30 Abril 2020
"Qualquer aumento no risco de morte dos idosos traria dois impactos econômicos. No longo prazo, seria um redutor do alegado déficit previdenciário. E, no curto prazo, desestruturaria financeiramente as famílias economicamente dependentes da renda dos idosos e isto, com os sistemas de proteção social cada vez mais frágeis, seria um desastre", escreve Henrique Cortez, jornalista, ambientalista e editor da revista eletrônica EcoDebate, em artigo publicado em EcoDebate, 29-04-2020.
A pandemia do novo coronavírus, Covid-19, traz novas e desafiadoras ameaças à população social e economicamente vulnerável, a mesma tradicionalmente vítima em um país historicamente desigual.
A falácia dos negacionistas da pandemia, com o presidente à frente, insiste que o novo coronavírus “apenas” é uma ameaça aos idosos e doentes crônicos, sendo, para os demais, apenas uma ‘gripezinha’.
A primeira vista, é apenas mais uma sandice, dentre muitas outras. Mas, se percebermos atentamente os indícios e o subtexto das declarações e do permanente ataque às melhores práticas recomendadas pela OMS e pelo próprio Ministério da Saúde, talvez não seja insanidade ou ignorância, mas um projeto de longo prazo.
Nem os neonazistas europeus tem um discurso tão eugenista quanto os negacionistas da pandemia, de que é aceitável a morte de milhares de idosos, doentes crônicos e vulneráveis.
Vejamos:
As pessoas com mais de 60 anos, de acordo com o IBGE, correspondem a 13% da população brasileira, ou, algo em torno de 30 milhões de brasileiros. E, em vista da crescente longevidade, o IBGE estima que, até 2060, a população com mais de 60 anos mais que dobre de tamanho e atinja 32% do total dos brasileiros.
Em termos de renda, quase 6 milhões de domicílios, dependem da renda de idosos aposentados ou pensionistas, em geral, com idade superior a 60 anos. Como o desemprego, estrutural e conjuntural, atinge intensamente os mais jovens, os idosos cada vez mais se tornam arrimos de família.
Qualquer aumento no risco de morte dos idosos traria dois impactos econômicos. No longo prazo, seria um redutor do alegado déficit previdenciário. E, no curto prazo, desestruturaria financeiramente as famílias economicamente dependentes da renda dos idosos e isto, com os sistemas de proteção social cada vez mais frágeis, seria um desastre.
Em relação às doenças crônicas, o cenário não é diferente. Dados da PNS/IBGE indicam que quase 40% dos brasileiros adultos (entre 20 e 59 anos) têm, pelo menos uma doença crônica. No caso dos idosos, isto afeta 3 em cada 4.
Como os adultos correspondem a 43% da população brasileira, podemos estimar os portadores de doenças crônicas em 39 milhões de pessoas.
Então, considerando os idosos e os portadores de doenças crônicas falaremos de algo próximo a 70 milhões de brasileiros, ou, quase 1/3 da população.
É por isto que o London Imperial College estimou que, sem distanciamento social, o Brasil poderia ter mais de 1,15 milhão de mortes.
Esse número assustador pode ser ainda maior, se considerarmos o potencial desastre da disseminação do novo coronavírus nas comunidades e favelas, com habitações insalubres, sem acesso à água corrente e saneamento. Em grandes e adensadas comunidades como a Rocinha (RJ) e Heliópolis (SP), a pandemia, sem distanciamento social, teria efeitos trágicos.
A tudo isto, adiciona-se a incompetente e desastrada operação da Caixa no pagamento do auxílio emergencial do governo federal. De um lado, problemas no cadastramento, dificultando acesso a recursos essenciais para a sobrevivência de milhões de brasileiros e, de outro, falhas de sistema e atendimento geram imensas filas de usuários nas agências, rompendo o distanciamento social e potencializando a disseminação do vírus.
Na ponta dos serviços públicos, o SUS enfrenta o maior desafio de sua história e, deliberadamente sucateado, ficará à beira do colapso.
Hoje, quase 50 milhões de brasileiros são usuários do sistema privado de saúde mas, na pandemia, isto será irrelevante. A capacidade de atendimento, em termos de UTIs e respiradores, será insuficiente e, naturalmente, maior esforço de atendimento será dirigido ao SUS.
Aos que amam odiar o SUS, o seu eventual colapso pode ser tornar a pedra de toque pela sua extinção. A pandemia traria medo e revolta mais que suficientes para justificar o que normalmente seria injustificável.
Então não vejo as incontáveis bravatas e frases de efeito contra medidas de distanciamento social como meras idiotices, de quem sempre foi reconhecidamente um idiota.
Se o desastre pelo novo coronavírus ocorrer no pior cenário, estaremos diante um trágico experimento de “darwinismo social”.
Talvez tenhamos, no século 21, uma atualização da expressão latina “Ave Caesar, morituri te salutant”
Mas, sincera e honestamente, espero estar completamente errado.
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Covid-19: A negação da pandemia é irresponsável e perversa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU