01 Novembro 2019
“A exogenia como um processo de subjetivação em plena exterioridade constrói simpatia com as mercadorias ou objetos desejados e erradica em sua totalidade a empatia com as pessoas. Essa é a novidade da exogenia, que só existe subjetividade para as coisas e não para a humanidade”, escreve Aníbal Ignacio Faccendini, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, cientista social e professor da Universidade Nacional de Rosário, Argentina, em artigo publicado por Página/12, 28-10-2019. A tradução é do Cepat.
O dilema histórico da humanidade foi e será como constrói sua subjetividade. Como constitui e se constitui para a realidade cotidiana e para a distante. O homem da antiguidade produzia sua subjetividade a partir do paganismo politeísta e na relação de domínio do amo e escravo. Na Idade Média, o subjetivo instituinte será o monoteísmo e a relação de domínio do senhor feudal com o servo da gleba.
É na Idade Média, a partir do monoteísmo, que se produz uma intensidade, distinta e centralizada por esse monoteísmo, que é o encantamento com o ambiente, entendido como natureza. É assim que neste período histórico as pessoas contemplavam a natureza, se surpreendendo e a reverenciando. Também os povos originários.
As pessoas, então, sentiam que faziam parte do ambiente em termos de integração, de cuidando com ele e não de conquista. Não acreditamos que esta etapa seja a panaceia, mas, sim, que era distinta e reverencial à Terra. O que positivamente nos demostra que nem sempre houve o antropocentrismo de conquista como produtor de subjetividades. Portanto, é possível e se deve gerar modelações de condutas humanas de integração e cuidado da Terra. Desde já, distinta e melhor que a outrora medieval, devendo prevalecer a justiça social e ambiental.
É com modernidade, avassaladora, veloz, racional, inundada de ganância e ambição extrema, que longe de toda emoção, mas substanciada na tensão do dominante contra a/o trabalhador(a), que se romperia o encantamento medieval com a natureza. O desencantamento prevaleceu e a conquista do planeta instigou. É a alienação em relação à Terra que permitiu a depredação, poluição e a deterioração da Casa Comum.
Essa alienação a respeito do ambiente do planeta, se acentuará com o capitalismo financeiro em grau de pleno divórcio. Diferente era, mesmo dentro da modernidade, a subjetividade constituinte das pessoas na economia mundial industrial com intervenção estatal e justiça social, no período de 1945 a 1976. Na Argentina, por exemplo, a participação dos trabalhadores na captação da riqueza nacional - nos anos 1954 e 1973 – será muito alta, o que marca a equidade social existente nessa época.
É com a financeirização de toda a vida pelo neoliberalismo, que começa no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, que ocorre a grande ruptura e nasce a exogenia: as empatias pessoais se reduzem muito e crescem em demasia as simpatias e desejos por coisas, pelas mercadorias e pela monetarização de tudo.
As pessoas na presente etapa instituem sua subjetividade, já plenamente a partir de fora, por meio, entre outros instrumentos, do excesso das redes informáticas, da invasão da mídia e o consumismo, sendo este último em excesso para os ricos e escasso para os pobres. Etapa que também gera indiferença com o coletivo e o social. Lida-se com demasiada superficialidade com as expectativas das maiorias da classe média em pertencer, chegar e alcançar a riqueza material.
A subjetividade do presente também se edifica vendo a outra e o outro como um meio instrumental a ser descartado em seu momento. As pessoas na atual época da financeirização da vida se conectam a partir de seu vazio, o vácuo exogenamente em disposição individualista, competitiva e narcisista. Próprio do sistema de financeirização de toda a vida, que aumenta o individualismo de forma cruel.
É o neoliberalismo que gera o fenômeno da exogenia. É um conceito que nos aponta que a constituição subjetiva das pessoas se realiza absolutamente de fora e a conexão com os outros é produzida em uma chave de concorrência e individualismo.
Sofremos a exogenia quando somos modelados pela pura exterioridade, quando somos totalmente falados e interpretados. Quando paramos de pensar em si e para si em comunidade. Assim como acontece no mercado. A violência do mercado invade todos as relações. A exogenia como um processo de subjetivação em plena exterioridade constrói simpatia com as mercadorias ou objetos desejados e erradica em sua totalidade a empatia com as pessoas. Essa é a novidade da exogenia, que só existe subjetividade para as coisas e não para a humanidade.
Há duas ideias que potencializam essa patologia social e que são levantadas pela sociologia: adiaforização e aporofobia. A primeira é a perda de todos os escrúpulos e decências mínimas. E a outra é o medo, desprezo e terror aos pobres. A saída é por dentro. Recuperar o pensar, que é mais do que raciocinar. A subjetivação deve ser metabolizada pelo nosso interior e nos vincular com o outro, com empatia e solidariedade sob os grandes eixos da justiça social e ambiental.
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A exogenia neoliberal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU