17 Novembro 2020
“Posicionamo-nos à esquerda, no entanto, somos críticos à esquerda, especialmente à esquerda ortodoxa, institucional, eleitoreira, instrumentalista. E fora desta dicotomia hegemônica, nos inscrevemos na 'alteridade' a qualquer pensamento único, monárquico ou eurocentrado. Portanto, não defendemos uma mudança civilizatória, mas uma transcivilização, para sair de todo o modelo antropocêntrico, antropomórfico, geocêntrico, monista, cartesiano e coisificador criado pelo império greco-romano e seu paradigma centralizado na razão instrumental”, escreve o Movimento pelo Bem Viver Global, em manifesto publicado por OPLAS, 14-11-2020. A tradução é do Cepat.
O Movimento pelo Bem Viver reúne e entrelaça pessoas, coletivos e movimentos sociais que abraçam ou têm como horizonte o Bem Viver como outra via às correntes eurocêntricas e reducionistas que dirigem o mundo há 500 anos. O fracasso de todas as concepções obscurantistas e projetos contra a natureza levou a buscar outros caminhos, entre eles, a experiência acumulada dos povos indígenas ou milenares, que estão neste continente há pelo menos 20.000 anos, que têm muito a oferecer e compartilhar.
A quebra e ruptura colonizadora imposta pela monarquia não conseguiu acabar com os povos ancestrais, que sobrevivem e resistem, uns melhor que outros, e em diferentes níveis. A partir daí, levantamo-nos em meio à noite para acender e expandir a luz, como nos disseram nossos avós que deveríamos fazer, após 500 anos. Somos os herdeiros, continuadores e tecedores de todas estas sabedorias, práticas e valores, empunhando o Bem Viver nas diferentes línguas, formas e cores de Amaruka ou de Abya Yala.
Somos um movimento plural, habitado pela diferença e a diversidade, característica própria da natureza e da qual o ser humano faz parte, e cujo sentido de existir é encontrar o equilíbrio e a harmonia entre seus diferentes lados e posições, para evitar cair em qualquer tipo de dogmatismo ou fanatismo. A oposição é a constante da vida humana e natural, a que gera desencontros, disputas, duelos e, diante disso, a ferramenta é a conciliação e o acordo baseado no princípio da “harmonia da complementaridade”.
Totalmente diferente do paradigma civilizatório que busca anular ou eliminar o oponente ou diferente, posição e atitude que basicamente destrói e que gera continuamente guerra, morte, destruição, violência, dor, somos conscientes de que não é fácil viver em harmonia e equilíbrio (bem viver), mas temos a perspectiva, as ferramentas e os conhecimentos para responder a partir desta filosofia da complementaridade, para sempre buscar restabelecer a estabilidade e manter a equidade como as fontes primordiais de uma vida sustentável e simbólica.
Neste sentido, queremos visibilizar, potencializar e consolidar estas ontologias, epistemologias, axiologias e hermenêuticas, para reconstruir nossas vidas pessoais e comunitárias que nos permitam encontrar outro estilo de vida, a partir de outro modo de entender a realidade e de estabelecer outras relações às impostas pela civilização e particularmente pela pandemia do capitalismo.
Entendemos que a civilização surgiu como um projeto para romper com a mãe terra e para controlar todo o feminino da vida. A civilização se separou da natureza e a rotulou como inferior e passou a objetivá-la e instrumentalizá-la. O mesmo fez com a mulher, a sensibilidade, a afetividade, a sexualidade, as deusas, os pobres da Europa, até chegar a fazer o mesmo com os povos de outros lares, de outras cores e de outras cosmovisões e filosofias, nos últimos 500 anos.
Depois de mais de 2000 anos, na Europa e em todo o mundo, as mulheres, as diversidades sexuais, as espiritualidades e os povos indígenas de todas as cores da mãe terra se ergueram para dizer que não queremos mais patriarcalismo, machismo, racismo, classismo, sexismo, homofobia, xenofobia, aporofobia, nacionalismo, psicofobia em relação a qualquer ser humano ou povo. Da mesma forma, não mais extrativismo, ecocídio, tortura, agressões aos outros seres da mãe terra, que constituem e tornam possível a vida neste planeta e que consideramos nossos irmãos, pois nos sentimos um membro a mais da natureza e do cosmos sagrado.
Não questionamos apenas o classismo, já que é apenas uma parte do conflito social, mas outra série de fatores fundacionais, estruturais e paradigmáticos, com a denominada civilização ou mais concretamente com o paradigma homogenista e supremacista. As diferenças entre os promotores do capitalismo e do socialismo-comunismo são basicamente diferenças de classe, pois ambos compartilham os mesmos pressupostos conceituais sobre a realidade, a natureza, a ciência, a cultura, a sociedade. E nós nos desmarcarmos de tudo isso, pois carregamos outros princípios, valores e categorias.
Almejamos uma descolonização das correntes provenientes do eurocentrismo de esquerda, para poder avançar para mudanças profundas na humanidade e não ficarmos em simples mudanças epidérmicas, tal como vimos em todos estes anos que foram simplesmente ‘gatopardismos’, isto é, simples mudanças de pele para que tudo continue igual. As duas tendências hegemônicas basicamente pretendem mudanças econômicas, mas deixam inalteradas as concepções e instituições criadas pelo reducionismo e a pandemia civilizatória.
No Ocidente, existem aqueles que compreendem que também são presas do colonialismo eurocêntrico, materialista, positivista, racionalista, dogmático e içam os saberes e práticas de seus ancestrais indígenas, colocando como referência os “Bens Comuns”, que estão na mesma onda do Bem Viver. E o mesmo está acontecendo na África (Ubuntu) e na Ásia, ou seja, em todo o planeta. Consequentemente, não se trata de experimentar novas aventuras, nem de retornar ao passado, mas de aproveitar a vivência acumulada dos povos indígenas de todo o mundo, bem como o positivo da autodenominada “civilização”.
Entendemos que o axioma direita-esquerda é um dogma colonial, imposto ao mundo pelo monoteísmo político para dividir os seres humanos, mas, ao mesmo tempo, sabemos que é uma maneira sob a qual a maioria dos seres humanos se regem, atualmente, dentro destes termos e códigos, para tomar posições dentro do capitalismo.
Neste sentido, posicionamo-nos à esquerda, no entanto, somos críticos à esquerda, especialmente à esquerda ortodoxa, institucional, eleitoreira, instrumentalista. E fora desta dicotomia hegemônica, nos inscrevemos na “alteridade” a qualquer pensamento único, monárquico ou eurocentrado. Portanto, não defendemos uma mudança civilizatória, mas uma transcivilização, para sair de todo o modelo antropocêntrico, antropomórfico, geocêntrico, monista, cartesiano e coisificador criado pelo império greco-romano e seu paradigma centralizado na razão instrumental.
Nessa direção, deixamos claro que o Bem Viver não é um modelo de desenvolvimento, nem uma alternativa ao desenvolvimento, como é apresentado de forma deformada pelos progressistas. O Bem Viver é um sistema sociopolítico-espiritual que reproduz o sistema da natureza, ou seja, da vida, em uma versão e aplicação humana. Também não é apenas um projeto cultural, mas é um paradigma integral aplicável a todos os elementos que fazem a vida social e natural. Queremos construir um mundo vital, recíproco, de complementaridade, correspondente, mútuo, onde “cabem todos os mundos”, como dizem os zapatistas.
Defendemos a redução das desigualdades, pois entendemos que as desigualdades são as que geram ou são o terreno fértil para a exploração, a pobreza, a delinquência, a doença, o sofrimento. Nossa proposta é reduzi-la ao mínimo possível entre os seres humanos, assim como em relação aos outros seres da vida. Enquanto para a direita o centro é o capital, para a esquerda é o homem, para a alteridade é a vida em seu conjunto.
Portanto, consideramos que o comunitário deve estar acima do público-estatal e o privado. E, desta maneira, também sair do binarismo entre o privatismo e o estatismo, colocando o comunitário (cooperativo, associativo, grupal, coletivo) como outro ente fundamental e primordial sobre a economia e a propriedade. Tudo isso dentro de um Estado plurinacional, como a possibilidade de compartilhar e de conviver entre multiplicidades e heterogeneidades, muito diferente do estado unicista, homogeneizador, piramidal e repressor que, atualmente, nos governa.
Em nosso movimento praticamos a biocracia e o consenso e nada se decide ou se faz porque ganha a maioria sobre a minoria, como na democracia. Buscamos o acordo, a conciliação, a mediação, a compensação, para sair de qualquer forma de concorrência que é o princípio orientador do eurocentrismo de direita e esquerda.
Estamos mais interessados em construir o mundo novo do que destruir o capitalismo. Estamos mais interessados a já viver em outro mundo, do que nos dedicar mais à conquista do poder. Gostamos mais dos projetos coletivos de produção regenerativa e de novas formas de vida, do que dedicar todo o nosso tempo à luta eleitoral. Estamos mais preocupados com as ações de resistência cotidiana frente ao desenvolvimentismo e neoliberalismo, do que colocar o nosso empenho na luta armada para assaltar o poder, para posteriormente nos dedicar a defendê-lo nos tornando dominadores e autoritários que buscam manter esse profuso poder político.
Portanto, estamos mais animados pela “rebeldia social” que gera uma vida nova do que pelas revoluções armadas e as eleições democráticas, mas também assumimos posições frente a estes cenários que se apresentam, apoiando ou criticando os políticos profissionais e os partidos políticos que são apresentados como os únicos entes da direção pública e social.
Desta forma, não somos uma força a mais da esquerda, mas marcamos encontros e distâncias, abrindo outros caminhos que possam ser possibilidades reais de mudanças profundas e não novas miragens que giram em torno da mesma coisa. Buscamos dar esperança a todos aqueles que não veem nos partidos políticos mecanismos de mudança, para gerar outros processos a partir da alteridade e distantes das práticas conhecidas e fracassadas. Em última instância, o que fazemos é sistematizar as experiências de rebeldia de diferentes povos no mundo, para oferecer vias e luzes àqueles que ainda não podem ver que existe algo além do que nos é oferecido pelo pensamento hegemônico e supremacista.
Se você, assim como nós, sente o chamado da Mãe Terra para aflorar toda a potência e loucura criativa para juntos construir o mundo que queremos para nossos filhos. Se você, assim como nós, sente a urgência de agir para construir um mundo de cuidado de todas as formas de vida. Se você, assim como nós, está cansado da pandemia do capitalismo, junte-se ao bem viver.
Página web: https://buenvivir.global/
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Manifesto do Movimento pelo Bem Viver Global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU