07 Julho 2020
"Esta Conferência Eclesial é, portanto, essa acumulação de caminhos, possibilidades, vidas, encontros e, inclusive, desencontros. Pouco a pouco a intenção foi purificada, ou seja, estamos descobrindo com mais delicadeza e cuidado aquilo que Deus nos quis dizer, não apenas nos últimos anos, mas em décadas. E cada vez mais tomamos consciência da sua voz, da sua Palavra, daquilo que Ele nos vai revelando. E começamos a andar para tecer o caminho do Reino, ao qual vamos acrescentando mais mãos", escreve Mauricio López, secretário executivo da REPAM. A tradução do espanhol é de Sandrio Cândido (Portal Consolata América).
Quando penso no processo de nascimento da conferência Eclesial da Amazônia, o primeiro que me vem à mente é a imagem dos rios, na convergência dos diferentes afluentes que começam com pequenas correntes de água, percorrem largas distâncias, vão dando vida; e essa vida vai se ampliando em sua expressão mais potente, até dar lugar aos grandes rios.
Este caminho definitivamente é resultado da revelação do Espirito Santo, a divina Ruah, através do Concilio Vaticano II, do magistério da Igreja na América Latina, das vidas de tantos e tantas mártires, de membros da Igreja, encarnados no meio da realidade: amando-lhe, sofrendo com as dores dos seus povos e deste território, mas também fazendo parte dela, abraçando-a com suas luzes e com suas sombras.
Desse jeito foi que avançamos como seus afluentes de água, conectados com a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, que iniciou há seis anos seu caminho formal, embora há mais de 10 anos estejamos tecendo-a, pouco a pouco, a partir das vozes da vida e da dimensão territorial da Igreja, caminhando, avançando.
Sentimos que o Sínodo Amazónico foi um impulso de vida na mudança de perspectiva, na qual a “periferia” se torna o “centro”, sem pretender tomar este lugar; ela o ilumina sem deixar de ser “periferia”, querendo acompanhar o “centro” para olhar com outros olhos e abrir possibilidades “à novidade”. Esse foi o caminho do Sínodo a partir das múltiplas e mais diversas escutas territoriais, a preparação – honrando as vozes dos povos e comunidades da Igreja na Amazônia –, o discernimento que produziu o Documento Final, com mais de 150 propostas concretas que não podemos permitir que fiquem engavetadas, e depois com a Exortação Apostólica do Papa, Querida Amazônia, com seus quatro sonhos: social, cultural, ecológico e eclesial.
A Conferência Eclesial da Amazônia só pode ser entendida como resultado deste processo, como uma acumulação de vida, mas também como uma resposta concreta - à luz da revelação de Deus - a uma realidade lastimada, ferida, afetada, na qual povos e comunidades estão sofrendo situações de injustiça, no qual o projeto do Reino e o sonho de Deus “para que todos tenham vida e vida em abundância” se encontra distante ou ameaçado, em contraste com tantos outros lugares onde a beleza da diversidade cultural é vivida em plenitude, a partir do mistério da presença desse Deus como “semente do Verbo”, um Cristo encarnado nessa diversidade, que cada vez mais sente que o futuro está ameaçado.
Esta Conferência Eclesial é, portanto, essa acumulação de caminhos, possibilidades, vidas, encontros e, inclusive, desencontros. Pouco a pouco a intenção foi purificada, ou seja, estamos descobrindo com mais delicadeza e cuidado aquilo que Deus nos quis dizer, não apenas nos últimos anos, mas em décadas. E cada vez mais tomamos consciência da sua voz, da sua Palavra, daquilo que Ele nos vai revelando. E começamos a andar para tecer o caminho do Reino, ao qual vamos acrescentando mais mãos.
Embora seja mais difícil construir com muitas pessoas, é necessário fazê-lo juntos e juntas. Esta Conferência Eclesial da Amazônia é isso! Há muitas propostas surgidas no Sínodo da Amazônia que não podem ser conduzidas de maneira isolada pelas jurisdições eclesiásticas ou pelas igrejas locais ou domésticas; também a REPAM não pode levar adiante tarefas que podiam colocar em risco sua identidade de rede, de ser uma plataforma rápida com serviços pontuais de articulação.
Há muitos empreendimentos revelados a nós pelo Espirito, que nos supera em dimensão, em institucionalidade, e requer uma visão de longo prazo, sustentada no tempo. Exatamente isto é o que a Conferência Eclesial da Amazônia virá fazer, e nos pede que purifiquemos a intenção daqueles que recusam a “metanoia”. Temos algumas posições que desejam evitar qualquer mudança no sentido de conservar, mas também temos posições que desejam evitar qualquer mudança no sentido de defender uma visão unívoca; sem dar espaço para o Espírito Santo. Isso é o que vivemos no Sínodo! A Igreja é diversa, como diz a primeira carta aos Coríntios com a imagem do corpo, de cada parte em complementariedade (cf. 1Cor 12,12-31).
Esta Conferência é um convite à novidade, ao inédito, a ir avançando inclusive além daquilo que consideramos essencial nestes últimos anos: o caminho do Sínodo. Já é tempo de que os novos odres deem espaços ao vinho novo, mantendo e cuidando de todos aqueles outros processos que complementam e convergem. Esta Conferência Eclesial da Amazônia vai dialogar com a REPAM, com a CLAR, com a Cáritas, com as Igrejas locais, com outras instituições, e fará parte do CELAM, vinculada da maneira orgânica, mas com autonomia.
Acho que está muito claro que o Sínodo está abrindo novos caminhos e nos pede coragem para empreender novos caminhos. Esta Conferência expressa isso: é uma Conferência, não é uma Comissão. Portanto, possui uma estatura em termos de identidade orgânica, peso próprio, capacidade de promover processos diante daquilo que o Sínodo nos deu como frutos. Neste sentido, atenção a essa identidade.
Por outra parte, é eclesial. Não é apenas uma estrutura episcopal, senão que o episcopal também faz parte do eclesial. Lembro-me que a Episcopalis Communio convida os pastores a ir, às vezes adiante, às vezes no meio, às vezes atrás do povo, reconhecendo no “sensus fidei” do Povo de Deus a capacidade de revelação de Deus através do seu modo de crer.
Neste sentido se abrem caminhos para esta Conferência Eclesial que surge com uma condição de igualdade, que também evoluirá em nível estrutural, orgânico e estatuário, para que haja uma participação mais ampla.
O Eclesial é expresso aqui com uma presença inédita de três representantes dos povos indígenas dentro da Conferência, das principais instituições da região e do território, como já foi falado. E também como representações leigas, como é a Secretaria Executiva da REPAM, a vida consagrada por meio da presidência da CLAR, com bispos delegados das sete conferências episcopais dos territórios amazônicos (no caso do Brasil com dois delegados), da Cáritas ALC e das instâncias promotoras que são o CELAM e a REPAM, através de suas presidências, acompanhando este processo.
Tratamos de abraçar e assumir a proposta da diversidade do Sínodo Amazônico, oferecendo um veículo concreto nesse período onde a pandemia que está destruindo tantas vidas, sobretudo dos povos originários mais vulneráveis, pois muitos interesses econômicos particulares estão explorando mais do que nunca o território e ameaçando a vida dos líderes das comunidades. Hoje, mais do que nunca, essa Igreja que se comprometeu a ser aliada, precisa se equipar, ter veículos, uma canoa para navegar nesta água, que seja adequada para as correntes dos rios do grande Amazonas.
Esta Conferência deseja oferecer isso: encontrará o modo de se articular de múltiplas formas; será um processo paulatino que tenta abarcar as novidades do Sínodo Amazônico; propostas desafiantes, complexas e enormes, como, por exemplo, a Universidade Amazônica, ou avançar e desenvolver uma proposta de rito amazônico, em diálogo com as instâncias respectivas do Vaticano, no acompanhamento de experiências e de novos processos ao redor da ministerialidade; potenciando uma voz profética de incidência mobilizando as estruturas da Igreja. Tudo isto é o que a Conferência deseja.
Devemos dar tempo e espaço para que esta Conferência amadureça. Foi dado um passo neste momento, aquele de confirmar com a Igreja do Território, em sua mais ampla diversidade, e com a presença de organismos da Santa Sede. Essa proposta agora será levada ao Papa Francisco e às respectivas instâncias que ele considere, para sua aprovação. Pouco a pouco, ela será estruturada, tentando torná-la uma verdadeira resposta de vida e de esperança, em meio a esta pandemia que marca um antes e um depois, um marco global humanitário, no qual essa vivência que acreditamos ser um gesto de esperança e de vida, possa também ser um símbolo para outros biomas, para outras regiões e outras realidades, de uma verdadeira sinolidade.
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A Conferência Eclesial da Amazônia, um kairós sinodal. Artigo de Mauricio López - Instituto Humanitas Unisinos - IHU