03 Outubro 2019
No Vaticano se reunirão, entre 6 e 27 de outubro, cerca de 300 personalidades – entre as quais 110 bispos latino-americanos, da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – que participarão do Sínodo “Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. Uma convocatória transcendente para o futuro da Igreja, tal como aponta o pensador e militante social brasileiro Leonardo Boff, um dos pais fundadores da Teologia da Libertação. Como analisa nessa entrevista, Boff percebe a possibilidade, como resultado deste conclave, de um reforço da postura da Igreja frente ao cada dia mais vigente tema ecológico. E, ao mesmo tempo, a oportunidade para incorporar mudanças importantes no interior da instituição.
A entrevista é de Sergio Ferrari, publicada por Alai, 02-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Entre 6 e 26 de outubro se realizará em Roma, o Sínodo para a Amazônia. Qual é sua visão sobre a importância que pode ter essa convocatória do Vaticano?
Percebo como uma oportunidade única que o papa Francisco tem para fazer mudanças. O que desde o centro do poder religioso no Vaticano não poderia fazer jamais. Em primeiro lugar, destaca o caráter sinodal do encontro, isso é, as decisões dependem de todos os participantes, inclusive dos povos originários. O texto é claro: não se trata de converter as culturas, mas sim de evangelizar nas culturas, de forma que possa nascer uma Igreja nova, com rosto indígena, com sua sabedoria ancestral, com seus ritos e hábitos. Nesse contexto promove a discussão sobre a oportunidade de consagrar para o ministério laical, a casados e indígenas que conviverão nessas comunidades distantes. E, também, sobre um ministério oficial das mulheres. Há bispos que propõem não se referir a “viri probati” (homens de caráter provado) mas sim a “personae probatae” (pessoa de caráter provado), com a possibilidade de ampliar o sacerdócio às mulheres.
Não faltam setores na Igreja hierárquica conservadora que, desde antes de começar o Sínodo, já começaram a levantar suas vozes contra certos conteúdos propostos para o debate...
Aqueles que, na Europa e Estados Unidos, a raiz das afirmações do texto básico, acusam o Papa de heresia, são os mesmos que vivem como reféns do paradigma europeu, esquecendo-se que o cristianismo atual nasceu da incorporação de cultura grega, romana e germânica. Por que não permitir que hoje nossos povos possam fazer o mesmo? Por trás das acusações ao Papa se esconde uma questão de poder. Os que o acusam, não aceitam a emergência de outro tipo de Igreja, de igrejas mais vitais e mais numerosas, com suas teologias e liturgias. Finalmente, é importante recordar que a maioria dos católicos está nas Américas com 62% do total, enquanto que os europeus são somente 25% de todos os católicos no mundo.
Aqui se dá uma verdadeira eclesiogênese (Nota: Remete a seu livro Eclesiogênese, as comunidades de base reinventam a Igreja), o nascimento de uma verdadeira Igreja, católica e com outro rosto. Há alguns cardeais – como os dos alemães e um norte-americano que se pronunciaram publicamente – que não aceitam tal visão, tal nascimento. Querem manter a hegemonia do tipo de Igreja romano-católica, agora agônica e com pouca irradiação no mundo.
O papa Francisco representa esse tipo novo de Igreja com outra visão do exercício do poder sagrado, simples, evangélico, sem se agarrar em doutrinas e dogmas, mas sim no encontro vivo com Jesus. Assumindo seu exemplo porque, disse, veio para nos ensinar a viver o amor incondicional, a solidariedade, a compaixão, a abertura total ao Deus-Paizinho (Nota: Deus papai, cuidador).
Visão de proximidade, de caminho comum, que se reforça ademais no fato que esse Sínodo prioriza a Amazônia, uma região hoje muito sensível para todo o equilíbrio ecológico planetário e hoje, sumamente ameaçada...
Sim... o Papa escolheu a Amazônia como temática porque sabe de sua importância para o equilíbrio da Terra e para o destino comum Terra-Humanidade. Ela tem um papel decisivo para o futuro da vida. Por isso que quis que o Sínodo se celebrasse em Roma, para que toda a humanidade pudesse acompanhar as discussões e tomar consciência da grave crise que passa o sistema-Terra e o sistema-vida.
Você participará do Sínodo?
Não fui convidado. É preciso reconhecer que sou uma figura polêmica para muitos bispos, apesar de todo o apoio que dei ao papa Francisco e o apoio pessoal que recebi de sua parte. Porém colaboro com textos, alguns enviados diretamente ao Papa e ao grupo Ameríndia (uma articulação de muitos grupos da Igreja latino-americana) que estará presente em Roma.
O Sínodo é um passo inteligente, oportunista, da Igreja Católica Romana frente à gravidade da situação ambiental ou, sobretudo, uma maneira de recuperar o tempo perdido na defesa ecológica da Terra?
A Igreja Católica, finalmente, despertou para se abrir ao problema ecológico integral, o que o Conselho Mundial de Igrejas já havia assumido muitos anos atrás com o lema: “Justiça, Paz e Preservação da Criação”. A encíclica Laudato Si’ de 2015 sobre o cuidado da Casa Comum representa essa virada da Igreja Católica. Não se trata de um texto para os cristãos, mas sim para toda a humanidade. Nem se reduz a uma ecologia verde, mas sim integral, cobrindo o ambiental, o social, o político, o cultural, o cotidiano e o espiritual. Com esse texto, o Papa se põe à frente da discussão mundial sobre a ecologia. Até agora as Igrejas eram mais um problema que uma solução para a situação da Terra. Agora oferecem, por sua riqueza espiritual, uma contribuição de grande qualidade.
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“Uma possibilidade única de mudança na Igreja Católica Romana”. Entrevista com Leonardo Boff sobre o Sínodo da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU