27 Novembro 2019
O papa convidou a pequena comunidade católica do Japão a responder aos males da sociedade japonesa.
Assim que o rosto de Francisco apareceu nos telões, uma ovação tomou conta do enorme estádio Tókio Dome, que lotou com 50 mil fiéis em suas arquibancadas, quantidade que corresponde a mais de 1/10 da pequena comunidade católica japonesa.
A reportagem é de Nicolas Senèze, publicada por La Croix International, 26-11-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por vários minutos, os fiéis, que foram ao estádio em 25 de novembro para participar da missa celebrada pelo papa, alegraram-se com aquele que se pôs a caminhar entre a multidão, parando para beijar as crianças, com um olhar sempre atento aos doentes sentados junto às fileiras.
Francisco estampava um sorriso radiante, visivelmente imerso em seu papel de pastor.
Aí estava ele, em uma comunidade à qual sonhara, ainda quando jovem jesuíta, ser enviado na qualidade de missionário.
Aí estavam estas pessoas, cantando em coro “Proteger toda a vida, proteger toda a vida”, tema dado por Francisco a esta viagem apostólica.
No entanto, o papa não hesitou em fazer uso do encontro com a pequena comunidade católica do país para denunciar os muitos males de uma sociedade japonesa muitas vezes trancafiada “no círculo vicioso de ansiedade e competição” ou focada na “busca obstinada e frenética de produtividade e consumismo”.
“O Senhor (…) convida-nos a repensar as nossas opções diárias para não acabarmos entalados ou fechados na busca do êxito a todo o custo, incluindo a custo da própria vida”, insistiu ele em sua homilia.
O papa também falou do isolamento das “muitas pessoas (que) sentem-se confusas e inquietas, (elas) ficam sobrecarregadas pelas demasiadas exigências e preocupações que lhes tiram a paz e o equilíbrio”.
“O oposto de um ‘eu’ isolado, fechado e até sufocado, só pode ser um ‘nós’ partilhado, celebrado e comunicado”, afirmou, lembrando que, como comunidade cristã, “somos convidados a proteger toda a vida e testemunhar, com sabedoria e coragem, um estilo marcado pela gratuidade e compaixão, pela generosidade e a escuta simples”.
Ele pediu por uma comunidade capaz de abraçar e receber a vida como ela se apresenta, “com toda a sua fragilidade e pequenez e, muitas vezes, até com todas as suas contradições e insignificâncias”, citando o que havia dito aos jovens em uma vigília no Panamá.
“Somos convidados a ser comunidade que desenvolva uma pedagogia capaz de acolher ‘tudo o que não é perfeito, tudo o que não é puro nem destilado, mas lá por isso não menos digno de amor”, insistiu o papa, trazendo presente os deficientes, os estrangeiros, os enfermos e prisioneiros.
“Por acaso uma pessoa portadora de deficiência, uma pessoa frágil não é digna de amor? (…) Uma pessoa, mesmo que seja estrangeira, tenha errado, se encontre doente ou numa prisão, não é digna de amor?”, perguntou.
Falando em defesa da vida, Francisco não proferiu uma palavra sobre a pena de morte: o Japão executou quinze pessoas em 2018, número recorde, mas “apenas” dois até agora em 2019. O Japão é um país onde a pena de morte conta com grande consenso social.
Para o ex-primeiro-ministro italiano Mario Marazziti, membro da Comunidade de Sant’Egidio, que, juntamente com ONGs, pediu por uma “trégua olímpica” nas execuções durante os Jogos Olímpicos de verão por vir, o papa teria dificuldades ao se posicionar abertamente sobre o tema.
No entanto, o religioso se reuniu com os pais de um condenado, e celebrou a missa na presença de um ex-boxeador, Iwao Hakamada. Hoje com 83 anos, o ex-lutador passou 46 anos no corredor da morte, onde se converteu ao catolicismo antes de ser liberto graças a exames de DNA feitos em 2014.
Francisco também levantou a questão durante uma audiência privada, imediatamente após a missa, com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe.
O seu discurso subsequente, proferido às autoridades do país e ao corpo diplomático, esteve marcado por temas ecológicos, mais uma vez relacionados pelo papa com a proteção da vida.
“A dignidade humana deve estar no centro de toda a atividade social, econômica e política”, salientou o papa, acrescentando que “o nível de civilização duma nação ou dum povo não se mede pelo seu poder econômico, mas pela atenção que dedica aos necessitados e também pela capacidade de se tornarem fecundos e promotores de vida”.
A viagem do papa à Ásia foi concluída com uma visita à prestigiada Universidade Sofia, instituição jesuíta sediada em Tóquio, na manhã de 26 de novembro.
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Francisco denuncia a “busca obstinada e frenética de produtividade e consumismo” no Japão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU