12 Outubro 2020
"Estamos mais uma vez diante da incapacidade de qualquer autocrítica e da reconstrução deformada do passado de Lula e Dilma, como se sua gestão não se caracterizasse pela aliança com o centro-direita e com as elites empresariais, bancárias, de mineração e do agronegócio", escreve Flavio Lazzarin, padre Fidei Donum, que atua no Maranhão, publicado por Settimana News, 10-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "o genocídio de povos indígenas e camponeses não é novo. O desastre ecológico dos biomas brasileiros não é novo. Novo, ou renovado, é o discurso despudorado e desumano, que raramente ousava se manifestar. Mas me parece evidente que a batalha não pode ser travada no plano dos discursos, das narrativas. Combate-se apenas no plano da verdade dos fatos. E o fato incontestável é a crise da nossa civilização. Disso deveria partir todo projeto político".
Giorgio Agamben escrevia sobre Guy Debord e sobre cinema quando fez uma observação que me levou a pensar. O filósofo mencionava a diferença de objetivos do cinema e do noticiário. Em tempos em que as portas do futuro parecem fechadas, muitos estão ressuscitando o passado mais trágico e insano e o cinema poderia fazer o contrário do que fazem os nostálgicos do terror.
Poderia favorecer uma memória que restitua, a partir das vítimas e dos derrotados do passado, a possibilidade de refazer a história. E pode fazer o contrário dos jornais e dos noticiários da televisão, cujo objetivo é nos confinar ao presente, apagar e deturpar a memória e propiciar ressentimentos estéreis. Os jornais nos oferecem os fatos, mas diante de cada notícia nos vemos impotentes, porque o poder da mídia consiste justamente em promover o telespectador desmemoriado, indignado e impotente.
Uma longa premissa para dizer que não me sinto à vontade quando sou convidado a comentar sobre a atualidade, acompanhando os noticiários e as redes sociais.
Hoje, ganham manchetes os incêndios na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal em um Brasil cada vez mais inimigo da Terra e da vida. Hoje, ganham manchete as mentiras descaradas dos líderes políticos americanos e as reações pontuais, indignadas e impotentes daqueles que acreditam que pode ser suficiente manifestar dissenso em relação a Trump e Bolsonaro.
E, ao fazer isso, esquecemos que um profundo discernimento seria necessário para desmascarar supostas virgindades políticas e religiosas que nos requalificam, a baixo custo, como seres humanos éticos e solidários apenas porque nos opomos à nova direita mundial.
Nesse presentismo, inoculado pela mídia, corremos o risco de ser figurantes da democracia como farsa, em que regimes e oposições se associam para discordar nos detalhes e, ao mesmo tempo, para aceitar a gestão capitalista do planeta como natural e indiscutível.
Um exemplo que sintetiza essas atitudes políticas, generalizadas na Europa e na América, é dado pela reportagem publicada no Poder 360 (29 de setembro), na qual José Dirceu escreve que o Partido dos Trabalhadores (PT) deve mudar e a esquerda deve se atualizar. No entanto, permanecemos desapontado com as limitações da análise, das perspectivas e das estratégias políticas.
Estamos mais uma vez diante da incapacidade de qualquer autocrítica e da reconstrução deformada do passado de Lula e Dilma, como se sua gestão não se caracterizasse pela aliança com o centro-direita e com as elites empresariais, bancárias, de mineração e do agronegócio.
Como se a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas faraônicas de Belo Monte, Estreito, Jirau, Santo Antônio ... Olimpíadas e Campeonato Mundial de Futebol ... Programa Matopiba (conjunto maléfico de projetos que acaba por cancelar definitivamente o cerrado brasileiro do mapa dos biomas) não fossem iniciativas decididas contra a vida dos indígenas, das comunidades tradicionais, das periferias urbanas, dos pequenos e dos pobres de Jesus
Para reagir de forma adequada é necessário refrescar a memória. Descobriríamos que as atrocidades reveladas pelos discursos e turpilóquios do atual governo revelam com clareza o que sempre aconteceu, mas que permanecia elegantemente maquiado pelas liturgias do poder.
O genocídio de povos indígenas e camponeses não é novo. O desastre ecológico dos biomas brasileiros não é novo. Novo, ou renovado, é o discurso despudorado e desumano, que raramente ousava se manifestar.
Mas me parece evidente que a batalha não pode ser travada no plano dos discursos, das narrativas. Combate-se apenas no plano da verdade dos fatos. E o fato incontestável é a crise da nossa civilização.
Disso deveria partir todo projeto político. O que parece impossível mesmo neste Brasil, às vésperas das eleições municipais, admirável síntese da coação à repetição, que prenuncia as repetições que se esperam para 2022, ano das eleições presidenciais.
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Brasil: a crise da nossa civilização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU