23 Outubro 2019
Em 19 de outubro, na igreja Acheiropoietos de Tessalônica, durante a concelebração litúrgica, o patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, e o primaz da Igreja grega Jerônimo, mencionaram nos dípticos (a lista de nomes de patriarcas e primazes com quem estão em comunhão) também o primaz da Igreja Ortodoxa autocéfala da Ucrânia, Epifânio de Kiev.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 21-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
É o ato formal, juntamente com uma carta de reconhecimento, com a qual se dá ato à decisão da assembleia extraordinária do episcopado grego de 12 de outubro. Participavam do rito os bispos Antimo (Tessalônica), Apostolo (Mileto), Máximo (Janina), Estevão (Filipos), Simeão (Filotide), Dimityrio (Terme), Niceforo (Amorium e igumeno de Vlatades).
No final do rito, Bartolomeu agradeceu a Jerônimo e à hierarquia grega pela decisão tomada e manifestou seus votos de que logo Epifânio – naquele dia nos EUA para receber o prêmio em homenagem a Atenágoras - possa visitar a Grécia e ser recebido "de braços abertos".
A extrema tensão com o patriarcado de Moscou se manifestou através de uma ampla declaração do Sínodo russo publicada em 17 de outubro. A assembleia dos hierarcas gregos é acusada de desconsideração em relação à Igreja Ucraniana que deve obediência à Moscou e de total falta de atenção com relação à carta endereçada a eles por Cirilo de Moscou (9 de outubro), que pedia para adiar a decisão antes que "o Espírito Santo reúna os primazes de todas as santas Igrejas de Deus, doando-lhes a sabedoria de encontrar em nome de toda a Igreja sagrada, católica e apostólica, uma solução adequada para todos e que permita superar a atual crise".
A dissidência expressa na assembleia pelo metropolita Serafim de Citera é lembrada, e são contestadas as razões apresentadas por Jerônimo para a aprovação da autocefalia. Os russos lembram que a Igreja ucraniana está na jurisdição moscovita há mais de 300 anos e que, nos trabalhos preparatórios do Sínodo de Creta, chegou-se a compartilhar o caminho do reconhecimento da autocefalia: consenso da Igreja local e da Igreja mãe, verificação por parte de Constantinopla, do consenso das outras igrejas, remissão do tomo da autocefalia.
Tudo travou na ordem das assinaturas no tomo e seu significado. O Fanar pedia o primeiro lugar e sua determinação (se não houvesse, a autocefalia se tornaria não válida). Moscou não aceitou, rejeitando uma acepção canônica mais que histórico-civil do primus inter pares. O texto não foi levado ao Concílio de Creta (2016) e, portanto, não foi aprovado (assembleia em que Moscou não quis participar).
O texto russo lembra meticulosamente as vozes críticas ecoadas na assembleia grega: daquela de Serafim de Karystia a Germano de Ilias, Daniel de Cesareia, Nicolas de Mesogaia, Serafim de Pireu, até as divergências por carta de André de Drynopolis, Cosme de Atália, Simeão de Esmirna e Nectário de Kerkyria. Na declaração também se observa que não teria havido uma votação por escrito.
"Se o cisma ucraniano for efetivamente reconhecido pela Igreja Ortodoxa Grega ou por seu primaz - por meio da concelebração, comemoração litúrgica ou envio de uma carta oficial -, testemunhará o agravamento da divisão na família da Igreja Ortodoxa. A responsabilidade caberá em primeiro lugar ao patriarca Bartolomeu de Constantinopla e às forças políticas internacionais em cujo interesse o cisma ucraniano foi legalizado". As potências internacionais evocadas são as dos Estados Unidos, embora não há menção ao condicionamento do poder russo sobre a Igreja de Moscou.
A decisão da hierarquia grega é imputada às "pressões sem precedentes" exercidas contra os bispos por Bartolomeu. É triste que os méritos históricos do povo grego na difusão da Ortodoxia sejam desperdiçados em troca de vantagens políticas imediatas e em apoio a interesses geopolíticos estranhos à Igreja". Tudo isso "não minará a unidade de nossa fé, duramente paga pelo sangue dos novos mártires e confessores de nossas Igrejas".
A unidade da tradição ascética ou a amizade secular entre o povo grego e os povos eslavos não serão interrompidas. Consequentemente, não faltará a comunhão eucarística com os hierarcas que se recusarem a reconhecer a nova Igreja autocéfala da Ucrânia, enquanto será interrompida "com os hierarcas da Igreja grega que entraram ou entrarão em comunhão com os representantes dos grupos cismáticos não-canônicos ucranianos. E não daremos mais nossa bênção às peregrinações nas dioceses dirigidas por esses hierarcas. Esta informação será amplamente difundida nas agências de peregrinação e turismo dos países pertencentes ao território canônico de nossa Igreja”.
A excomunhão por parte da Igreja Russa é calibrada sobre os bispos individuais e as Igrejas individuais e é imposta somente quando todos os gestos formais necessários forem cumpridos (lembro nos dípticos da celebração, concelebração, carta de confirmação). Um procedimento que pode ser lido como prudente em relação à excomunhão para todas as Igrejas gregas ou melhor, como a enésima tentativa de dividir as Igrejas helênicas.
Seriam 11 os bispos gregos dissidentes de um total de 80. Além das vozes críticas já expressas em uma carta de protesto que reuniu mais de 2.000 assinaturas entre leigos e monges, registra-se a reação irada do arcebispo Nicolas Savvopoulos, ex-representante da Igreja Grega na União Europeia, que fala sobre a assembleia episcopal como "um golpe de Estado contra o arcebispo por um pequeno grupo de hierarcas". A expectativa moscovita de uma divisão na Igreja grega torna-se explícita nas palavras de Nicolas Danilevitch, vice-presidente do departamento de relações eclesiásticas da Igreja ucraniana pró-russa: "A mídia anuncia que numerosos bispos da Igreja grega tomaram conhecimento da irregularidade do que aconteceu e não está excluído que muito em breve possamos testemunhar novos eventos dentro da Igreja grega que atravessa uma crise interna sobre a questão".
É preciso lembrar que não há reciprocidade, ou seja, nenhuma Igreja grega, nem o patriarcado de Constantinopla interrompeu a comunhão ou cancelou dos dípticos o nome de Cirilo de Moscou.
A desorientação das Igrejas ortodoxas, especialmente da diáspora, é expressa, por exemplo, pelo metropolita do Zimbábue, Serafim, que observa: "O resultado da ausência de diálogo entre as Igrejas ortodoxas irmãs para examinar a questão da jurisdição eclesiástica canônica na Ucrânia é que, agora, os russos estão enviando seu clero para todas as regiões da jurisdição de nosso patriarcado ecumênico, e até para a Turquia e Constantinopla. Isso significa que cada Igreja ortodoxa local que se alinhará com o Patriarcado Ecumênico sobre a autocefalia ucraniana verá chegar ao seu território canônico o clero russo. Todos vamos ficar confusos e não sabemos onde poderemos chegar, em uma época difícil em que seria preciso que a Ortodoxia permanecesse unida e fortalecida".
E ele solicita uma comissão mista para iniciar contatos entre os dois principais patriarcados. Assim, ele conclui: "é a ameaça do cisma mais grave conhecido pela Igreja Ortodoxa em seu caminho histórico".
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Moscou - Atenas: O confronto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU