11 Setembro 2020
"Estou sem fôlego", diz com um de seus sorrisos maravilhosos enquanto se prepara para sair com amigos para comemorar um aniversário muito especial. Hoje Liliana Segre, um ícone da Itália democrática e respeitável, completa 90 anos. E a casa está já animada pelos filhos e pelos três netos que se preparam para a festa.
Ela ri: "A falta de ar tem muitos motivos, incluindo o fato de que hoje fiquei sobrecarregada com as ligações". Mas chegar ao limiar de uma idade tão importante pode deixar ‘quase espantados’. E não é preciso dizer por que: agora todos conhecem a história dessa mulher, última sobrevivente dos campos de extermínio nazistas. Mas as emoções não faltam e misturam tudo, inclusive para ela.
A entrevista com Liliana Segre é editada por Paolo Colonnello, publicada por La Stampa, 10-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Então, senadora, como se sente?
Confusa, emocionada. Tenho que aceitar essa realidade, 90 anos é uma loucura: nunca teria apostado nisso. E você sabe o que acontece? Que todo mundo fala comigo sobre seus parentes, suas idades, de pessoas de noventa anos muito ativas. E é verdade, mesmo nesta idade a pessoa pode se sentir útil, lúcida. Claro, depois do lockdown, as contaminações, os lutos, francamente, eu sofri bastante. Foi um ano difícil, como para todo mundo.
Senadora, a senhora se tornou não apenas um ícone, mas um exemplo de como a força da verdade pode se opor à violência. Mas o que devemos pensar quando lemos as crônicas do assassinato de Willy, que foi espancado até a morte por dois desequilibrados?
Terrível. A surra daquele garoto não apenas me impressionou, mas despertou terríveis tormentos e memórias. Achei de uma barbárie absoluta. Gostaria de fazer minhas as palavras da presidente de nossa comunidade, Noemi Segni, que escreveu uma bela mensagem, relembrando como essa exaltação não da vítima, mas de seus perseguidores, e se refere a tudo que foi escrito nas redes sociais, no final matou de novo e de novo o pobre Willy.
Por que essa morte nos impressiona tanto?
Esse caso me assustou muito. Foi como uma derrota pessoal, me fez pensar que tudo o que tentei fazer contra a violência e o ódio foi de pouca utilidade no final. Se ainda há gente por aí que pensa em resolver as suas derrotas pessoais batendo nos outros, ainda estamos numa sociedade longe da civilização.
A influencer Chiara Ferragni escreveu que isso aconteceu porque vivemos imersos em uma "cultura fascista" que nos impregna. Concorda?
E tivemos que esperar Ferragni dizer isso? Ela foi realmente inteligente e corajosa. E tem razão: estamos às voltas com um problema da mentalidade fascista que ainda nos impregna e da qual nunca fazemos o suficiente para nos libertar. Essa história é um naufrágio da civilização sobre o qual teremos que refletir seriamente.
Que conselho pode dar? O que deveríamos fazer?
Não tenho receitas e quero ser humilde. Simplesmente cada um deve assumir suas responsabilidades sem delegar a outros. É fácil culpar sempre o outro pelo que acontece conosco. Mas talvez devamos aprender a crescer e responder cada um por suas próprias ações.
A senhora é uma mulher que viveu duas vezes. Aliás, mais ...
Sim, tenho sorte, renasci várias vezes: da deportação, da minha juventude, daquela de uma mulher desconhecida e silenciosa. Já passei por tantas fases ... Foi uma vida longa e às vezes cansativa. Eu mesma me repenso, sempre fiz isso, acho que é uma peculiaridade da mulher. Lembro-me de ter feito isso também aos cinquenta anos, quando comecei a contar minha história, a me rebelar contra o silêncio e o esquecimento. Fiquei bastante surpresa na época, e agora ainda mais. Quem teria pensado.
O que a deixa tão surpresa?
Bem, desde que o presidente Mattarella, há dois anos, me nomeou senadora vitalícia, me aconteceram tantas coisas, muita adrenalina, de tirar o fôlego. Eu estive no Quirinale, em Bruxelas, me receberam, procuraram, entregaram e retiraram (risos, ndr) cidadanias, títulos honorários. Recebi cartas maravilhosas de crianças, adolescentes e adultos ... Estes últimos anos foram realmente uma vida nova. É difícil explicar a intensidade do que está acontecendo.
Também teve que se proteger, já que lhe foi designada uma escolta.
Verdade, nem todo mundo gosta de mim. Alguns pensaram que eu era uma velha para ofender, mas agora não me importo mais também porque sempre tenho meus anjos da guarda ao meu lado, esses fantásticos carabinieri que agora fazem parte da minha família. Aliás, como eles têm a idade dos meus netos, agora sou também avó dos carabinieri...
E ri feliz. Mais cem anos senadora, de coração.
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O massacre de Willy me causa horror, é a prova de que o fascismo ainda está entre nós. Entrevista com Liliana Segre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU