10 Agosto 2020
O papel das soluções e inovações tecnológicas e sociais na gestão da água foi o tema de um webinar realizado na sexta-feira, 7 de agosto. O evento, mediado por Gabriela Sacco e Luis Liberman, pretendia ser uma ferramenta para avaliar o impacto e o potencial de aplicação em vários contextos vulneráveis. Este encontro virtual faz parte do Fórum "Do Direito à Água ao Direito à Esperança", organizado pelo Instituto de Diálogo e Cultura do Encontro e pela Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, que tem como objetivo estabelecer uma reflexão sobre a importância da água.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
É necessário, na opinião de Alfredo Ferro, afirmar, além das inovações técnicas, a abordagem simbólica e espiritual da água, resgatando nossas raízes profundas. Neste sentido, o jesuíta colombiano enfatizou que não só as inovações são uma garantia para resolver o problema da água, lembrando as palavras de um líder indígena brasileiro, que afirma que a água é o traje com o qual a vida nos visita.
A água é um bem que exige controle social e político, mas junto com isso, o assessor da REPAM destacou o rico significado da água em todas as culturas, sendo considerada um sinal e expressão de vida, algo que se expressa no fato de fazer parte de todos os ritos e celebrações, sendo vista na maioria das tradições religiosas como um dom sagrado, como uma presença das divindades e lugar de morada dos espíritos. Em muitas tradições, a água é até vista como a origem do ser humano. A partir desta reflexão, o auditor do Sínodo para a Amazônia afirma que enquanto a água pertence ao patrimônio real e simbólico de todas as culturas e religiões, no sistema capitalista, a água é apenas mais uma mercadoria.
Alfredo Ferro (Foto: Luis Miguel Modino)
Ferro fez uma reflexão sobre a água com base no que foi reunido no Documento Final do Sínodo para a Amazônia e na Querida Amazônia. O jesuíta partiu da ideia de que a água nutre e sustenta a vida da natureza e dos povos amazônicos, a água nos une e não nos separa. Neste sentido, ele defende que a água é um bem precioso que tem sido cuidado durante séculos pelas comunidades amazônicas, apresentando a água como uma condição para os direitos humanos. Na Amazônia, como em tantas regiões do planeta, a água é um bem ameaçado pela privatização, por grandes projetos, embora seja um bem essencial, está cada vez mais contaminado.
Das cosmovisões dos povos originários, Querida Amazônia, na opinião de Alfredo Ferro, valoriza a mística da gratuidade e a sagrada contemplação da natureza, mostrando a importância da água através de citações de poetas e escritores, o que em sua opinião nos ajuda a nos libertarmos do paradigma tecnocrático. O jesuíta defende a necessidade de uma espiritualidade robusta onde a água seja um bem, uma espiritualidade de humildade, de reconciliação, de sobriedade, de ação, uma espiritualidade integral. Ele destaca o acento espiritual, simbólico e poético da água, insistindo nos compromissos que nascem do direito à água, como a sugestão de criar ministérios para o cuidado da água, procurando aprender com a forma como os povos amazônicos cuidam da água.
Em sua reflexão, Alfredo Ferro vê a necessidade de um tratamento integral da água, insistindo que, do ponto de vista cultural, na Amazônia, a água, o rio, é fundamental. Neste sentido, ele colocou como exemplo que pode ajudar a entender o significado da água na Amazônia, o fato de que, para um indígena, sentir que a água é uma mercadoria é incompreensível. A partir daí, o auditor sinodal pediu a responsabilidade dos estados no acesso à água.
Um dos elementos que adquiriu maior relevância neste momento da pandemia da COVID-19 é a água. Neste sentido, Jaime Perczyk afirmou que esta pandemia expõe debates já presentes na humanidade, que se referem a quatro grandes transformações. Em primeiro lugar, ele colocou trabalho e tecnologia, o que produziu a ideia de que a tecnologia substituirá o trabalho humano, que uma parte da humanidade ficaria para trás. Diante disso, ele defende uma sociedade de pleno emprego. Não é verdade que as máquinas vão nos substituir, não é possível que as universidades não gerem outra linha de pesquisa. Para o Secretário de Políticas Universitárias da Argentina, a transformação demográfica, que provocou concentração urbana, gerou guetos de ricos e pobres. Além disso, outra consequência é a transformação regressiva no meio ambiente, em nossa casa comum, que afeta os mais pobres. Outra transformação é a da igualdade de gênero.
Segundo Perczyk, em meio a esta pandemia, está sendo gerado um mundo com maior desigualdade econômica, social, educacional e cultural. Diante disto, é necessário gerar outra visão, afirmando que o Papa Francisco tem outra visão, ele não naturaliza a agressão ao meio ambiente, a concepção do trabalho. Em sua reflexão ele abordou a questão da meritocracia, sempre presente na vida da humanidade, que na Argentina faz com que grupos de nossa sociedade nasçam com direitos garantidos e há grupos que têm que lutar e se organizar por seus direitos, porque o mercado não os garante. Neste momento, é o Estado que tem que garantir os direitos, dos quais nascem as responsabilidades sociais. Ele denuncia que para os mais humildes, a meritocracia pede responsabilidades quando não lhes garantimos direitos. É por isso que é essencial ter uma justiça social que permita um desenvolvimento pacífico, que garanta um nível mínimo para todos, pois os direitos existem se forem financiados, têm que ser incluídos no orçamento.
No campo da gestão, o webinar serviu para apresentar reflexões e experiências em vários países. Do Massachusetts Institute of Technology, a professora Gabriela Carolini, que está realizando estudos sobre o acesso à água em diferentes países, apresentou a realidade do acesso à água nos Estados Unidos, abordando diferentes conceitos relacionados a este campo, refletindo sobre a desigualdade do acesso à água nas cidades e a necessidade de abordar um panorama global de quem chega à água.
Na mesma linha, Adriano Stringhini, da SABESP, apresentou a realidade do Brasil, com base na importância dos valores sociais e da sustentabilidade para as novas gerações. A água e os resíduos, através de inovações tecnológicas, permitem a produção de biometano para o abastecimento de automóveis, energia solar e hidráulica. Ele também destaca a importância das aplicações que ajudam as empresas a se conectar com os clientes, que podem ver o consumo em tempo real. Ele vê a necessidade de maior interação com a sociedade, como trazer água para as ocupações urbanas, projetos para evitar a perda de água, trazer saneamento para as favelas. Nesse sentido, ele diz que a inovação e a educação são importantes.
Dois conceitos importantes para Diego Berger são os de hidro-política e hidro-filosofia. Em sua opinião, nem sempre há um entendimento correto da tecnologia. Há países que pedem transferência de tecnologia, procurando reduzir custos, mostrando que o que importa é quanto dinheiro é necessário para fornecer água. Neste sentido, o coordenador de Projetos Internacionais da Empresa Israelense de Água afirma que a tecnologia é um meio, não pode ser um objetivo, vendo como um problema o fato de correr atrás da tecnologia sem saber para que serve. Ele destaca quatro pilares para um setor hídrico sustentável: medição do recurso, gestão centralizada, lei da água, financiamento.
Em um país com escassos recursos hídricos, como Israel, ele mostra as políticas que são realizadas, como o fato de o preço da água em Israel ser uniforme (doméstico e agrícola), a introdução de tecnologias no mercado, na agricultura, ou a importância de gerenciar os recursos hídricos e a partir daí introduzir novas tecnologias. Neste sentido, Berger defende que a administração nada tem a ver com tecnologia, defendendo uma filosofia de administração que leva a ensinar as pessoas a administrar as coisas para o bem de todos, para o que ele destaca a importância de saber ouvir.
Da Espanha, Jaime Gutiérrez Bayo, partiu da idéia de que inovação não é o mesmo que tecnologia. A partir dessa base, o CEO da BRUMA sustentabilidade e participação cidadã SL, mostrou três áreas na inovação da água: envolvimento cidadão (informação, consulta pública, envolvimento, criatividade, perguntar aos usuários), concepção integral do ciclo da água (a bacia como unidade, uso da água urbana, atenção aos serviços dos ecossistemas), tecnologia para melhorar a qualidade de vida das pessoas (monitoramento, grandes dados, controle da irrigação). Gutiérrez Bayo deu o exemplo dos tribunais de água na Espanha, para a gestão da água em algumas bacias. Junto com isto, ele viu o problema de não querer reconhecer erros, de exigir eficiência quando as infra-estruturas são muito precárias.
Estamos enfrentando um problema ambiental crescente, como consequência do crescimento da população planetária e da concentração urbana, que irá gerar um aumento na demanda de água, que continuará a crescer 50% nos próximos 30 anos, causando o crescimento do estresse hídrico, algo que é aumentado pelos sistemas de distribuição de água com grande desperdício. Neste contexto, Christian Taylor denuncia as grandes lacunas no acesso à água no planeta. É por isso que a pandemia deveria ser uma oportunidade para priorizar a questão da água e do saneamento, para priorizar a infraestrutura básica em bairros vulneráveis, segundo o presidente da Associação Argentina de Engenharia Sanitária e Ciências Ambientais (AIDIS). O caminho é reduzir, reutilizar, recuperar, reciclar e restaurar. O desafio é ser mais eficiente para satisfazer a crescente demanda, que requer uma gestão integral da disponibilidade de água para o desenvolvimento sustentável, uma gestão inteligente da água.
As inovações tecnológicas com aplicações sociais são apresentadas como um caminho para o futuro, segundo Héctor García, destacando a importância do estudo das águas residuárias como algo que ajuda na detecção de problemas de saúde pública, como ocorreu neste tempo de pandemia em vários países, onde foi estabelecida uma correlação entre a presença de material genético nas águas residuárias e as pessoas internadas nos hospitais. Para o professor de engenharia sanitária da IHE-Delft, na Holanda, o esgoto de 10 milhões de pessoas está sendo monitorado e em setembro toda a população holandesa será monitorada. O problema, segundo o professor, é onde não há saneamento, para o qual estão sendo realizadas propostas alternativas, como os banhos químicos inteligentes que detectam diferentes doenças, também COVID, algo que pode ser incorporado aos banhos domésticos, o que destaca a importância das inovações tecnológicas.
De acordo com Elena Cristofori, é possível evitar desastres naturais relacionados à água através da tecnologia, porque isso ajuda a melhorar a tomada de decisões, levando em conta outros indicadores além dos números. A professora de riscos hidrometeorológicos da Universidade de Turim está trabalhando para melhorar o conhecimento dos riscos, integrar a ciência com o conhecimento local e criar observatórios comunitários que mostrem sinais de risco. Ao mesmo tempo, para monitorar e registrar, visualizar e analisar dados, os quais devem retornar resultados, informações aos cidadãos, promovendo o diálogo com os cidadãos, compartilhando informações. Algo de grande importância é a interação com as comunidades locais, estabelecendo sistemas de monitoramento comunitário para poder escolher o que é adaptado e compreendido pelas comunidades.
Na mesma direção, Patrick Thomson, da Universidade de Oxford, parte da ideia de unir as dimensões tecnológica e social. O professor colocou como exemplo o trabalho no Quênia com águas subterrâneas, bombeadas com bombas manuais, mais fáceis de consertar, o que evita que as comunidades fiquem sem água por muito tempo. Neste sentido, é fundamental trabalhar a partir do conhecimento e da realidade da comunidade. De acordo com Thomson, o direito à água e o direito à esperança não têm o mesmo nível de serviços, mas quando a comunidade tem que manter a infra-estrutura que dá poder e tem melhores resultados, vendo o poder como uma ferramenta para reduzir os riscos. Ele também vê como fundamental buscar a mediação entre governos e comunidades para que todos tenham o direito à água.
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“Não só as inovações são uma garantia para resolver o problema da água”, afirma Alfredo Ferro, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU