09 Março 2020
"A segurança é um mito, é a promessa não cumprida, a salvação é ao contrário nossa tarefa e, ao mesmo tempo, o dom que nos foi prometido, e está precisamente ao nosso alcance, se a imitação de Deus a assumirmos como a salvação de todos, ninguém excluído, se jogarmos todos os nossos recursos nela".
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 06-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O sinal dos tempos mais perturbador e invasivo destes tempos difíceis é que o governo (italiano) proibiu os beijos. Pobre São Bernardo com seus nove sermões sobre o beijo! E o Cântico dos Cânticos!
Da emergência do vírus que atingiu o mundo e afeta a Itália, no entanto, devemos tirar, juntamente com o luto, as advertências e as confirmações que seria culposo ignorar.
A primeira confirmação é que, agora, para além de todas as preciosas diferenças de nações, estirpes, estados, cores, cultura, religião, língua e sexo, existe apenas um povo na Terra.
Existe a evidência de uma sua unidade de origem e de destino, existe sua subjetividade ou pessoa coletiva que está em jogo. Tocamos com a mão o que São João Crisóstomo já havia dito e proclamou o Concílio Vaticano II: "Quem está em Roma sabe que os índios são seus membros". Essa unidade, rejeitada e rasgada por todos os poderes do mundo, agora bate à nossa porta e não há muros, apartheid, reservas indígenas e fronteiras ou portos fechados que segurem. A fronteira não é a própria imagem, como pretende o selfie, é global. Uma grande lição.
O segundo é o nexo inseparável que une os seres humanos com a natureza; as mulheres, claro, antes de tudo, que são o ventre da vida, mas também os homens: um nexo com toda a natureza viva, aquela visível e invisível, ainda mais invisível que a poeira do ar; por esse motivo, fala-se de ecologia integral.
Dizem que o vírus passou dos animais para o homem, pulando de uma espécie para outra, e que agora, graças à globalização, também as doenças não conhecem fronteiras entre os animais e o ser humano, entre uma e outra espécie. Isso significa que deve ser a cultura, mais que a natureza, a orientar nosso relacionamento com os animais, a definir o que temos em comum (como declama o Cântico das criaturas), mas também o que nos distingue infinitamente deles, aquela centelha do humano, aquela troca inefável que nos faz confinar com Deus, que faz a inestimável diferença humana, que nenhuma inteligência artificial poderá igualar. Nesta diferença se abriga também o direito.
A terceira é que nosso verdadeiro problema, a verdadeira aposta que está em jogo, a que parece ser a mais difícil, não é a segurança, mas a salvação.
A salvação da Terra, que a história continue, que a humanidade subsista, sem o álibi do escaton, do fim anunciado, dos apocalipses que se autorrealizam. A segurança, por mais promissora, não está ao nosso alcance. Nos dão para nós mais armas e mais licença para usá-las, e nós nos matamos mais. Eliminam os refugiados dos cartórios e os tornam dispersos e desesperados nas cidades.
A direita americana criou para si uma extraordinária "estratégia de segurança nacional" e também de segurança mundial, prometendo extirpar os "estados fora-da-lei" (em inglês "rogue states", isto é, "ervas daninhas") e devastou todo o Oriente Médio, foram funestos para América Latina e colocaram todos os povos em risco. Colocam em quarentena aquele único passageiro que transitou por Singapura, ampliam as áreas vermelhas, fecham ao trânsito, mas o vírus segue seu curso, enquanto as guerras colocam em movimento êxodos em massa, e a Turquia ameaça a Europa jogando contra ela refugiados como uma arma.
A segurança é um mito, é a promessa não cumprida, a salvação é ao contrário nossa tarefa e, ao mesmo tempo, o dom que nos foi prometido, e está precisamente ao nosso alcance, se a imitação de Deus a assumirmos como a salvação de todos, ninguém excluído, se jogarmos todos os nossos recursos nela.
A quarta confirmação é de que a verdadeira unidade da Europa e do mundo, que falhou no século XX, quando teve sua melhor chance e foi colocada nas mãos do dinheiro, a teremos que fazer agora; para isso não servem reizinhos, ditadorzinhos e outros alegados soberanos e soberanistas; os antigos o chamavam de direito de ser rei, o "nomos basiléus", como sabemos de Píndaro.
Bem, vamos levar a sério, sabendo que o direito não é mais a lei do mais forte, a inflexível lei do pai, mas é o direito do fraco e também o direito de Antígona e de Carola Rackete, e deve assumir hoje as formas de um constitucionalismo mundial, até a "utopia" realista que sugerimos, de uma Constituição da Terra, não apenas normas, mas também institutos e autoridades de garantia que realizem o que prometem, direitos e bens comuns a toda a humanidade, desde a saúde ao saber, ao trabalho, à paz.
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O vírus adverte a terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU