10 Agosto 2020
"Alguns jesuítas foram nomeados cardeais por causa da promessa especial deles de não buscar promoção eclesiástica. Assim, esse pequeno porém seleto grupo inclui membros destacados da Companhia. Eles foram diplomatas de sucesso, confessores de papas e da realeza, teólogos perspicazes, escritores, poetas, intelectuais, membros de famílias reais e aristocráticas, administradores e mestres, precursores de mudanças. Alguns deles, como Bellarmino, Bea, Jean Daniélou (1905-1974), Martini ou Jorge Bergoglio (nascimento 1936), que se tornou Papa Francisco em 2013, são os mais conhecidos; outros têm sido negligenciados pelos estudiosos. Apesar do papel proeminente que a maioria deles desempenhou na história da Igreja Católica e por às vezes terem sido inclusive papabili, apenas um cardeal jesuíta foi eleito papa", escreve Robert A. Maryks, em artigo publicado por Journal of Jesuit Studies, 03-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Nas Constituições da Companhia de Jesus, o seu cofundador Inácio de Loyola esperava erradicar a ambição (ambitio), “origem de todo mal em qualquer ordem religiosa”. [1] Ele prescrevia, portanto, que a porta se fechasse a toda busca de ascensão eclesiástica. Os jesuítas professos não buscavam nem aceitavam quaisquer dignidades eclesiásticas fora da Companhia de Jesus, a menos que os obrigassem sob a dor do pecado (Const., 817). [2]
O Cardeal Marcello Cervini (reinado 1555, de abril a maio), um dos presidentes do Concílio de Trento (ele, um ano depois, seria eleito Papa Marcelo II) e Martín de Olabe (circa 1507-1556), aluno de pós-graduação da Sorbonne e membro do concílio, tendo entrado para a Companhia em 1552, discutiram esta proibição singular de Loyola em 1554. Cervini argumentou que a Companhia serviria melhor a Igreja ao abastecê-la com bons bispos. A explicação de Olabe sobre a oposição da Companhia não convenceu o cardeal. Olabe contou que a autoridade de Inácio parecia bastar para acreditar que aquele era o melhor o melhor caminho a seguir. Cervini acabou concordando.
Logo depois que Juan de Arteaga (morte 1540), ex-companheiro de Íñigo em Barcelona e Alcalá, foi nomeado bispo de Chiapas, no México, em 1540, ele ofereceu o seu bispado a Inácio em troca de um membro da nova Companhia de Jesus. Inácio, que não havia sido eleito superior geral ainda, declinou a oferta.
Em 1545, Dom Urban Weber, da Diocese de Laibach (Liubliana), solicitou que Diego Laínez (1512-1562) fosse nomeado coadjutor com direito à sucessão. Mais tarde, segundo o historiador jesuíta Giuseppe Boero (1814-1884), Laínez receberia como oferta os assentos de Florença e de Pisa: ele rejeitou a ambos.
Alfonso Salmerón (1515-1585) atesta que Laínez também recebeu a oferta do assento para Mallorca. Em 1555, o Papa Paulo IV (reinado 1555-1559) decidiu elevar Laínez ao cardinalato. Salmerón advertiu Inácio do perigo, como fez o Cardeal Otto von Truchsess, da Diocese de Augsburgo (1514-1573).
Em resposta, Pedro de Ribadeneyra (1527-1611) repetiu aquilo que Inácio lhe havia confidenciado: “Se o nosso Senhor não estender a sua mão, teremos o Mestre Laínez como cardeal, mas eu lhe certifico, caso ocorra, de que isto seja feito com muito barulho para que o mundo entenda como a Companhia aceita estas coisas” (MHSI, Fontes narrativi, 2, p. 372).
O imperador Carlos V (reinado 1519-1556) e o imperador Fernando I (reinado 1556-1564) pressionaram os jesuítas a aceitar bispados. Fernando, como rei dos romanos, através do bispo de Laibach, fez campanha para a nomeação de Claude le Jay (1505-1552) ao assento estratégico de Trieste (diocese a nordeste da Itália atual). A nomeação parecia inevitável até que Inácio conseguir dissuadir o Papa Paulo III (reinado 1534-1549) de confirmá-la.
Outros dois cofundadores também foram procurados para ocupar cargos mais altos, especificamente Nicolás Bobadilla (1511-1590) e Paschase Broët (1500-1562).
Em 1551, Carlos V defendeu que o amigo e confidente Francisco de Borja (1510-1572), recém-ordenado padre e professo da Companhia de Jesus, fosse elevado a cardeal. Ao saber que o Papa Júlio III (reinado 1550, de fevereiro a março) já havia concordado com a recomendação de Carlos, aparentemente Inácio mobilizou todos os recursos espirituais que tinha em mãos. O próprio Borja deixou Roma e escondeu-se em um canto obscuro do país basco, onde ficou até o papa abandonar o projeto.
Nessa época, Inácio defendeu a Companhia contra uma tentativa semelhante feita pelo Papa Júlio III. Em Viena, o núncio apostólico e o embaixador imperial pressionaram para que o papa nomeasse Pedro Canísio (1521-1597) no preenchimento da vacância episcopal. Finalmente, através de um breve pontifício, obteve-se um acordo pelo qual Canísio foi nomeado administrador da igreja vienense por um ano, mas sem título ou benefícios episcopais.
No entanto, houve exceções. Loyola autorizou a nomeação de João Nunes Barreto (1519-1571) como patriarca da Etiópia, e de André de Oviedo (1518-1577) e Melchior Miguel Carneiro Leitão (1519-1583) como bispos coadjutores talvez por causa da pressão do rei João III, de Portugal (reinado 1521-1557), a quem a jovem Companhia devia muito (a primeira província jesuíta foi criada em Portugal) ou porque, como sugere John W. O’Malley, Inácio “acreditava que, nestes exemplos, não havia perigo de se buscar o episcopado por causa de alguma honraria ou benefício atribuído – de fato, o futuro reservou somente dificuldades extremas”. [3]
A resistência continuava com Laínez, Borja e Everard Mercurian (no cargo 1573-1580), mas mudou durante o generalato de Claudio Acquaviva (no cargo 1581-1615), quando o Papa Clemente VIII (reinado 1592-1605) criou os primeiros cardeais jesuítas: Francisco de Toledo (1532-1593), em 1593, Roberto Bellarmino (1542-1621) seis anos mais tarde, em 1599. Durante o mesmo período, no entanto, com a ajuda de Robert Persons (1546-1610), Acquaviva evitou a promoção do inglês como sucessor do Cardeal William Allen (1532-1594). [4]
Desde a década de 1590 a 2020, um total de 49 jesuítas compõem a lista de cardeais. Entretanto, não está claro se quatro deles podem de fato ser chamados jesuítas pois não eram membros da Companhia quando foram criados cardeais. [5] Jan Kazimierz Waza (1609-1672), que era noviço jesuíta havia cerca de um ano, tornou-se cardeal e, na sequência, rei; durante alguns anos o seu irmão Jan Olbracht Waza (1612-1634) esteve no escolasticado jesuíta e foi criado cardeal após sair da Companhia. O Cardeal Carlo Odescalchi (1786-1841) desistiu do título antes de entrar na Companhia de Jesus. Finalmente, Hans Urs von Balthasar (1905-1988), teólogo suíço, teve o nome anunciado para o cardinalato quando tinha 38 anos de ordem religiosa, mas morreu dois dias antes da cerimônia (1).
Todos os cardeais jesuítas permaneceram membros do Sagrado Colégio até a morte [6] com a significativa exceção do Cardeal Louis Billot (1846-1931), que abdicou (ou foi rebaixado?) poucos anos antes de morrer (1927). Cinco cardeais entraram para a Companhia de Jesus e morreram como jesuítas. Entre eles, Giuseppe Pecci (1807-1890), irmão mais velho do Papa Leão XIII (reinado 1878-1903), e Niccolò Pecci (1715-1767), que era cardeal havia menos de um ano e fez sua profissão religiosa pouco antes de morrer.
Alguns cardeais jesuítas foram bispos residenciais. Entre eles estão Bellarmino (Arquidiocese de Cápua), Pázmány (Arquidiocese de Esztergom), Alvaro Cienfuegos (1657-1739, Arquidiocese de Catania e Arquidiocese Monreale); Camillo Mazzella (1833-1900, Diocese de Palestrina); Boetto (Arquidiocese de Gênova); Pablo Muñoz Vega (1903-1994, Arquidiocese de Quito); Lawrence Picachy (1916-1992, Arquidiocese de Calcutá); Victor Razafimahatratra (1921-1993, Arquidiocese de Antananarivo); Carlo Maria Martini (1927-2012, Arquidiocese de Milão); Ján Chryzostom Korec (1924-2015, Diocese de Nitra); e Augusto Vargas Alzamora (1922-2000, Arquidiocese de Lima).
Juan Everardo Nithard e Augustin Bea (1881-1968) foram ordenados bispos, mas não supervisionaram nenhuma diocese. Henri de Lubac (1896-1991), Paolo Dezza (1901-1999), Aloys Grillmeier (1910-1998), Avery Dulles (1918-2008), Roberto Tucci (1921-2015), Tomáš Špidlík (1919-2010), Karl Josef Becker (1928-2015) e Urbano Navarrete Cortes (1920-2010) foram isentados da lei existente que exigia ordenação episcopal para todos os padres promovidos a cardeais (Direito Canônico 351, §1). Até agora, só um cardeal jesuíta foi canonizado: Bellarmino.
Alguns jesuítas foram nomeados cardeais por causa da promessa especial deles de não buscar promoção eclesiástica. Assim, esse pequeno porém seleto grupo inclui membros destacados da Companhia. Eles foram diplomatas de sucesso, confessores de papas e da realeza, teólogos perspicazes, escritores, poetas, intelectuais, membros de famílias reais e aristocráticas, administradores e mestres, precursores de mudanças.
Alguns deles, como Bellarmino, Bea, Jean Daniélou (1905-1974), Martini ou Jorge Bergoglio (nascimento 1936), que se tornou Papa Francisco em 2013, são os mais conhecidos; outros têm sido negligenciados pelos estudiosos. Apesar do papel proeminente que a maioria deles desempenhou na história da Igreja Católica e por às vezes terem sido inclusive papabili, apenas um cardeal jesuíta foi eleito papa.
Esta edição da Revista de Estudos Jesuítas (Journal of Jesuit Studies) enfoca seis cardeais jesuítas representantes de períodos históricos diferentes, do final do século XVI até o começo o século XX, e regiões geográficas diferentes, tanto de origem quanto de atuação (nem sempre coincidentes): Pedro Pázmány (1570-1637), Juan Nithard (1607-1681), Giovanni Battista Tolomei (1653-1726), João Batista Franzelin (1816-1886), Pietro Boetto (1871-1946) e Adam Kozłowiecki (1911-2007). O ensaio seguinte detalha a vida intrigante deles e suas interessantes carreiras, e explora a historiografia de cada um.
Esperamos que esta edição especial da Revista de Estudos Jesuítas produza outros estudos acadêmicos sobre esses e outros cardeais jesuítas, preenchendo muitas das lamentáveis lacunas nas pesquisas jesuítas.
[1] Esta parte da introdução baseia-se em: AIXALÁ, Jerónimo, “Dignidades eclesiásticas”. In: O’NEILL, Charles E.; MARIA DOMÍNGUEZ, Joaquín (Org.) Diccionario histórico-biográfico de la Compañía de Jesús. Roma: IHSI, 2001, p. 1123-1125. Ver também: SANTOS HERNÁNDEZ, Ángel. Jesuitas y obispos: Los jesuitas obispos misioneros y los obispos jesuitas de la extinción, 2 vols. Madri: Universidade Pontifícia Comillas, 1998-2001, 1, p. 21-22.
[2] As Normas Complementares das Constituições da Companhia de Jesus esclarecem este ponto da seguinte maneira: “Quanto a aceitar o ofício episcopal, a primeira resposta de parte daquele cuja nomeação está sendo proposta deve ser sempre a de fazer uma representação do nosso voto. Isso pode ser feito facilmente, desde que a Santa Sé não imponha uma nomeação episcopal sem o consentimento do candidato. Mas, se em um caso particular, a Santa Sé insistir ou algum membro ficar ansioso porque não respondeu de forma positiva imediatamente à vontade do Santo Padre expressamente manifesta a ele, [44] ele [o candidato] deverá remeter a matéria, seja diretamente ou através de seu provincial, ao superior geral, para que, juntos, possam examinar o modo mais apropriado de responder ao que é proposto, segundo o espírito do nosso Instituto e para a maior glória de Deus” [139, §3].
[3] O’MALLEY, John W. The First Jesuits. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993, p. 328.
[4] MCCOOG, Thomas M., S.J. The Society of Jesus in Ireland, Scotland, and England, 1589-1597: Building the Faith of Saint Peter upon the King of Spain’s Monarchy. Farnham/Roma: Ashgate / Institutum Historicum Societatis Iesu, 2012, p. 247-249.
[5] Deve-se notar que, uma vez que um jesuíta (ou qualquer religioso) é feito cardeal, ele fica dispensado dos votos de pobreza e obediência e continua membro da Companhia apenas nominalmente e não canonicamente (Direito Canônico, 705-706 em referência aos bispos, mas aplicável a cardeais dispensados de serem bispos ordenados). O professo faz, no entanto, uma promessa de, caso venha a ser ordenado bispo (ou feito cardeal), ele “jamais recusará ouvir o conselho que o próprio superior geral da Companhia, ou alguém mais da Companhia que venha a substituí-lo, dignar-se-á a dar” (Const., 134).
[6] Os números estatísticos a seguir excluem os atuais sete cardeais jesuítas (maio de 2020).
1.- Hans Urs von Balthasar foi jesuíta, mas deixou a Companhia de Jesus, ainda jovem. No final da sua vida pediu reingresso na Companhia de Jesus. Mas ele faleceu antes de seu pedido ser oficialmente aceito - Nota do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
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Cardeais jesuítas: Uma introdução - Instituto Humanitas Unisinos - IHU