20 Mai 2020
Licenciado em Economia, psicanalista e escritor, o italiano Luigi Zoja (76) vive em um departamento de Milão, perto de um parque. “Em meu terraço tenho plantas frutíferas, especiais para estes tempos”, sorri. Hoje, o silêncio das ruas e a limpeza do ar chamam a sua atenção.
A reportagem é de Fernanda Valiente Deichler, publicada por Pauta, 17-05-2020. A tradução é do Cepat.
“Em um artigo, você fala do motivo pelo qual a pandemia abateu tanto a Itália. Disse que os italianos sofrem com uma espécie de desorganização à italiana. Que traço cultural é esse e como pode ter influenciado nesta pandemia?”, pergunta Cristián Warnken, anfitrião de “Desde el Jardín”, da Rádio Pauta.
“Não existe a colaboração bipartisan que em geral existe nos países anglo-saxões, quando diante de um perigo em particular, as disputas podem ser deixadas de lado para se unirem. Isto não aconteceu. Houve muitas divisões entre o governo central, as regiões, etc. E isto parte da má tradição. Até mesmo nas mesas de diálogo da televisão e da rádio as disputas continuam”, destaca Zoja, que realizou sua prática clínica no Instituto Jung de Zurique.
Uma das grandes diferenças com outros países europeus, acrescenta, deve-se a que a Itália cortou os gastos em saúde pública.
“No 11 de setembro de 2001, vivia em Nova York. O mais interessante foi a reação, no dia 12 de setembro. Mesmo nós, os analistas, ficamos muito paranoicos. Onde eu vivia existia uma reserva de água da cidade e todas as pessoas tinham medo de que os terroristas a envenenassem. E não aconteceu nada. A única coisa que aconteceu é que todos compravam água mineral. Temos uma tendência em exagerar. A paranoia ocorre com algo real, porque houve um ataque. O problema é perder as dimensões”, afirma.
Porque depois vieram as guerras e as invasões por parte dos Estados Unidos. Dizia-se que após o atentado o ser humano iria mudar, mas pelo que parece isso não aconteceu, expressa. Por conseguinte, no marco da Covid-19 há incerteza sobre o que virá.
Enquanto os australianos voltam a desfrutar suas praias, na Alemanha, alguns protestos irromperam por conta das precauções que o governo alemão tenta manter para que algumas pessoas mantenham um metro e meio de distância.
“Veremos o que acontece quando acabar a quarentena, porque a primeira reação é ambivalente. Alguns ficam muito felizes e outros têm muito medo”.
Quando o indivíduo se sente atacado por outro, tende a atacar. E para ajudá-lo, “a análise fomenta a introspecção nas mudanças interiores”, destaca.
Para o psicanalista, a projeção dos cientistas sobre o vírus lançada por Harvard articula muito mais uma negação. “Existe o que [Sigmund] Freud chamava de negação. Um fenômeno de compreensão, de repressão e de esquecimento”, disse. Fala-se de uma projeção por aqueles que não sabem que estão contaminados, razão pela qual o número não diminui. No entanto, Zoja afirma que o público já conhecia esta informação, porque “o vírus está circulando e, no momento, não há remédios”.
Em sua avaliação, a desconfiança e a paranoia são muito semelhantes ao livro “Os noivos” (1827), de Alessandro Manzoni, uma de suas leituras escolares. No romance, a população italiana de 1630 é fortemente atacada pela peste milanesa.
“Hoje, podemos dizer que novamente se instala a paranoia e o pânico coletivo. Para o Clarín, afirma que esta plataforma começa a se propagar como uma infecção psíquica. E que se perde o sentido da dimensão. Falemos de sua reflexão sobre a paranoia nos coletivos humanos e como está sendo com esta pandemia, Luigi”, interpela Warnken, o anfitrião de “Desde El Jardín”.
“Todos nós, humanos, temos limites. E um limite muito forte está em nossa relação com o mal, em um sentido muito geral. É muito difícil aceitar o mal em nosso interior. Então, temos o instinto de apontar com o dedo. E isso a análise psicanalítica descreve. Mas as análises antropológicas também nos dizem que em cada cultura há uma tendência a buscar um bode expiatório”, afirmou Zoja.
Trata-se de um recurso que a mente utiliza para aliviar a sensação do negativo. “O mesmo ocorreu no século XX, com Adolf Hitler, não é? Na grande inflação alemã, após a guerra [...], foi mais fácil jogar a culpa nas oposições e nos judeus [...]. É uma questão geral, não a coisa individual mental clínica”, aponta.
Pode ser explorada por líderes. Até que ponto Hitler ou Josef Stalin eram, por exemplo, paranoicos? E até que ponto era uma simplificação de sua propaganda, que funcionava como esta terapia coletiva muito agressiva e primitiva?, questiona Zoja, que participou do festival cultural realizado em Valparaíso, Puerto de Ideas, em 2014.
“Também se falou da noção do inconsciente coletivo. Carl Jung, analisando pacientes no período da guerra mundial, descobriu que em alguns sonhos aparecia o deus destruidor Wotan e também certos heróis da mitologia germânica. Que importância tem o inconsciente em situações como estas? O que acontece nessa terra desconhecida que está na fantasia?”, perguntou Warnken.
“Essa é uma pergunta muito interessante, porque se associa à tendência paranoica. A primeira forma de nossos processos mentais é a imaginação, certo? Já dentro da mãe, uma criança tem sonhos e pode expressá-lo com a linguagem muito posteriormente. Na evolução da civilização, as imagens precedem os conceitos, tanto na ontogênese, ou seja, na história do indivíduo, como na humanidade nas diferentes culturas. [...] E o bem e o mal precisam de personificações que são representadas através do mito”, explica.
A guerra é a forma mais simples, porque surge o adversário. Mas no vírus, não existe. Por isso, logo nascem as teorias de complô para conferir uma personificação.
Zoja não é usuário do Facebook, nem do Twitter. “Mas o que entendo por meus filhos e meus pacientes é que a tendência é a de mensagens cada vez mais curtas. Há muitos estudos que fomentam a mensagem paranoica”, destaca.
Por isso, acrescenta que a comunicação virtual costuma servir para a compreensão dos tempos.
“A massa é de alguma maneira organizada. Não sei, quando o sindicato de trabalhadores convoca uma greve e se encontram em uma grande praça da cidade, possuem alguma finalidade e ideias. A multidão se encontra na praça, mas ocasionalmente. Não é programado. [...] Isso pode ocorrer no século XXI, na comunicação virtual, certo? Os encontros casuais e os encontros intencionais”, propõe.
“Qual é a psicoterapia que os políticos e os meios de comunicação podem fazer nesta crise?”, pergunta Warnken.
“Vi diminuir os números da rádio e televisão de uma maneira impressionante, nos últimos 30 anos, na Itália. Isto corresponde a uma piora da qualidade. [...] E um governo que utiliza muito o Twitter, como [Donald] Trump, ativa a impaciência das pessoas que vão em direção muito perigosa”, destaca o psicanalista.
Em tal cenário, a paranoia pode surgir nos populismos, com um discurso que não consegue penetrar na elite. Muitos políticos dizem que esta crise é uma guerra. “O que me parece perigoso, porque personifica o inimigo, quando na realidade é um vírus”, expressa.
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“É muito difícil aceitar o mal em nosso interior”, adverte o psicanalista Luigi Zoja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU