06 Outubro 2020
“Os dados mostram que serão os/as jovens entre 15 e 24 anos que estarão numa das faixas etárias mais atingidas pelo desemprego e a precarização do trabalho”, escreve Eduardo Camín, jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por CLAE, 03-10-2020. A tradução é do Cepat.
A pandemia provocou no segundo trimestre de 2020 uma perda de horas de trabalho equivalente a 495 milhões de empregos, ao mesmo tempo que, entre janeiro e setembro, a renda dos trabalhadores caiu 3,5 trilhões de dólares, conclui o novo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os 495 milhões agora calculados, que representam uma perda de 17,3% das horas de trabalho, podem moderar no terceiro e quarto trimestres, mas a OIT ainda prevê reduções nesses períodos equivalentes a 345 e 245 milhões de empregos, respetivamente.
O novo relatório sobre os efeitos da pandemia no mercado de trabalho global, o sexto da organização sediada em Genebra, piora os números do estudo de junho anterior, em que a perda de empregos equivalentes havia sido estimada em 400 milhões, sempre em comparação com os valores do ano anterior.
Este grito, num imenso mar de silêncio, não cai do céu, nem vai ao inferno das profundezas mais escuras da terra, mas desperta todos os dias na imensidão de populações que naufragam nas promessas das tristes capitais. As manchetes de hoje nos falam sobre o trauma, a dor e o desastre devido a uma explosão histórica do desemprego.
Todas essas perdas na jornada de trabalho se traduziram na já mencionada redução global da renda do trabalho de 3,5 trilhões de dólares (10,7% interanual).
A América, destaca a OIT, é o continente mais afetado por essa perda de receita, com queda de 12,1% em relação ao mesmo período de 2019, e os países em desenvolvimento também foram atingidos com mais força do que os ricos nesse sentido, sofrendo uma redução interanual de 15,1%.
As reduções na jornada de trabalho e na renda se devem, principalmente, às medidas de prevenção contra a Covid-19, que principalmente durante os confinamentos massivos significaram o encerramento de muitas atividades laborais, algo que segundo a OIT ainda atinge grande parte do planeta.
Apesar de muitas medidas restritivas serem aplicadas de forma mais flexível, a organização destaca que 94% dos trabalhadores residem em países onde ainda se aplica algum tipo de limitação que afeta os locais de trabalho. Um em cada três trabalhadores reside em países onde quase todos os locais de trabalho, exceto os essenciais, estão fechados, lembra o estudo.
O principal motivo dos cálculos mais pessimistas, segundo a OIT, é justamente a situação das economias em desenvolvimento e emergentes, principalmente no setor informal, que foi muito mais afetado pela pandemia do que outras atividades econômicas.
Por região, a América Latina é a mais afetada em termos relativos, com uma perda de jornada de trabalho no segundo trimestre de 33,5% (equivalente a 80 milhões de empregos), que continuará alta no terceiro, até 25,6% (60 milhões de empregos), de acordo com a OIT.
Em termos absolutos, a maior perda de horas de trabalho ocorreu no Sul da Ásia, que significou 170 milhões de empregos, no segundo trimestre, e ainda chegará a 115 milhões no terceiro, segundo projeções do organismo.
Embora a OIT não tenha fornecido informações detalhadas sobre cada país, destacou que a perda de horas de trabalho na Espanha beirou 6%, em países como os Estados Unidos e Brasil atingiu 10% e em muitos países da América Latina (México, Chile, Equador, Colômbia, Costa Rica) ficou na faixa de 20%.
Mais dramático foi o caso do Peru, um dos países com mais casos de Covid-19 do planeta e com alta prevalência de empregos informais, onde se estima que a perda anual de horas de trabalho superou 50%, entre abril e junho.
O relatório da OIT também analisa as medidas de incentivo fiscal ordenadas por diferentes governos para mitigar esses efeitos adversos da pandemia no mercado de trabalho e conclui que para cada 1% do PIB usado nessas políticas, pode ser alcançada uma redução de 0,8% em perdas de empregos.
No entanto, estas medidas, lamenta a OIT, concentram-se especialmente nos países desenvolvidos, devido aos recursos limitados dos países emergentes e em desenvolvimento, apesar destes terem sido os mais atingidos devido ao predomínio do emprego informal e o quanto este foi afetado pela crise sanitária.
Esses países em desenvolvimento deveriam investir 982 bilhões de dólares adicionais no total para obter os mesmos efeitos mitigadores das medidas adotadas nas nações mais ricas, conclui a OIT.
“Na medida em que redobramos nossos esforços para combater o vírus, devemos tomar medidas em escala o mais rápido possível para mitigar seus efeitos nos níveis econômico, social e trabalhista. Em particular, o emprego e a atividade empresarial devem ser promovidos, bem como a garantia de renda”, disse na apresentação do relatório, Guy Ryder, diretor-geral da OIT.
A crise econômica que já dura mais de uma década e que hoje é agravada pelo impacto da pandemia de coronavírus Covid-19 levou a um aumento significativo do desemprego e, consequentemente, ao crescimento da pobreza, que afetou severamente os mais vulneráveis.
Os números, estudos e análises que emanam das organizações multilaterais do capitalismo são catastróficos, mas sabemos que, apesar disso, a realidade concreta dos trabalhadores é ainda mais devastadora do que expressam os relatórios e números oficiais dos organismos internacionais, que por outro lado insistem em apresentar a crise como produto da pandemia.
Em particular, as famílias que já viviam em condições de exclusão, marginalização e em aglomeração, e que trabalhavam na informalidade, bem como as trabalhadoras domésticas, jovens e, ainda mais triste, a evolução manifesta do trabalho infantil, serão a parte da população mais afetada pela atual crise do sistema capitalista.
Junto ao cenário econômico, a pandemia tem características que a transformam em uma crise sanitária em escala global sem precedentes na história do último século, pior do que a grande depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial.
O surto desta doença agravou ainda mais a crise capitalista, o que conduziu a uma recessão econômica, a mais grave em quase 100 anos e que está causando enormes prejuízos à saúde, ao emprego e precarizando mais ainda os mais vulneráveis.
A Organização Internacional do Trabalho - OIT e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL declararam, algum tempo atrás, que o PIB desta região diminuirá 5,3%, este ano, e que produzirá um aumento do desemprego com 11,5 milhões de novos desempregados e desempregadas, o que levará a um aumento da pobreza em 28,7 milhões de pessoas e da extrema pobreza em 15,9 milhões, um cenário nada alentador para a região.
Os dados mostram que serão os/as jovens entre 15 e 24 anos que estarão numa das faixas etárias mais atingidas pelo desemprego e a precarização do trabalho.
Já se começa a falar em “geração da quarentena”, principalmente porque são os que viram os seus processos de educação, formação e capacitação interrompidos, perdas de empregos, redução da jornada de trabalho e remuneração, e também têm maior dificuldade em encontrar um novo emprego. Este é também o setor que manteve elevadas taxas de desemprego histórico e estrutural, antes da pandemia.
No mundo existem cerca de 178 milhões de jovens trabalhadores e trabalhadoras formais, dos quais quatro em cada dez trabalhavam nos setores mais afetados quando surgiu a crise sanitária, nomeadamente comércio, indústria, setor imobiliário, hotelaria e alimentação.
Mas isso não é o pior: cerca de 328 milhões de jovens trabalham no setor informal. Outra expressão do trabalho informal é visualizada através do trabalho autônomo, onde 39,8% de todos os trabalhadores autônomos são jovens, embora em termos científicos esta categoria não seja entendida dentro do materialismo dialético, mas na realidade é responsável por um setor altamente precário.
Por outro lado, 68 milhões de jovens estão sem trabalho. Além disso, 267 milhões (incluindo os anteriores) não estudam, nem trabalham, são os chamados nem-nem. Soma-se a isso que os/as jovens com menos de 30 anos representam cerca de 70% do fluxo da população migrante, situação que os expõe a condições de desproteção e precariedade adicionais às conhecidas.
Claramente, serão os/as jovens que pagarão os custos da crise. Os números representam de forma dantesca o abismo no qual milhões de jovens serão lançados e do qual será muito difícil sair. Esses dados refletem claramente que a crise do sistema capitalista sustentada pela exploração e dominação vinha impactando a sociedade anterior ao surto sanitário.
Este setor vem sendo atingido há anos pelas medidas dos governos que buscam maximizar os lucros da burguesia monopolista à custa de extrair cada vez mais e mais mais-valia da sobre-exploração da força de trabalho. A fórmula é simples: para que a burguesia continue concentrando mais riquezas e privilégios, os trabalhadores devem ser cada vez mais precarizados e sobre-explorados.
O capitalismo, dadas as suas inerentes contradições, enfrenta crises periódicas que perturbam o seu próprio equilíbrio e são resolvidas com o sacrifício dos/das mais despossuídos. No entanto, hoje assistimos a uma crise abrangente do sistema capitalista, ou seja, é muito mais profunda e extensa do que as anteriores.
Todo mundo sabe, mas poucos se inteiram, embora seu silêncio não se contenha em meio ao calcinante barulho da pandemia: o trabalho é ferido impunemente na especulação miserável e no elevador do cassino de Wall Street.
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Covid 19, o vírus do capitalismo e a explosão histórica do desemprego. Artigo de Eduardo Camín - Instituto Humanitas Unisinos - IHU