29 Fevereiro 2020
“A queda na capacidade reprodutiva das populações animais e humanas pode estar no mesmo nível da ameaça da mudança climática sobre o futuro do planeta”, escreve Jesus del Mazo Martínez, do Centro de Pesquisas Biológicas Margarita Salas, em artigo publicado por El Diario, 27-02-2020. A tradução é do Cepat.
A cada ano, a qualidade e a concentração de espermatozoides por ejaculação masculina são reduzidas em 1%. É o que diz uma meta-análise sobre mais de 100 estudos publicados entre 1934-1996 que alertam para essa diminuição acumulativa nas populações de homens de diferentes áreas geográficas do planeta. O motivo? Tudo aponta para o efeito da exposição a “desreguladores endócrinos”.
O termo foi usado pela primeira vez nos anos 1990 para se referir a todas essas substâncias, artificiais ou naturais, poluentes ambientais, que interferem em algum aspecto do equilíbrio hormonal. Afetam o desenvolvimento e a função de diferentes células, gerando riscos para a saúde reprodutiva, a função da tireoide, o desenvolvimento neuronal, o crescimento e alguns tipos de câncer dependentes de hormônios, entre outros.
Atualmente, os desreguladores endócrinos estão onipresentes em nosso entorno em uma multidão de produtos de uso cotidiano. Isso inclui os plásticos das garrafas e recipientes, os pesticidas, os cosméticos, os lubrificantes industriais, os fungicidas, etc.
Segundo o último relatório da Organização Mundial da Saúde, cerca de 800 compostos são conhecidos ou suspeitos de interferir na síntese hormonal, em seus receptores e mecanismos de ação. E podem ser muito mais, porque dos mais de 100.000 produtos químicos presentes no meio ambiente, só foram estudados seus potenciais efeitos adversos em uma ínfima proporção.
O sistema endócrino desempenha sua função mediante a elaboração e secreção de uma série de substâncias chamadas hormônios que, ao se ligarem a receptores nas células-alvo, provocam uma resposta. Entre elas, aquelas que afetam a capacidade reprodutiva e o desenvolvimento sexual, como estrogênios, androgênios ou progestagênios.
Os desreguladores endócrinos podem interferir nessa armação de duas maneiras. Como os “agonistas” dos hormônios, que os “suplantam” ativando seus receptores, ou como “antagonistas”, que bloqueiam o receptor e impedem que o hormônio realize a sua função.
Uma peculiaridade dos desreguladores é que, às vezes, “menos é mais”. Ou o que é o mesmo, sua ação pode ser maior em baixos níveis de exposição do que em altos níveis de exposição. O que passou a ser chamado de “efeito de baixa dose”.
Se levarmos em conta que, além disso, o habitual é que seres humanos e animais sejam expostos a vários compostos ao mesmo tempo (“efeito coquetel”) e que sua capacidade acumulativa é enorme, o impacto na saúde pública e animal é altamente preocupante. Tanto que a queda na capacidade reprodutiva das populações animais e humanas pode estar no mesmo nível da ameaça da mudança climática sobre o futuro do planeta.
E não só isso. O sistema hormonal também participa ativamente na regulação metabólica de gorduras, carboidratos e proteínas. Portanto, o desequilíbrio hormonal causado por exposições pré-natais em alguns desreguladores induz a alterações metabólicas que se traduzem em obesidade, outro dos males de nosso tempo. Se somarmos a isso que o acúmulo corporal dos desreguladores ocorre fundamentalmente em tecidos gordurosos, a espiral da obesidade e da acumulação se retroalimenta perigosamente.
Uma boa parte dos desreguladores interfere nos hormônios envolvidos no desenvolvimento sexual e na formação de gametas em ambos os sexos. São poluentes reprotóxicos, muito perigosos quando a exposição começa no período pré-natal, dado que o desenvolvimento gonadal e a diferenciação das células germinativas se inicia em mamíferos na vida embrionária.
Conforme avançamos no início do texto, nos últimos 50 anos, a concentração e a qualidade dos espermatozoides foram reduzidas pela metade. Além disso, detectou-se um aumento das malformações em genitais e a prevalência de câncer de testículo. Em meu laboratório, detectamos que, em nível molecular, os desreguladores desregulam a expressão de mais de 2.000 genes testiculares que são chaves na formação de gametas funcionais.
Isso, sim, a maior parte dessas pesquisas sobre desreguladores foi realizada no sexo masculino, pois é mais fácil obter os espermatozoides e devido à enorme complexidade biológica da diferenciação dos oócitos durante o desenvolvimento feminino.
Ultimamente, começamos a apresentar um remédio. Do nosso laboratório e de muitos outros, foram iniciados estudos em modelos animais, utilizando métodos de cultivo ‘in vitro’ do ovário, a partir de estágios embrionários de desenvolvimento.
Outro dado preocupante é que o efeito de certos desreguladores pode ser transmitido transgeracionalmente. Ou seja, indivíduos não expostos diretamente podem manifestar alterações epigeneticamente transmitidas através de células germinativas parentais que estiveram expostas aos poluentes.
Tudo isso indica que precisamos de estudos mais aprofundados, além de uma regulamentação mais rigorosa desses reprotóxicos, se não queremos prejudicar nossa saúde reprodutiva.
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A poluição silenciosa que está roubando a nossa fertilidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU