15 Novembro 2020
Em sua coluna, Marie Charrel aborda as conclusões de um estudo do FMI que aponta para o risco do aumento das disparidades de renda entre profissões, dependendo do seu acesso à tecnologia digital, mas também entre países.
A reportagem é de Marie Charrel, publicada por Le Monde, 12-11-2020. A tradução é de André Langer.
Na Europa, à medida que os países adotam novamente as restrições para enfrentar a pandemia, milhões de trabalhadores tomam o caminho de casa. Para muitos, o teletrabalho será a norma durante muitas semanas. É claro que é muito cedo para dizer até que ponto e em que grau isso continuará quando a Covid-19 estiver novamente controlada. Mas o mais provável é que se estabilize em um nível mais alto do que antes da crise. Com suas vantagens: mais flexibilidade para os trabalhadores, quando bem organizado pela empresa. E suas desvantagens: é suscetível de aumentar uma série de desigualdades no curto e médio prazo.
Quanto mais prolongadas forem as restrições, mais aqueles para quem o teletrabalho é impossível (especialmente no comércio, na hotelaria, no setor da alimentação e no turismo) se arriscam a perder o emprego, ver os seus rendimentos diminuir ou ficar desempregados.
Em uma publicação sobre o assunto, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimam que quase 100 milhões de trabalhadores em 35 países avançados e emergentes, ou seja, 15% da força de trabalho desses países, se encontram nessa situação. Em sua grande maioria são “jovens, sem formação universitária, com contratos precários, trabalhando em pequenas e médias empresas e se encontram na base da escala de renda”, dizem as três autoras, Mariya Brussevich, Era Dabla-Norris e Salma Khalid. Isso faz temer “que a pandemia exacerba as desigualdades”: entre gerações, entre sexos e entre ricos e pobres.
Mas também entre países. Dependendo das especializações produtivas, do grau de digitalização, da natureza dos empregos e da escala de renda, o trabalho a distância ocorre de forma muito diferente de uma economia para outra. Segundo as estimativas, 40% dos empregos podem ser “executados a distância” nos países desenvolvidos, com uma diferença que varia, na área do euro, de 24% na Itália a 42% na Alemanha.
Nos países emergentes, onde mais da metade dos domicílios nem tem computador em casa, até 20% da população urbana pode trabalhar a distância, mas o nível cai para praticamente zero no campo. E isso ainda não é tudo: mesmo em setores com forte presença física, como o comércio, a possibilidade de trabalhar em casa é muito maior nos países ricos, onde o digital e a venda à distância estão mais consolidados.
Ao cruzar esses diferentes dados, as autoras mostram que poucas pessoas conseguem trabalhar remotamente na Turquia, Chile, México, Peru e Equador, ao passo que as possibilidades são, ao contrário, muito altas em Cingapura e nos países nórdicos. “Tudo isso pode lançar luz sobre as políticas públicas a serem implementadas durante e após os bloqueios para proteger os trabalhadores”, concluem.
Se se tornar comum, o teletrabalho também pode levar a outros tipos mais traiçoeiros de desigualdade no longo prazo. Entre homens e mulheres, em particular. Para as mulheres, trabalhar em casa, à primeira vista, facilita a coordenação da vida profissional e familiar. Entretanto, há o risco de que mais e mais tarefas domésticas recaiam sobre elas. E que algumas trabalhadoras, por escolha ou restrição, vão ao escritório com menos frequência do que seus colegas do sexo masculino, em detrimento de suas carreiras. Porque, sejamos claros: o “longe dos olhos e fora do coração” também se aplica à empresa. Os mais presentes no escritório, movimentando-se sob os olhos dos seus gerentes, geralmente têm menos problemas para conseguir promoções.
Some-se a isso o medo, sem dúvida um pouco exagerado do “telemigrante”, segundo o qual o teletrabalho poderia facilitar a “deslocalização” de empregos qualificados dos países industrializados para as nações emergentes, em favor de free-lance locais ultracompetitivos. Os otimistas acreditam que esses telemigrantes não iriam substituir necessariamente nossos quadros: eles poderiam ser contratados de forma complementar, principalmente em nichos onde nossas empresas, mesmo em tempos de crise, enfrentam escassez de mão de obra. Os pessimistas temem que, ao contrário, isso contribua para a destruição de empregos entre nós...
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“O teletrabalho deve ampliar as desigualdades entre os trabalhadores, os sexos e os países” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU