11 Janeiro 2013
O ambientalista faz um alerta sobre essas substâncias não naturais e sintetizadas artificialmente, que causam perturbações ao sistema endócrino do corpo animal, humano ou não, ao imitar o hormônio feminizante estrogênio.
Confira a entrevista.
Você já ouviu falar em disruptores endócrinos? Mesmo que a resposta seja não, pode ter certeza de que eles estão dentro de seu corpo. Alguns produtos químicos artificiais, presentes em detergentes, produtos de cuidado pessoal, resinas plásticas, dentre outros, possuem a capacidade de imitar o comportamento do hormônio feminizante estrogênio. “Assim, quando nos alimentamos, respiramos e tocamos quaisquer destes produtos de uso cotidiano que contenham estas substâncias, nossos corpos as absorvem por atração”. A explicação é do ambientalista Luiz Jacques Saldanha, que concedeu a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail. E ele continua afirmando que, quimicamente, essas substâncias são lipossolúveis, ou seja, são atraídas pelas gorduras. “Estejam elas na ponta dos nossos dedos, nas papilas de nossas línguas ou entranhadas nos bulbos capilares. Simplesmente atraímos estas moléculas que imediatamente entram na corrente sanguínea de nossos corpos e daí passam a interferir em nosso sistema endócrino e as consequências começam a surgir”. Entre essas consequências está uma série de perturbações ao sistema endócrino, ou seja, que regula toda a complexidade de hormônios que nossos organismos geram, mesmo antes de nascer. “São os hormônios, por exemplo, que determinam toda a configuração de gênero nos animais. E aqui vem o ponto-chave, crucial, da situação global que vivemos hoje”, defende Jacques.
Luiz Jacques Saldanha, ambientalista, é engenheiro agrônomo e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente mora em Florianópolis-SC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que são disruptores endócrinos? Onde eles se encontram e que riscos provocam à saúde humana, animal e vegetal?
Luiz Jacques Saldanha – A expressão “disruptor endócrino” foi cunhada pela cientista norte-americana Theodorine Colborn no início dos anos 1990. Surgiu como consequência de uma longa jornada, descrita em seu livro “Our Stolen Future”. Foi um verdadeiro best-seller e tinha o prefácio do então vice-presidente Al Gore. No Brasil, através de um movimento nosso, foi publicado pela L&PM como “O futuro roubado”, em 1997. Quando lemos o livro, fica claro que seu caminho é uma sequência daquele trilhado antes pela bióloga também norte-americana Rachel Carson, autora do livro “Primavera silenciosa”. Colborn, no entanto, vai além de Carson. Constata que certos químicos artificiais, como detergentes, componentes de produtos de cuidado pessoal, resinas plásticas, além de tantos e tantos outros produtos, como os agrotóxicos e, dentre eles, o DDT, vilão do livro de Carson, são muito mais que carcinogênicos (geram câncer), teratogênicos (geram fetos-monstros) e mutagênicos (geram mutações genéticas). Não se sabe ainda exatamente porque, mas eles têm a capacidade de imitar o comportamento do hormônio feminizante estrogênio. Assim, quando nos alimentamos, respiramos e tocamos quaisquer destes produtos de uso cotidiano que contenham estas substâncias, nossos corpos as absorvem por atração. Quimicamente, são lipossolúveis, ou seja, são atraídas pelas gorduras. Estejam elas na ponta dos nossos dedos, nas papilas de nossas línguas ou entranhadas nos bulbos capilares. Simplesmente atraímos estas moléculas que imediatamente entram na corrente sanguínea de nossos corpos e daí passam a interferir em nosso sistema endócrino e as consequências começam a surgir.
IHU On-Line – E que consequências seriam estas?
Luiz Jacques Saldanha – No final dos anos 1980, cientistas que trabalhavam com reprodução e fertilidade masculina, começaram a observar que os jovens nascidos a partir dos anos 1960 e 1970, apresentavam muitas síndromes que demonstravam que alguma coisa errada estava acontecendo com seu desenvolvimento natural e normal de gênero. Estes jovens tinham a metade, ou menos, da quantidade de espermatozoides de seus pais, além de grande parcela deles apresentar anomalias. Eram inertes, tinham pouquíssima mobilidade ou não tinham cauda e muitos nem mesmo cabeça. Paralelamente, observaram também o aumento progressivo no número de jovens homens com câncer testicular. Igualmente era ascendente o número de meninos que nascia com hipospádia, doença onde o meato, o orifício de abertura da uretra, que deve ser na ponta do pênis, está em qualquer lugar do corpo do membro, podendo chegar, em casos extremos, até a estar abaixo dos testículos. Outra situação também estranha era o número de meninos que não tinha condições de, naturalmente, baixarem os testículos do abdômen para o saco escrotal.
IHU On-Line – E como estas situações passaram a ser identificadas com os “disruptores endócrinos”?
Luiz Jacques Saldanha – Em 1989, a cientista argentina que vive nos EUA há muitos anos, Ana Soto, descobre que moléculas consideradas até então como inertes e que fazem parte de muitas atividades industriais, estando em nossos produtos do dia a dia, tinham esta capacidade de mimetizar o estrogênio. Foi por uma causalidade esta constatação. E isso, como foi antes com a Rachel Carson, muda a história dos produtos sintetizados artificialmente e que, indiscriminadamente, a indústria química se acha com o direito de produzir e, pior, lançar no ambiente através de cada um de nós, os consumidores, que nem sabemos o que estamos fazendo. É claro que todas estas descobertas foram ferozmente contraditadas pela indústria, que também tinha seus trabalhos científicos que mostravam exatamente o contrário. Mas a vida vem, infelizmente, mostrando que estes cientistas independentes e responsáveis estão com a razão há mais de 20 anos.
Existem moléculas, e de largo uso, que têm esta capacidade. Foi então que a Dra. Colborn resolveu denominar estas moléculas desta forma. Eu, particularmente, resolvi confirmar a denominação destas moléculas para manter a mesma linha de raciocínio, de que são substâncias não naturais e sintetizadas artificialmente além de inexistentes na natureza. Então, poderíamos dizer que esta expressão traduz diretamente todas as perturbações que substâncias sintéticas e externas – exógenas – ao corpo animal, humano ou não, causam ao sistema endócrino. Ou seja, ao sistema que regula toda a complexidade de hormônios que nossos organismos geram, mesmo antes de nascer. São os hormônios, por exemplo, que determinam toda a configuração de gênero nos animais. E aqui vem o ponto-chave, crucial, da situação global que vivemos hoje.
IHU On-Line – Quais são os efeitos profundos e deletérios destes agentes químicos na saúde do reino animal?
Luiz Jacques Saldanha – Em princípio, a ciência moderna constatou, em sintonia com as questões atuais sobre gênero e mesmo da discussão do patriarcado e do poder sombrio do masculino, que, diferentemente da percepção comum da sociedade ocidental, o gênero que predomina e ao qual normalmente todos os seres se encaminham para ser na fase embrionária é o feminino, e não o masculino. Não há a distorcida interpretação, na literalidade, do Velho Testamento de que o homem é que teria sido criado por Deus e que seria predominante e, por isso, haveria uma sobrepujança do gênero masculino. Sabe-se que todo o ser sempre vai ser fêmea e que o macho é originário de um processo de autoconstrução. O embrião, a partir quinta ou sexta semana, quando tem como um de seus cromossomas o Y, começa a fazer uma verdadeira revolução em seu corpo. Agora este feto principia sua grande jornada de se construir em um ser humano do gênero masculino. E para isso ele conta com a sua ferramenta-chave e imprescindível: o hormônio masculinizante testosterona.
IHU On-Line – E qual a relação entre a testosterona e os disruptores endócrinos?
Luiz Jacques Saldanha – Hoje também sabe-se que, em relação aos hormônios sexuais, o estrogênio nunca se transforma em testosterona, mas a testosterona pode, com a ação de uma enzima presente em certos tecidos do corpo dos animais, e consequentemente dos humanos, – enzima chamada aromatase –, fazer a conversão da testosterona para estrogênio. E este é o aspecto mais dramático de todo este tema. Até há pouco tempo, imaginava-se que havia para todos estes produtos a ação da placenta, que impediria sua entrada no ambiente fetal. No entanto, sabe-se que não ocorre a barreira placentária e nem se percebe condições do corpo da mãe e do feto de fazerem quaisquer tipos de seleção quando se trata destas moléculas totalmente alienígenas já que não foram criadas pela vida. E como no corpo do menino quem movimenta toda a fisiologia e o metabolismo de seu corpo em desenvolvimento e transformações é a testosterona e em quantidades que só a complexidade de sua natureza dimensiona, qualquer interferência será definitiva, irreversível e imutável. Assim, são estas quantidades que dão condições do menino para poder se diferenciar do feminino. Mas, agora, é sabido que a testosterona pode sofrer influências destas moléculas feminizantes, levando a que o feto comece a não ter mais poderes fisiológicos suficientes de se diferenciar. E dessa forma isso pode ser o princípio de ele acabar sucumbindo ao feminino, ou seja, ele não ter quantidades suficientes de sua ferramenta-chave, a testosterona, para se autoconstruir e ir se tornando cada vez mais um menino organicamente completo. Esta é a razão por que tecnicamente se diz que os fetos meninos, ou os machos animais, vêm nascendo feminizados. Ou seja, não tiveram condições de transformar todas as estruturas orgânicas que tendiam ao feminino para o masculino. É por isso que se constata que as anomalias nos espermatozoides, as incidências crescentes de hipospádia, criptorquidia (testículos que não descem), alteração do tamanho das glândulas do sistema endócrino, no aparecimento de micropênis, etc., podem estar ligadas à disseminação global e indiscriminada destas moléculas.
IHU On-Line – Que relação há entre os disruptores endócrinos e o BPA?
Luiz Jacques Saldanha – O BPA é a sigla em inglês da molécula Bisphenol A, ou em português, Bisfenol A. Esta molécula foi sintetizada no final do século XIX por um químico russo. Nesses tempos primevos da chamada química orgânica sintética, os cientistas buscavam moléculas que fossem explosivas e/ou corantes. Este era o foco da época. Devemos lembrar toda a questão que envolveu a Europa e a chamada primeira guerra mundial, que viria a ocorrer menos de 20 anos depois, para entender o que estava ocorrendo com o mundo social e econômico da época. Assim, como ela (a molécula) não deu nem para uma coisa nem para outra, foi deixada de lado. Mas na década de 1930, quando se buscava, depois de tudo o que aconteceu neste primeiro quarto do século XX, medicamentos e fármacos que viessem a satisfazer os desejos do modelo desse momento, percebeu-se que o BPA apresentou capacidade de imitar o comportamento do estrogênio.
No entanto, um grande cientista britânico queria descobrir a “molécula-mãe”, como chamava, para ser a grande substituta do hormônio feminino natural. E ele descobre o dietilestilbestrol, o famoso DES (proibido no mundo desde a década de 1970), que foi usado por mais de um milhão de mulheres no mundo para controlar náusea e possível ameaça de aborto. Novamente ela é deixada de lado. Mas nos anos 1950 se retoma fortemente seu uso para fins industriais, como a resina plástica policarbonato. Este “plástico” vem nas embalagens com a sigla PC e/ou o número 7 associado ao triângulo de reciclável. Esta resina surge da reação química entre o BPA e o gás de guerra mais utilizado na primeira guerra, o clorado fosgênio. O PC é considerado um plástico de engenharia e que hoje está em praticamente todos os utensílios chamados de “linha branca”, de geladeiras a máquinas de lavar roupa. É a resina que foi proibida em mamadeiras e outros produtos de uso generalizado. Como é um aditivo, pode estar presente em vários outros produtos sem sabermos, por não estar escrito em sua composição química. Também é com ele que se fazem os CDs e os DVDs. É um dos componentes do papel usado para termoimpressão das caixas registradoras, caixas eletrônicas, etc. Então ela ser estrogênica não é surpresa para ninguém da indústria química. E isso se constata quando se vê as declarações do representante do lobby das indústrias químicas em audiência no Senado norte-americano. Esta molécula pode ser considerada como emblemática, como foi o DDT no século XX.
IHU On-Line – Há alguma relação entre os disruptores endócrinos e o aumento no número de crianças com autismo?
Luiz Jacques Saldanha – Alguns cientistas estão relacionando a presença de todas estas moléculas artificiais com certas síndromes que se manifestam em crianças e se avolumaram nas últimas décadas. Ainda estão associando tanto com questões genéticas como com estas moléculas que chamam, genericamente, de químicos ambientais. Ou seja, aqueles que foram dispersos no ambiente e que não conseguimos fazer então uma correlação direta de causa e efeito e com isso dificultando sua identificação objetiva. Mas muito além do autismo que ainda está nesta categoria, a síndrome da obesidade já está efetivamente associada à fase fetal e a estas moléculas. Por isso também estão sendo chamadas de obesogênicas. Já há trabalhos que mostram que são estas moléculas artificiais estrogênicas que estão fazendo com que as crianças já nasçam com este fardo. Pesquisa do IBGE, lançada no ano passado, demonstra que a faixa etária com maior número de obesos no Brasil está entre os 5 e os 9 anos. Parece-me que é uma situação muito precoce para já ter tanta influência da vida sedentária e dos “junk foods”. Outros estudos estão levantando a hipótese de que estas moléculas, assim como causam aquelas desordens na formação de gênero do feto, também fariam com que os organismos em formação, meninos e meninas, gerassem outro tipo de confusão. Em vez de formarem células epiteliais, modificar-se-iam em células gordurosas.
IHU On-Line – Qual a postura das grandes grifes de moda mundiais diante do uso de substâncias perigosas em sua cadeia de produção e do completo ciclo de vida de seus produtos?
Luiz Jacques Saldanha – Este é um tema bem atual e está muito forte, principalmente na Inglaterra, através de um esforço louvável do Greenpeace inglês. Os últimos noticiosos sobre o tema mostram que uma das onze substâncias perigosas é o alquilfenol etoxilado, que se apresenta como um dos ingredientes dos detergentes com que lavam os tecidos antes de confeccioná-los. Pois foi exatamente um dos componentes da família desta molécula, o nonilfenol, que a pesquisadora argentina, em Boston, como citei acima, constatou que era definitivamente estrogênica. E o mais cínico nisso tudo é que esta molécula está proibida para este tipo de uso em toda a Europa, desde 2005. Mas como as confecções das grandes grifes são feitas em países sem a informação e/ou determinação dos europeus, isso vinha passando batido. Daí a importância desta denúncia e da mobilização do povo inglês. Agora o Greenpeace vem conseguindo um acordo com todas as grandes marcas para que todo o processo produtivo – não está inclusa ainda a produção agrícola com os agrotóxicos – seja isento de produtos que comprometam a vida na Terra. E aqui também se deve entender o descarte.
IHU On-Line – O que os grupos industriais brasileiros usam e conhecem sobre estes perigos nos grandes centros de produção têxtil do Brasil?
Luiz Jacques Saldanha – Temos que ter consciência de que este tema – de tudo o que estas substâncias causam – infelizmente é de total desconhecimento da maioria da população, o que, imagino, não exclui os empresários da área. Poderemos nos questionar que se há este tipo de realidade na Europa, por exemplo, onde este tipo de informação circula em todos os níveis da sociedade, o que sobrará para nós, onde a grande imprensa nem se emociona com estes temas de “ecologistas”. E tenho visto que pior ainda é que quando noticiam, fazem de uma forma escandalosa e totalmente “desempoderadora”. Assim, acabamos ficando todos impotentes, frustrados e, com esta tristeza, vamos às compras para que amenizem nosso desespero.
IHU On-Line – O que pode ser feito para reduzir a propagação desses químicos danosos à saúde humana e animal?
Luiz Jacques Saldanha – Acho que não é mais uma questão de reduzir, mas sim de rejeitar e eliminar tudo o que é contra a vida. Esta afirmação parece tão despropositada, mas quando se vê que certas moléculas vêm sendo proibidas nos países que geraram toda esta parafernália, porque agora sabem o que fizeram, por que não fazemos o mesmo também por aqui? A meu ver, por duas razões básicas: falta de informação e vontade emocional de buscar outros caminhos. E esta falta de informações começa com nosso total desconhecimento da história por que estas moléculas foram sintetizadas no primeiro mundo e para quê.
Para que isso aconteça, devemos simplesmente abandonar estas moléculas que vieram com o propósito de substituir as matérias primas das colônias pelas caricaturas e simulacros feitos em laboratório e partirmos para os materiais originais e naturais que ainda abundam em nosso país. E aí sim, tudo poderia mudar. Mas, para isso, primeiramente devemos ver se não estamos tomados tanto pelo vírus da ignorância invencível, como pelo da negligência inerte.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
Luiz Jacques Saldanha – Sim, eu gostaria de destacar que podemos começar a trocar algumas das “maravilhas” dos plásticos e outras tecnologias por soluções e alternativas que poderíamos, sem pejo, chamá-las de naturais. Quero deixar como sugestão, seguindo a todos os grupos no mundo que estão neste mesmo diapasão, que, pelo menos, três resinas plásticas devem ser abandonadas imediatamente. O PVC ou V ou aqueles produtos que têm o número 3 associado ao triângulo de reciclável; o PS ou poliestireno, ou “isopor” (é o nome de uma marca comercial), ou aquele que tem o número 6 com o triângulo do reciclável; e o PC, policarbonato ou o número 7 (pode ter o nome Outros ou Others em vez de PC) junto do triângulo de reciclável.
Por fim, sugiro que, para os que querem mais informações sobre tudo isso e em português, podem consultar o site que criei: www.nossofuturoroubado.com.br ou www.nossofuturoroubado.com.br/portal. A finalidade de sua existência foi para que servisse para expandir o conhecimento e daí qualificar nossa atitude quando, sozinhos, estamos na frente da prateleira do supermercado e devemos decidir o que iremos pegar para levar para casa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Disruptores endócrinos: moléculas alienígenas não criadas pela vida. Entrevista especial com Luiz Jacques Saldanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU