital de Mumbai. “É realmente um trabalho humanitário”, disse ela.
Madhavath destaca que nem todos podem doar plasma. “Uma mulher só é elegível se não tiver concebido. A gravidez leva à produção de anticorpos de reação cruzada que podem causar danos”, disse ela (testes usados em nações ocidentais para determinar a segurança de anticorpos em mulheres não estão disponíveis na Índia).
“Demora pelo menos três horas para doar o sangue, e é preciso muita coragem e empenho”, explica a freira médica. O que ela admira em Joseph é que a religiosa do Espírito Santo poderia “poupar muito tempo da sua agitada agenda de trabalho em seu hospital, onde ela faz trabalhos duplos como administradora e enfermeira”.
Madhavath disse que todas as irmãs no país estão “muito orgulhosas de que uma de nós tenha feito um trabalho maravilhoso pela humanidade”.
Joseph afirma que foi a sua vocação religiosa que abriu o caminho. “Se eu não fosse freira, não teria podido doar meu plasma. Eu acredito que a minha vocação religiosa tem um propósito especial”, disse.
Embora ela tenha ouvido falar da terapia de plasma, ela não tinha nem ideia de como fazer isso. Um de seus colegas, Pravin Nair, encorajou-a a doar.
Joseph cumpre todos os requisitos de um doador de plasma. “Geralmente, é necessário um nível de anticorpos maior do que três para doar plasma, mas o meu era maior do que 10”, disse ela. “Meu nível de proteína sérica também estava mais alto, uma boa indicação para a doação.”
Nair elogia Joseph como uma pessoa decidida, que está comprometida em ajudar os pobres. “Quando eu a informei sobre a oportunidade e a importância da doação de plasma, ela identificou o hospital governamental e começou a doar”, disse Nair, chefe do Departamento de Microbiologia e Controle de Infecções do Holy Spirit Hospital.
Ele acrescentou que Joseph sempre afirma que a sua missão na vida é servir aos outros, especialmente aos pobres em tempos de pandemia. Ela ignorou as ofertas de hospitais privados e escolheu o hospital do governo, já que os pacientes mais pobres são transferidos para lá, explicou ele.
Alguns estudos dizem que a terapia de plasma não é útil para tratar a Covid-19, disse Nair, mas “tratar um vírus com anticorpos é um mecanismo eficaz na ciência médica, e nós acreditamos que a terapia de plasma é útil para tratar o vírus pandêmico”.
Outro admirador de Joseph é o bispo auxiliar Allwyn D’Silva, de Bombaim. “Ela teve um ataque muito ruim e sofreu muito”, disse o prelado, que filmou a irmã doando plasma para encorajar outras pessoas a seguirem o exemplo dela.
“É muito raro uma mulher dar esse passo, mas ela se deu conta da dor e do sofrimento dos pacientes com Covid-19, e isso a ajudou a dar mais esse passo”, disse D’Silva.
O bispo disse que considera Joseph uma pessoa “muito humilde”. “Ela não faz isso por fama”, disse ele.
Muitos outros trabalham em hospitais católicos, mas Joseph se tornou um exemplo não apenas para os cristãos, mas também para outros, disse D’Silva. “A vida dela nos envia uma mensagem clara: aquilo que recebemos, precisamos retribuir.”
Joseph, a mais nova dos seis filhos de uma família católica de Kerala, um Estado no sudoeste da Índia, se pergunta por que as suas doações chamaram tanta atenção.
“Quando criança, eu tinha uma paixão por servir aos pobres e agarrei a oportunidade de doar o meu plasma para o tratamento deles”, disse ela. “Eu quero ajudar apenas os pobres que não terão como pagar pelo tratamento.”
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Religiosa indiana, das Missionárias Servas do Espírito Santo, que sobreviveu à Covid-19 doa plasma para salvar outras pessoas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU