16 Outubro 2018
O que implica a Quarta Revolução Industrial no mercado de trabalho global [?]. Como se garante a igualdade de oportunidades em um mundo absolutamente desigual [?]. Essas foram algumas das questões analisadas nesta entrevista por Carl Benedikt Frey, especialista na mudança estrutural do mundo do trabalho na era da robotização. O mundo já atravessou três revoluções tecnológicas: a agrária, a industrial e a informática. A quarta é a neurotecnológica, liderada pela implementação da inteligência artificial e as redes neuronais.
Frey é o coautor do estudo que em 2013 fez um alerta mundial ao prognosticar que 47% dos empregos podem desaparecer nos seguintes 15 a 20 anos, por conta da automação do trabalho. É, além disso, pesquisador do Programa de Emprego, Equidade e Crescimento do Instituto para o Novo Pensamento Econômico da Universidade de Oxford, e chegou a Buenos Aires convidado pela Secretaria de Cultura da Nação para o ciclo Ideias, pensando juntos o mundo.
A entrevista é de Ines Hayes, publicada por Clarín-Revista Ñ, 12-10-2018. A tradução é do Cepat.
Como o mundo do trabalho se transforma com esta quarta revolução tecnológica?
Uma das tendências que vemos, não só em países desenvolvidos, mas também nos que estão em vias de se desenvolver, em termos dos mercados de trabalho especificamente, é que estão desaparecendo os postos de trabalho que têm uma renda intermediária. As pessoas que desfrutam de um título universitário são as que têm acesso a postos de trabalho bem pagos, relacionados às indústrias tecnológicas e os serviços profissionais. Aqueles que não estão equipados com esses conhecimentos acabam assumindo – porque não lhes resta outra coisa – postos de trabalho baixos em seu salário.
O que irá acontecer com essa massa da população, que é a maioria da população mundial?
Esta população está competindo por trabalhos mal remunerados, de baixo nível salarial. O problema não que é não haja trabalhos suficientes, o verdadeiro problema é que não há pessoas suficientes com as habilidades adequadas para preencher certos postos de trabalho. A questão não é a tecnologia, mas, sim, a política educacional. Política educacional que fracassou porque falhou na hora de equiparar a força de trabalho com as habilidades necessárias para enfrentar a economia baseada no conhecimento.
Então, os estados são responsáveis por isto não ocorrer. Que políticas estatais as principais potências estão assumindo?
É muito difícil responder isso de maneira geral porque depende do Estado ou do país: algumas políticas educacionais se fazem em nível local e outras políticas em nível nacional. É muito difícil generalizar, mas existe uma tendência, que se vê em todos os países, relacionada aos títulos universitários. 50% da força de trabalho na Suécia tem um título universitário. Mas, a verdade é que não se pode generalizar tendo em conta somente a variável do título universitário, porque a situação depende de toda uma diversidade de fatores, por exemplo, do tipo de educação na qual se investe, se está baseada nas artes ou na física. Isso irá estabelecer toda uma série de diferenças. Existe também uma tendência a superestimar as aptidões quantitativas e o que se está observando é que é muito difícil automatizar a interação humana complexa. Por exemplo, eu ensino no Reino Unido e a realidade é que a docência é um desses exemplos e uma abordagem educacional importante tem a ver com esta interdisciplinaridade: do ponto de vista das políticas educacionais, buscar ensinar não somente as habilidades tecnológicas, mas também as habilidades sociais.
Qual é o papel das centrais sindicais de todo o mundo e sobretudo do terceiro mundo, dos países dependentes?
Se nós consideramos a densidade dos sindicatos ao longo dos países do mundo, vemos que é muito variável. Por exemplo, nos Estados Unidos é de 11% e na Suécia de 85%, é uma diferença muito acentuada. As políticas desempenham um papel muito importante no poder político que os sindicatos vão tendo. Afinal de contas, um sindicato, qualquer que seja, sempre será tão valioso como as aptidões das quais seus membros gozam. Acredito que a tecnologia tem um papel muito importante na hora de dar forma ao valor relativo dos sindicatos. Tenhamos em conta o que aconteceu no passado: sindicatos como o dos faroleiros ou telefonistas que foram desaparecendo na medida em que estes trabalhos foram se automatizando e seus membros perdendo poder aquisitivo. Mas também pode se manifestar a tendência oposta: sindicatos que aumentam seu valor porque aumenta o valor das aptidões de seus membros.
Qual a relação que há entre a distribuição dos ingressos e a tendência à robotização dos empregos?
Devolve-nos ao que dizíamos no início: estão sofrendo os postos de trabalho que geram renda intermediária porque houve um crescimento dos postos de trabalho que envolvem baixas habilidades, ou seja, não qualificados e os que envolvem muitas habilidades, altamente qualificados. Este crescimento tão díspar nas duas pontas gerou um crescimento das desigualdades. Antes da automação, as tecnologias ou bem aumentavam as habilidades das pessoas que já eram qualificadas ou aumentavam as habilidades das que não estavam qualificadas, por exemplo, como o computador e o acesso que pessoas como desenhistas e advogados podiam ter ao computador. Do outro lado do espectro, a máquina de fiar automática estava projetada para que crianças a pudessem operar. Nessa época, a situação das pessoas que não tinham tantas aptidões podia se tornar desigual, mas ao mesmo tempo havia instrumentos que podiam melhorar as aptidões de algumas pessoas sem tanta qualificação. O computador podia melhorar as habilidades de uma pessoa não qualificada a colocando em uma situação muito mais vantajosa em relação a outros pares não qualificados. Os salários sempre aumentarão em uma situação como a que acabo de ilustrar, tanto para os qualificados como para os que não. O problema com a automação é que substitui alguns postos de trabalho de tal maneira que alguns salários realmente caem estrepitosamente em termos relativos. Isto significa que a era da automação irá gerar mais perdedores no mercado de trabalho em comparação com outrora, onde a principal inquietação era a desigualdade.
Como se contribui para o bem-estar geral – tendo em conta este conceito básico das origens do liberalismo –, se ao invés de aumentar, desaparecem postos de trabalho?
Nós vivemos mudanças como rotações ou renovações no mercado de trabalho durante vários séculos, de fato, no século XX, muitas pessoas perderam seus postos de trabalho devido a estes fenômenos dos quais estamos falando, mas acredito que a razão pela qual as pessoas aceitam as mudanças tecnológicas é porque pensam que ao final irão poder se sobrepor a qualquer problema que isso gere. Uma das descobertas mais robustas em torno das pesquisas sobre o bem-estar é que as pessoas que trabalham muito se sentem mais satisfeitas com sua vida e estão mais felizes que as pessoas que não trabalham. O melhor que os governos podem fazer é criar e manter mercados de trabalho dinâmicos, onde uma pessoa que perca o trabalho por causa de um avanço tecnológico tenha uma quantidade suficiente de opções para poder escolher um novo posto de trabalho. Por exemplo, na bonança que se viveu nos Estados Unidos, na década de 50, se uma pessoa perdia seu trabalho não era tão grave porque em seguida conseguia outro, ao contrário, em uma época recessiva a situação é muitíssima menos auspiciosa.
Os anos 50 eram a época dourada dos estados de bem-estar, mas agora estamos atravessando uma etapa de crise do capitalismo financeiro.
É certo que o estado de bem-estar – como tendência que surge após a grande depressão e a Segunda Guerra Mundial – marcou uma era onde as pessoas que estavam passando vicissitudes, mesmo assim, estavam em melhor situação em termos relativos, se comparadas com pessoas de outras épocas. Contudo, isso também descansava em uma classe média forte e ampla que tinha uma lealdade e uma afinidade com essa classe à qual pertencia. O problema com o desaparecimento de postos de trabalho de renda intermediária é que conduz a certo desaparecimento da classe média e, portanto, da lealdade e a afinidade intraclasse.
Uma pergunta pessoal: por que se dedicou a esta atividade?
A decisão tem a ver com uma série de coincidências. Quando eu era pequeno, interessava-me muito a história, a tecnologia e a economia e isto em grande medida com base em alguns livros aos quais tive acesso através de meu pai. Um se chamava The lever of riches, de Joel Mokr, e o outro The innovator’s dilema, de Clayton Christensen.
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As incertezas trazidas pela quarta revolução tecnológica ao mercado de trabalho. Entrevista com Carl Benedikt Frey - Instituto Humanitas Unisinos - IHU