07 Novembro 2019
Regras atuais para grupo conhecido como CACs são consideradas uma das principais brechas legais para o descontrole de armas no País.
A reportagem é de Marcella Fernandes, publicada por HuffPost, 06-11-2019.
Após meses de divergências entre lideranças partidárias e bancadas temáticas, como a da segurança e a evangélica, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) uma proposta que amplia acesso a armas para caçadores, atiradores e b, grupo conhecido pela sigla CACs. O texto revoga trechos do Estatuto do Desarmamento e ainda precisa ser votado pelo Senado.
Permissões sobre a posse de arma de fogo e o porte (permissão para transporte) para cidadãos comuns foram excluídas do projeto de lei das armas e serão tratadas em um novo texto que deve ser enviado pelo governo ao Congresso nesta quarta-feira (6), conforme acordo proposto pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O novo projeto contará com urgência constitucional, que concede prioridade de votação após 45 dias do pedido.
A nova proposta irá incluir novas categorias profissionais autorizadas a ter porte de arma, um dos principais pontos criticados pela oposição e por especialistas em segurança pública. O texto original, enviado pelo governo no primeiro semestre deste ano, previa porte para diversas categorias, incluindo advogados, políticos, caminhoneiros e jornalistas que fazem cobertura de segurança pública.
Um dos substitutivos a esse projeto apresentado pelo relator Alexandre Leite (DEM-SP) ampliava essa permissão para trabalhadores da área de segurança, como vigilantes privados, agentes socioeducativos e oficiais de Justiça.
Hoje, as regras para os CACs, grupo ao qual o relator faz parte, são consideradas uma das principais brechas legais para o descontrole de armas no País. A autorização para acesso a armas para essa categoria é concedida pelo Exército e não pela Polícia Federal, responsável pelo registro para cidadãos comuns.
Devido à maior permissividade, os CACs têm crescido nos últimos anos. De acordo com estimativas de institutos da área de segurança, houve um aumento de quase 900% entre 2014 e 2018 nos registros de CACs. Atualmente são cerca de 200 mil.
O texto aprovado pela Câmara permite que a capacidade técnica para manuseio da arma seja concedida pelo próprio clube de tiro e que essa instituição faça parte do procedimento para que o atirador consiga o registro, uma brecha criticada por especialistas em segurança pública. Colecionadores não precisarão ter a capacidade técnica atestada. Ou seja, profissional sem registro no Conselho Federal de Psicologia poderá emitir laudo para uso de arma de fogo.
O PL também concede uma autorização genérica de porte para os atiradores por permitir o transporte de uma arma carregada de munição no trajeto entre o local de guarda e o local de treinamento, competição, manutenção ou caca, sendo que esse trajeto é considerado “qualquer itinerário realizado independente do horário, assegurado o direito de retorno ao local de guarda do acervo”.
A única emenda aprovada pelo plenário, do deputado Arthur Lira (PP-AL), especifica que o atirador maior de 25 anos terá direito ao porte de armas somente depois de cinco anos da primeira emissão do certificado de registro de atirador.
Desde 2017, um decreto editado pelo então presidente Michel Temer permite que os CACs se desloquem com uma arma municiada do local de guarda até o local da atividade, como treinos ou competições. Há uma fragilidade, contudo, na fiscalização para verificar se de fato a pessoa estaria nesse trajeto, o que, na prática, facilitou a circulação de pessoas armadas.
O substitutivo de Leite também prevê que o Comando do Exército poderá, anualmente, solicitar a apresentação em até 30 dias, de comprovante de atividade esportivas para comprovar as exigências legais para o porte.
Segundo o projeto de lei, policiais e militares praticantes de tiro esportivo poderão comprar até 10 armas, com justificativa de uso para prática desportiva. Outro trecho, contudo, permite o registro de até 16 armas para caça ou tiro esportivo, sendo até 6 de calibre restrito, considerados mais potentes.
O texto também dá o prazo de dois anos para que os CACs regularizem suas armas. Para cidadãos, comuns, a anistia é de dois anos após a nova lei entrar em vigor e restrita a armas fabricadas até 31 de dezembro de 2009. Em vigor desde 2003, o Estatuto do Desarmamento já prevê a possibilidade de regularização de armas ilegais, que foi estendida até 2009.
Se a pessoa não tiver nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da arma de fogo, vale “declaração firmada na qual constem as características da arma, a numeração legível e a sua condição de proprietário”. A prova autorizada é uma declaração de próprio punho, ponto também criticada por especialistas em segurança.
Uma das mudanças feitas por Leite, em relação a versões anteriores do substitutivo, foi a inclusão de um trecho que prevê que o registro de caçador concedido pelo Exército não acarreta autorização automática para o exercício da atividade de caça. A alteração foi sugerida pelo deputado Fred Costa (Patriota-MG), líder da bancada.
Se por um lado assegura o acesso a armas para os CACs, o texto aprovado pela Câmara aumenta as penas de seis crimes relacionados a armas. A posse irregular de arma aumenta de detenção de 1 a 3 anos para 2 a 4 anos. Já a omissão de cautela, em que o proprietário ou portador não tomou cuidado para evitar que menores de 18 anos ou pessoa com deficiência mental tivesse ma cesso aa dela, passa a ter pena de detenção de 2 a 3 anos. Atualmente, é de 1 a 2 anos.
O porte de arma de fogo sem autorização passa de reclusão de 2 a 4 anos para 3 a 5 anos. Quando for arma for de uso restrito, a pena aumenta de 3 a 6 anos para de 6 a 10 anos.
Também foram modificadas condições consideradas agravantes nos casos de tráfico internacional de arma de fogo e de comércio ilegal. A pena é elevada nos casos de de armas de uso restrito. Foi incluída também uma punição mais longa para crimes cometidos com arma de fogo, como roubo, extorsão e associação criminosa.
Em nota, o Instituto Sou da Paz, que acompanhou a tramitação do projeto, criticou o caráter permissivo do texto. “A banalização do acesso e do porte por meio do registro como CAC pode se tornar um desvio irreparável da política de controle de armas”, diz a organização.
O documento ressalta que foram concedidos “benefícios desconectados de uma agenda responsável para a segurança pública e de grande potencial danoso”, como a autorização para compra de até 16 armas; permissão para CAcs andarem armados nas ruas; exclusão dos órgãos ambientais na fiscalização dos caçadores; restrição da fiscalização sobre o arsenal dos CACs; permissão para que façam recarga ilimitada de munições, incluindo manuseamento de pólvora em suas casas, “eliminando a já precária política de controle de munições”.
Na avaliação do instituto, se o Senado mantiver a versão aprovada pela Câmara, “certamente aumentará o número de armas e munições desviadas para o crime, inclusive de uso restrito, e aumentará a ocorrência de feminicídios, mortes ocasionadas por discussões banais e a vitimização policial”.
Outra crítica apontada é em relação à forma de tramitação do projeto de lei. “O texto, que não tramitou por nenhuma comissão parlamentar, teve diversas versões que não foram publicadas nos canais oficiais da Câmara dos Deputados. Sem debate público, transparência ou publicidade, foram semanas de embate entre entusiastas de armas e parlamentares defensores de uma política responsável de controle de armas de fogo”, diz a nota.
Mesmo sem o Congresso concluir a votação do PL das armas, a política armamentista do governo de Jair Bolsonaro já provocou um aumento na compra de armas. Foram 8 decretos neste ano. De acordo com dados da Polícia Federal, 36.009 novos armamentos foram registrados entre janeiro e agosto. No ano passado, a marca de 36 mil só foi alcançada em outubro. Em setembro, o total de registros ativos de armas no País expedidos pela PF já havia ultrapassado a marca de 1 milhão, ante os 678.309 de dezembro do ano passado, segundo dados obtidos pelo Instituto Igarapé.
O projeto de lei votado nesta terça foi enviado à Câmara pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em 25 junho. No dia seguinte, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgaria duas ações que contestavam a constitucionalidade de decretos presidenciais que amplia a posse e o porte (permissão para transporte) de armas desde janeiro. Após a movimentação do governo, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, retirou os processos da pauta do plenário.
A proposta aprovada pela Câmara tramitou em regime de urgência e não foi debatida em comissões. Algumas versões do texto de Alexandre Leite não foram divulgadas publicamente, circularam apenas nos bastidores do Congresso.
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Câmara amplia acesso a armas para caçadores, atiradores e colecionadores. Brechas para o descontrole - Instituto Humanitas Unisinos - IHU