04 Dezembro 2020
Quase um terço da população estaria culturalmente disposta a aceitar uma explicação “conspiracionista” para o fenômeno pandêmico e para muitas outras expressões sociais e políticas. A ressonância até no âmbito eclesial das teorias do QAnon, entendidas como denúncia de forças obscuras, de uma conspiração satânica que controlaria a política, a economia e a mídia difundida nos Estados Unidos, também congrega consensos nas margens europeias.
O comentário é de Lorenzo Prezzi, publicado por Settimana News, 03-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É um fenômeno subterrâneo que se alimenta da recusa das vacinas à denúncia das forças financeiras da globalização, das tradições da direita política extrema à percepção de estar à mercê de correntes desconhecidas.
O bispo de Innsbruck, Dom Hermann Glettler, mencionou isso na homilia da solenidade de Cristo Rei do universo e foi retomada no “dies academicus” da Universidade Católica de Linz (19 de novembro). O bispo lembrou que a festa de Cristo Rei foi introduzida em 1925 depois do desastre da Primeira Guerra Mundial e diante do crescimento de poderes estatais e ideológicos que pretendiam um poder absoluto, colocando-se no lugar de Deus.
Depois de recordar o sentido cristão do relato evangélico do juízo (Mt 25,31-46) como exortação a palavras e gestos de caridade, ele se referiu às formas grotescas com que às vezes se exerce o poder ainda hoje. Para depois abordar o presente com um convite exigente: “É preciso confiança!”. Confessar Cristo como Senhor da história é um corretivo salutar para a desorientação do presente. “A suspeita sistemática sobre as medidas de proteção para combater a pandemia parece secar qualquer pensamento positivo para o futuro.”
“Precisamos de gentileza e paciência, virtudes relevantes para o nosso tempo. Há muita indignação e agressividade no ar.” Não é multiplicando as supostas explicações que podemos construir a consolação.
“Enfrente a catástrofe colocando-se em jogo e multiplicando o bem. Muitas pessoas se refugiam em abstrusas teorias da conspiração, sentem-se à mercê de forças e poderes incontroláveis. E se alimenta uma suspeita que absorve qualquer pensamento positivo sobre o futuro. O fato de essas teses serem difundidas entre o povo está ligado à sensação de impotência e desespero de muitos.” A afirmação da realeza de Cristo dá sentido e orientação também na situação atual.
No “dies academicus” da Katholischen Privat-Universität Linz, Michael Fuchs e outras vozes (I. Hoppe, M. Butter, J. Skudlarek, M. Lehner) abordaram o surgimento virulento das teorias da conspiração que fazem parte da história e não são apenas uma emergência atual.
São dois os perigos principais: o alcance de uma massa crítica de consenso que se traduz em escolhas destrutivas (por exemplo, políticas) e o possível resultado violento de quem faz disso o seu próprio programa de vida (por exemplo, o fundamentalismo étnico-religioso). A lógica estrutural que conota tais orientações produz opiniões ocasionais e nenhuma ideia de fundo.
A sua figura argumentativa é inalcançável e frágil ao mesmo tempo. A (suposta) verdade a ocupa totalmente e imuniza todo argumento contrário, independentemente de qualquer verificabilidade. A sua força magnética distorce o argumento contrário como mais uma prova e confirmação.
Se a comunidade científica apoia a vacina é porque ela segue os interesses das empresas farmacêuticas. Se a mídia critica uma liderança é porque ela responde a interesses políticos, e assim por diante. O fato novo é a força disruptiva das mídias sociais e a multiplicação do consenso em muito pouco tempo. Sem possibilidade de verificação e sem censuras jurídicas adequadas.
O que fazer então? Manter aberta a discussão o máximo possível, não bloquear a comunicação, não se cansar de argumentar. Especialmente quando a transição da dissidência para a violência se torna possível ou provável.
Confirmando a rigidez do sistema conspiratório, o jornal La Croix reúne duas vozes de intelectuais franceses.
“Nas ‘Cartas a Lucílio’, Sêneca, nos últimos anos de sua vida, revisita a noção de destino diante da nossa liberdade. O homem tem a escolha: se o aceitar, o destino o educará e o levará a inventar a sua vida. Se se opuser, ele o forçará: Ducunt volentem fata, nolentem trahunt. Os destinos levam aqueles que os aceitam e forçam aqueles que não os aceitam. Quem aceita o destino pode escolher a sua vida. As ideias conspiratórias, os delírios negacionistas que se repetem hoje sobre a crise pandêmica são exatamente o oposto dessa força de resistência. Eu vi nas redes sociais muitas suspeitas abjetas em um filme alucinatório de tanta estupidez, Hold-up, de Pierre Bernérias. Paralelos imundos com os crimes nazistas e o extermínio dos judeus na Europa, justificações do vírus pela vontade dos ‘poderosos’ deste mundo e de uma ‘fase final do capitalismo’ com a eliminação dos pobres e dos mais fracos, e assim por diante. O conspirador é aquele que o fatum esmaga, introduzindo-o em especulações malucas para justificar nossos próprios medos e impotência” (Frédéric Boyer).
“Em um mundo em que o indivíduo é ao mesmo tempo a medida de todas as coisas e impotente para determinar o seu destino, sacudido por forças que o vencem, gostaríamos de um ponto de apoio. Em um mundo invadido por informações desarticuladas nas quais não se encontra nenhum sentido, porque o pensamento é mais lento e mais complicado do que o fluxo atual, gostaríamos de compreender. Em um mundo muito inquietante porque sentimos que tudo nos escapa, gostaríamos de identificar o responsável (...). O conspiracionismo é a tentativa desesperada do indivíduo de assumir o controle do seu próprio destino e de criar uma comunidade de inteligentes” (Alexis Jenni).
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Apocalípticos e conspiracionistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU