03 Setembro 2019
Recentes pesquisas apoiam que a relação entre eficiência e equidade é positiva, não negativa.
Em meio a esse clima de ansiedade social e de incerteza política e econômica que nos envolve, um clima cada dia mais viscoso, quero trazer-lhes uma boa notícia. Uma notícia que é uma verdadeira epifania econômica, que tem a ver com a possibilidade de afrontar o problema central de nossas sociedades: a desigualdade de renda, riqueza, condição e oportunidades.
O artigo é de Antón Costas, economista espanhol, publicado por El País, 01-09-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A desigualdade é o traço mais característico da evolução da economia desde a década de 1980. E, agora, é o fator mais determinante da crise financeira de 2008, do fraco crescimento das economias, do mal-estar social e do populismo político.
Se queremos afrontar com êxito esses problemas temos que colocar a desigualdade no centro das políticas públicas e empresariais. A régua de medir a bondade ou a perversidade de qualquer política tem que ser seu impacto na desigualdade. Se uma política melhora a situação dos que já estão melhor e piora as dos que estão pior, não é uma boa política. Não há uma virada de página.
Esse enfoque terá, ademais, a virtude de fazer que a gestão da mudança tecnológica se oriente à capacitação dos trabalhadores e não a sua substituição por robôs. Ao mesmo tempo, permitirá fazer política contra a mudança climática que não aumente a desigualdade, como ocorreu na França quando o aumento do imposto sobre o petróleo provocou a mobilização dos coletes amarelos.
Essa necessidade de fazer políticas contra a desigualdade esteve bloqueada por duas suposições em que se apoiou o enfoque neoliberal que, desde a academia e dos governos, sequestrou a economia desde os anos 1980. Por um lado, o mandamento do economista e prêmio Nobel Milton Friedman de que o único objetivo das empresas era maximizar os benefícios para os acionistas contribuiu para incrementar a desigualdade na distribuição de renda que criam as empresas.
Por outro lado, está o chamado dilema de Okun, um prestigioso economista norte-americano da segunda metade do século passado. Em um artigo muito influente publicado em 1974 (“Equality and Efficiency: The big tradeoff”) defendeu, com os dados disponíveis naquela época, que existia uma relação negativa entre a justiça social e a eficiência econômica. Se um governo queria fazer políticas redistributivas para melhorar a equidade social, tinha que aceitar o custo de que a economia crescesse menos. Era a metáfora do bolo: se repartisse melhor o bolo, no ano seguinte crescia menos. Na faculdade tive que estudar e assumir esse dilema. E como professor expliquei durante muitos anos aos meus alunos.
No entanto, tem que se dizer que esse dilema não levou Okun a não se preocupar com a desigualdade. Utilizou uma analogia que se fez célebre entre a desigualdade e um balde furado: se algumas pessoas têm sede, enquanto outras tem muita água, deveria se fazer uma transferência de água daqueles que têm muita aos que estão sedentos; inclusive se essa transferência for feita com um balde furado (políticas ruins) que provoca que se perca alguma água (eficiência).
O argumento da equidade não convenceu os neoliberais. A oposição às transferências foi ferrenha. Esse rechaço foi a fonte principal da desigualdade, e não a mudança técnica e a globalização, como sustentam.
No entanto, as coisas mudaram recentemente. As pesquisas de Ostry, Berg e Tsangarides levada a cabo pelo FMI, utilizando melhores dados dos que poderia utilizar Okun, revelam que a relação entre eficiência e equidade é positiva, não negativa. Isso é, que uma melhora prudente da equidade produz um crescimento mais sustentável e saudável (melhor distribuído). É uma verdadeira revelação, uma epifania. O fato de que venha do FMI e não do Vaticano a faz mais crível. Os neoliberais já não poderão argumentar que a equidade prejudica a eficiência. Redistribuir melhor é bom tanto para a justiça social quanto para o crescimento.
Agora, as esquerdas se equivocariam se pensarem que, por si só, a redistribuição acabará com a desigualdade. É necessário também melhorar a estrutura produtiva e a qualidade dos empregos para que a economia distribua melhor a renda que cria. Igualmente, é necessário melhorar as capacidades das pessoas para que possam ser mais produtivas e ter melhores salários; isto é, a pré-distribuição. Porém, da distribuição e da pré-distribuição falaremos em outra ocasião. Hoje o que eu queria era trazer-lhes a notícia dessa nova epifania.
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Epifania econômica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU