07 Novembro 2020
Uma cobra enrolada no meio da grama alta, pronta para dar o bote na primeira oportunidade. É assim que a vasta área do Rio Osage ainda se apresenta hoje, ao abandonar as pradarias para entrar nos territórios arborizados na fronteira entre o Missouri central e o Kansas oriental.
A reportagem é de Generoso D’Agnese, publicada por L’Osservatore Romano, 04-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Apesar das intervenções da mão humana, a beleza do cenário natural ainda permanece alta e certamente pareceu idílica aos primeiros colonos que subiam o rio em busca de novas oportunidades de vida, portadores daquela semente da destruição que irremediavelmente varreria as antigas populações indígenas.
O “povo das estrelas” habitava naquelas fascinantes terras da fronteira ocidental estadunidense, nos anos em que lá chegou o jovem Paolo Maria Ponziglione, em veste de missionário.
Derrotados na guerra de Pontiac e por inúmeros outros confrontos com o exército estadunidense, pressionados por Cree e Cherokee, os Osage (este é o nome dado ao povo das estrelas pelos colonos) resistiram durante anos às pressões externas, defendendo zelosamente seu território, mas não se opuseram à pregação do jovem italiano, cujos antepassados falavam dele como um orgulhoso e ferrenho defensor da liberdade.
Os índios intuíram a alma rebelde do jovem missionário e se ligaram indissoluvelmente a ele, tornando-se seus filhos prediletos nos mais de 40 anos passados por Ponziglione nas áreas da reserva deles.
Dotado de um fascínio magnético, Paolo Maria Ponziglione não revelou a ninguém, senão a poucos dias da sua morte, a sua linhagem nobre, mas, na sua longa vida, usou todas as estratégias contidas no seu cromossomo nobre, para obter favores para a causa da Igreja e para o bem-estar da missão Osage. E quase sempre os conseguiu.
O futuro jesuíta das pradarias nascera em Cherasco, na província de Turim, no dia 11 de fevereiro de 1817. Único filho homem do conde Felice Ferrero Ponziglione de Borgo d’Ales e da marquesa Ferrari de Castelnuovo, o jovem Paolo logo decepcionou as expectativas paternas, demonstrando uma clara vocação para a vida religiosa.
Educado inicialmente na escola dos jesuítas de Novara, Ponziglione se mudou para Turim para prosseguir os estudos de Direito, mas, poucos anos depois, abandonou o curso para entrar na Companhia de Jesus.
Noviço em Chieri, foi transferido para o colégio de Gênova em 1848, para viver em primeira pessoa os tumultos republicanos contra a coroa de Saboia. Preso junto com outros 18 coirmãos, foi acusado de conspiração pelos seu compromisso ativo em favor da causa de Mazzini e encarcerado em um navio no porto de La Spezia.
Tendo sofrido violências pessoais durante a viagem de transferência para o confinamento da Sardenha, Ponziglione entendeu que definitivamente havia queimado seus sonhos italianos e enfrentou de bom grado a tranquilidade de um exílio religioso em Modena e em Roma, onde conheceu o Pe. John Anthony Elet, recém-eleito vice-provincial da região do Missouri.
Fascinado pelas histórias do Pe. Elet, o jovem e incômodo religioso insurrecional piemontês usou toda a influência da sua própria ascendência para se infiltrar nos coirmãos mais velhos: seu pedido de ser enviado à fronteira estadunidense foi aceito.
Em 1849, como exilado voluntário, ele finalmente chegou a St. Louis para completar seus estudos teológicos e saborear o gosto inconfundível da terra de fronteira. Enviado como noviço a St. Stanislaus, em Florissant, Ponziglione se ambientou por um ano nas duras tarefas que o aguardavam e, depois de um ano, completou seus estudos no St. Joseph College em Bardstown, Kentucky, para aperfeiçoar seus rudimentos de inglês.
No início de 1851, o jovem missionário chegou ao seu destino, no Rio Osage e entre os índios ainda belicosos do “povo das estrelas”. Fundada em 1847, a missão designada a Ponziglione rapidamente se tornou a base de uma atividade missionária incansável. Hábil cavaleiro, o missionário logo entrou em sintonia com os “Grandes Osage” e os “Pequenos Osage” espalhados entre as colinas e os intrincados bosques do Kansas e do Missouri.
Ele se deslocou continuamente ao longo dos seus anos de missão para chegar muitas vezes a Oklahoma, Arkansas e Texas, sempre pronto para levar palavras de conforto arriscando a própria vida. Na sua frente, Ponziglione encontrou várias vezes os indomáveis Arapaho, Cheyenne, Pawnee e Miami; às vezes, ele se deparou com os sanguinários bandos Apache, saqueadores do Sudoeste. Mas a sua habilidade oratória, o seu jeito afável e ponderado, aliados à sua fama de “amigo dos índios” sempre prevaleceram sobre as intemperanças dos jovens guerreiros.
Durante 40 anos, o missionário exilado trabalhou duro para transformar a Osage Mission em um centro bem equipado para a difusão do ensino católico e obteve numerosas conversões. Mas a sua ação não se limitou apenas aos índios.
Em uma área que, ao longo dos anos, foi se tornando povoada por colonos, Ponziglione conseguiu construir nada menos do que sete igrejas, seguindo talvez instintivamente a antiga e fascinante tradição oral Osage que incluía sete irmãos na sua cosmogonia primordial.
Fundador de muitos colégios anexados às suas paróquias, Paolo Maria Ponziglione trabalhou na realização de nada menos do que 180 missões, entre o Kansas (nada menos do que 27), o Wyoming, o Missouri, Arkansas e Oklahoma, erigindo-se como um verdadeiro marco das pradarias estadunidenses.
A sua figura vestida de preto tornou-se um perfil familiar nas difíceis terras de fronteira, entre índios constantemente em guerra uns com os outros e com os colonos brancos usurpadores das suas terras. O piemontês lutou muito para manter a justa equidistância entre as sacrossantas exigências dos nativos e a arrogância apressada de colonos famintos de oportunidades e terras.
Com o passar dos anos, ele aprendeu a refrear seu próprio impulso revolucionário, aceitando parcialmente também os antigos costumes Osage e absorvendo muitas das suas tradições.
Tendo-se tornado correspondente da Woodstock Letters, revista fundada em 1872, o jesuíta sempre contou em detalhes a natureza das várias tribos indígenas, com particular atenção aos temíveis Arapaho. Foi de sua autoria um atento e equilibrado “Plan of Reductions for the Indians”, que o governo local leu com interesse para depois deixá-lo na gaveta das boas intenções.
Ponziglione também se tornou missionário dos colonos em 1869, quando a tribo do povo das estrelas cedeu o território da reserva ao governo dos Estados Unidos, para se mudar para os Territórios Indígenas de Oklahoma. Foram, então, os numerosos operários da ferrovia entre Kansas e Missouri que se tornaram visitantes assíduos das paróquias, para abrir lugar aos mineiros de carvão, no fim do século XIX.
Testemunha do declínio da grande fronteira estadunidense, Ponziglione descreveu pontualmente os acontecimentos da pradaria e, simultaneamente, construiu inúmeras igrejas de excelente acabamento arquitetônico.
Na sua Osage Mission, ele fundou a St. Francis Church, de cujos muros ele dirigiu toda a sua ação pastoral em relação aos seus alunos indígenas. Respeitado e amado por toda a variada nação indígena, o ex-revolucionário de Cherasco ocupou seu cargo até 1891, após ter celebrado o cinquentenário do seu sacerdócio em 1889, na presença de inúmeras autoridades estadunidenses e de muitos chefes indígenas.
Mas, apesar da idade, o jesuíta combativo não optou por se retirar para o repouso de alguma paróquia da cidade. De fato, ele aceitou o encargo de ir para as tribos Crow das reservas de Montana. No entanto, a sua nova aventura durou apenas dois anos.
De fato, o clima rígido do noroeste estadunidense não ajudou o idoso missionário, que, com relutância, teve que aceitar o cargo de historiador do St. Ignatius College em Chicago.
Durante seus anos de ensino, o Pe. Ponziglione deu à posteridade as suas “Reminiscences of Half a Century”, um verdadeiro testemunho escrito sobre a vida de fronteira e um compêndio de antropologia social e cultural do oeste estadunidense.
Trabalhador indomável, entre os seus numerosos cargos no colégio de Santo Inácio, Ponziglione teve o de pastor da nascente comunidade italiana. A morte o ceifou precisamente durante a sua ação missionária entre seus compatriotas, aos 83 anos de idade, um verdadeiro gigante da Igreja Católica nos postos avançados da civilização ocidental na América.
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O jesuíta das pradarias estadunidenses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU