09 Outubro 2019
“Os poderes econômicos, que são os que realmente governam o planeta, já o desprezaram e seguem preferindo ganhar um milhão a mais, ainda que isso suponha tirar alguns anos da terra”.
“Suponhamos que, de repente, centenas de milhões de cidadãos do mundo (jovens e muitos que serão acrescentados) reduzam seu consumo ao mínimo indispensável. Em pouco tempo, não quebrariam somente algumas empresas, mas poderiam quebrar todo o sistema”.
O artigo é de José Ignácio González Faus, padre jesuíta, teólogo, publicado por Religión Digital, 09-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Juventude, divino tesouro (como disse o poeta): Foi uma alegria verdadeira vê-la, há poucos dias, ocupando as ruas de muitas cidades do planeta para pedir que os responsáveis da Terra a maltratem muito menos e a cuidem muito mais. Não sei que êxito vão ter vossas demandas. Hoje, porém, que a liturgia católica propõe, para a celebração eucarística, uma leitura do livro bíblico de Jonas, não pude deixar de pensar em vocês. Verão o porquê.
Jonas era um profeta judeu enviado por Deus para pregar no país mais inimigo da Palestina, anunciando uma espécie de catástrofe se seus habitantes não mudassem a conduta: “daqui a poucos dias, Nínive será destruída”. O relato conta que os ninivitas se converteram pensando que talvez Deus se arrependeria e abandonaria o castigo que os ameaçava. O relato de Jonas era uma lição muito dura para os judeus da época satisfeitos consigo mesmos, que vinham lhe dizer: esses inimigos que considerais tão malvados, são mais capazes que vós de fazer penitência. Pois bem: lendo essa breve novela pensei hoje que vós fostes, há alguns dias, como uma multidão de profetas Jonas que nos gritavam: “daqui a poucos anos a Terra será destruída”.
Tivestes toda a razão, porém fica a dúvida de se os responsáveis deste planeta considerar-vos-ão. E temo que não: que no máximo faremos alguns pequenos ritos de tom penitencial para tranquilizar nossas consciências, porém não para salvar a Terra. Como disse outra vez: tentaremos curar o câncer com paracetamóis.
E a razão é bem simples: os responsáveis políticos que levarem a sério vossas ameaças, perderão as próximas eleições. Os poderes econômicos, que são os que realmente governam o planeta, já vos desprezaram e seguem preferindo ganhar um milhão a mais, ainda que isso suponha tirar alguns anos da terra. Em público negam a doença do planeta; mas em privado, já disse Stephen Hawking que teria de ir pensando em sair logo desta terra. E contam que já há projetos para fazer Marta habitável. Ou seja: “terrificar” Marte depois de ter martirizado a Terra.
Nessa situação, quero dizer-vos que não basta com o que manifestastes: com isso somente destes uma notícia aos meios de comunicação, porém não um alívio ao planeta. Haveis de passar vós à ação. E prescindo agora de toda ação unificada e comunicadora (por redes sociais e demais) dos dados e dos dramas e crimes ecológicos que vão aparecendo com frequência. Ademais disso perguntareis, “podemos fazer algo a mais?”. Creio que sim, que tereis outro caminho que chama a vossa responsabilidade: me refiro a uma greve constante de consumo. Sobretudo da parte daqueles que estão entre os bem situados do planeta.
Nosso nefasto sistema econômico descansa todo ele sobre um consumismo cego, louco e contínuo. Quando as empresas não vendem, quebram. Por isso, cada vez mais, o sistema foi se orientando a produzir mais coisas inúteis para os ricos (que podem pagá-las) em vez de coisas necessárias para os pobres (que não são solventes). O sistema necessita que todas as coisas durem pouco, que tudo seja “usar e tirar”, que tudo se renove constantemente. Assim respira o sistema.
Imagem: Religión Digital
Suponhamos que, de repente, centenas de milhões de cidadãos do mundo (jovens e muitos que serão acrescentados) reduzam seu consumo ao mínimo indispensável. Em pouco tempo, não quebrariam somente algumas empresas, mas poderiam quebrar todo o sistema. E isso sim, seria uma autêntica rebelião pelo clima. Porque esse sistema é o verdadeiro veneno que está destroçando o planeta e deixando-os sem futuro. As greves escolares foram úteis para chamar a atenção. Agora vos chamais à ação. Porque já disse que os políticos farão (ou podem fazer) muito pouco.
Um grande filósofo da política, assassinado pelos defensores do sistema, padre Ignacio Ellacuría, dizia que nosso mundo somente tem solução em “uma civilização da sobriedade compartilhada”. Concordo plenamente com esse diagnóstico. Vos proponho, sabendo que pode exigir de vós um preço duro, parecido ao do profeta Jesus de Nazaré que foi levado ao Calvário como criminoso. Porém também pedindo perdão pelo mundo que nós vos deixamos. E suplicando a não perderdes a esperança: porque a responsabilidade que tereis é muito grande, porém muito bonita.
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A rebelião dos jovens pelo clima é autêntica. Artigo de González Faus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU