18 Julho 2020
O passado imediato foi caracterizado por um foco interior, no qual as preocupações da sacristia superaram as exigências do Evangelho.
Publicamos o editorial do jornal National Catholic Reporter, 17-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos tem se mostrado despreparada quando se trata de abordar a persistência das injustiças raciais no país, sintetizadas pelo assassinato de George Floyd.
Bispos individuais emitiram declarações redigidas com força. A oração silenciosa do bispo Mark Seitz, ajoelhado com um cartaz do “Black Lives Matter” em El Paso, Texas, foi a declaração mais poderosa de um prelado estadunidense até hoje.
O arcebispo de Washington, Wilton Gregory, registrou publicamente suas objeções à foto do presidente Donald Trump no Santuário Nacional de São João Paulo II um dia depois que a polícia jogou gás lacrimogêneo contra manifestantes pacíficos que protestavam contra a violência policial, para que o presidente pudesse tirar uma foto em uma igreja episcopal. Envergonhar publicamente os Cavaleiros de Colombo por receberem o presidente exigiu um pouco de coragem.
Donald Trump e Melania Trump no Santuário São João Paulo II. (Foto: CNS)
Mesmo assim, a fraca resposta oferecida pela Conferência dos Bispos dos EUA como um todo é indicativa de uma anemia que vem crescendo há algum tempo nas fileiras mais altas da Igreja. A Igreja Católica, incluindo os bispos, já esteve mais engajada com questões de justiça social neste país.
Depois que os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, os bispos emitiram uma carta pastoral para orientar o envolvimento católico dos EUA e as atitudes em relação ao esforço bélico. Eles chegaram a apontar que os problemas raciais não se encontravam apenas na Europa de Hitler.
“A guerra trouxe à tona condições que há muito tempo estão entre nós” dizia a carta. “Todos os benefícios das nossas instituições livres e os direitos das nossas minorias devem ser reconhecidos abertamente e respeitados honestamente. Pedimos esse reconhecimento e respeito, especialmente para nossos concidadãos de cor [sic].”
O cardeal de Washington Patrick O'Boyle, que não era nenhum liberal, ajudou a organizar uma Comissão Inter-Religiosa de Relações Raciais em junho de 1963 e, dois meses depois, rejeitando a opinião de seus conselheiros, concordou em dar a bênção ao Rev. Martin Luther King na Marcha de Washington.
Em 1986, os bispos emitiram a carta pastoral “Justiça Econômica para Todos”, que lembrava que “a nação nasceu diante da injustiça aos nativos americanos” e que “a escravidão manchou a vida comercial da terra durante seus primeiros 250 anos e foi encerrada apenas por uma violenta guerra civil”.
Apesar da ênfase dominante do texto no bem comum, os bispos reconheceram que as minorias ainda eram objeto de discriminação injusta: “Onde persistem os efeitos da discriminação passada, a sociedade tem a obrigação de tomar medidas positivas para superar o legado da injustiça”.
A carta provocou um importante debate nacional, embora nossa sociedade consumista e materialista, no fim, tenha falhado em enfrentar os desafios articulados pelos bispos.
Que questões importantes chamaram a atenção da Conferência Episcopal nas últimas décadas?
Houve um longo debate sobre a tradução do Missal Romano e de outras orações litúrgicas. Há anos tem havido uma luta contra um decreto moralmente permissível do governo para que os planos de saúde cubram a contracepção.
Quem pode esquecer a campanha de panfletagem contra a Lei da Liberdade de Escolha, um alvo fantasma, mas útil para demonstrar hostilidade ao novo governo do presidente Barack Obama? E, embora a Conferência como organização não tenha se posicionado, o que dizer da reação exagerada e obscena ao doutorado honoris causa e ao discurso de Obama na Universidade de Notre Dame?
Não é de se admirar que os bispos estejam pusilânimes neste verão. Seu compromisso outrora forte com a justiça social, seu envolvimento com grupos inter-religiosos que combatem o racismo, sua disposição de colocar o prestígio e o poder da substancial pegada institucional da Igreja a serviço daqueles que foram marginalizados – tudo ficou em um passado distante.
O passado imediato foi caracterizado por um foco interior, no qual as preocupações da sacristia superaram as exigências do Evangelho.
Um bispo se destaca pelo seu reiterado chamado a uma Igreja voltada para fora, que vai às margens para encontrar a sua força interior: o bispo de Roma. O Papa Francisco proferiu um sermão na semana passada, celebrando o aniversário da sua primeira viagem fora de Roma como papa à ilha de Lampedusa, onde os migrantes frequentemente morriam tentando atravessar o Mediterrâneo, do norte da África rumo à Europa.
“Encontro e missão não devem ser separados”, disse o papa.
“Voltados para a busca do rosto do Senhor, podemos reconhecê-lo no rosto dos pobres, dos doentes, dos abandonados e dos estrangeiros que Deus coloca no nosso caminho. E esse encontro também se torna para nós um tempo de graça e de salvação, investindo-nos da mesma missão confiada aos apóstolos.”
Os sucessores dos apóstolos, os bispos, deveriam seguir a liderança do papa e começar a olhar novamente para fora.
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“Os bispos precisam voltar a olhar para fora” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU