27 Setembro 2016
"Se não fizermos um acordo na sociedade civil, não teremos só que tolerar o acordo no Congresso. Teremos que torcer para ele dar certo. Será a única conciliação nacional possível, e não teremos até 2018 um governo forte o suficiente para dispensar algum tipo de conciliação.", escreve Celso Rocha de Barros doutor em sociologia pela Universidade de Oxford e analista do Banco Central, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 26-09-2016.
Eis o artigo.
Não eu, o Furtado. Em 1962, Celso Furtado se tornou Ministro do Planejamento. A situação era desesperadora. A inflação subia, os desequilíbrios se acumulavam e a democracia estava morrendo. A nomeação de Furtado foi um dos maiores "se vira aí, famosão" da história brasileira.
O que fez o famosão? Bolou um plano econômico que, além de enfrentar problemas imediatos, tentava conciliar os interesses em conflito no que era uma profunda crise social. Os detalhes não importam aqui, pois remetem aos problemas da época.
O que me interessa é o espírito da coisa: fazer, ao mesmo tempo, o ajuste econômico exigido pela direita (que era necessário) e políticas de redistribuição pedidas pela esquerda, como reforma agrária (o que também teria sido uma boa ideia).
Ninguém apoiou, durou só seis meses, tudo seguiu degringolando até 1964 e, aí, enfim. Hoje parece que tudo isso era inevitável, mas não era: havia acordos inteiramente factíveis que não foram feitos.
Neste momento em que as coisas tampouco parecem ir muito bem, sugiro que pensemos como Celso Furtado em 1962, e tentemos conciliar o ajuste com medidas redistributivas que possam responder à crise social e política que vivemos. Fazer ao mesmo tempo, por exemplo, reforma da Previdência e um sistema tributário mais progressivo.
No fim das contas, será necessário negociar com os sindicatos qualquer reforma que se proponha. Minha proposta é que os sindicatos não se limitem a defender o máximo possível do status quo, mas também apresentem medidas para resolver parte do problema fiscal com mais impostos sobre quem pode pagar.
Vale lembrar, medidas redistributivas são necessárias porque a estratégia de combate à desigualdade adotada até aqui –tornar o gasto mais progressivo, mesmo que a tributação não o seja– pode perder impacto com as reduções de gastos previstas.
O Brasil tem gente boa –na academia, no Ipea, na equipe econômica de Temer, na última equipe econômica de Dilma– para discutir cada aspecto desse programa.
Eu sei, o mais provável é que ninguém faça nada disso no clima político envenenado em que vivemos. Mas, antes de descartar a saída Furtado, sugiro ao leitor que considere a alternativa que, no momento, parece mais provável.
O plano atual parece ser comprar no Congresso as reformas com um "acordão" que contenha os danos causados pela Lava Jato, como o que foi tentado na segunda-feira passada; e torcer para que a esquerda não consiga mobilizar os insatisfeitos com as reformas. Pode dar certo.
Mas, mesmo se der, é isso que somos agora? Teremos uma Constituição de 2017 aprovada deste jeito?
Se não fizermos um acordo na sociedade civil, não teremos só que tolerar o acordo no Congresso. Teremos que torcer para ele dar certo. Será a única conciliação nacional possível, e não teremos até 2018 um governo forte o suficiente para dispensar algum tipo de conciliação.
Será muito triste se tivermos que nos conformar com isso.
PS: fiquem tranquilos, a vantagem de ser um Celso menor, que nunca escreveu uma interpretação clássica sobre o Brasil, é que ninguém precisa derrubar governo por discordar do meu programa. Se foi por isso que derrubaram o último, foi claramente excessivo.
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Façam como Celso e tentem conciliar o ajuste com medidas redistributivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU