16 Agosto 2019
Isa foi levada embora a tempo. "Ela estava respirando com dificuldade, logo que chegou à clínica em Lampedusa tiveram que coloca-la no oxigênio. Então a transferiram de helicóptero para o hospital em Palermo com a outra irmã gêmea, mãe e pai. Aos nove meses, com duas semanas no mar nessas condições, há risco de pneumonia. Vergonha, a que ponto chegamos?”, Pietro Bartolo, o emblemático médico de Lampedusa, que agora está no Parlamento Europeu com o Partido Democrata, está indignado.
A reportagem é de Alessandra Ziniti, publicada por la Repubblica, 15-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A evacuação médica de emergência às duas da manhã, após treze dias de terrível permanência no Open Arms, poupou as duas gêmeas etíopes da provação ainda maior do balanço do navio, à mercê de ondas de dois metros de altura. Todos deitados no chão, de bruços, uma vigília cheia de anti-histamínicos para evitar os vômitos repetidos, que nessas condições psicofísicas poderiam agravar uma situação já no limite. Psicológico, além de físico. "A tensão no navio é agora muito alta e há o risco de possíveis brigas", diz o fundador da ONG, Oscar Camps. Os 19 tripulantes contêm com dificuldades as discussões que agora surgem sobre a comida, os lugares à sombra ou ao sol, para a fila dos banheiros. Se acontecer algum episódio de violência, tudo acabaria em tragédia”.
Quatorze dias no mar, uma gangorra de medo, esperanças e decepções insuportável para aqueles que fugiram de seu país há tanto tempo e passaram seus últimos anos em campos de concentração líbios, torturados, estuprados, vendidos como escravos, viram serem mortos familiares, amigos, companheiros de viagem. Amid, Karel, Benjamin, Kiki, Saoul, fugiram do Sudão, da Guiné, de Mali, estão em sua terceira ou quarta viagem. Nas vezes anteriores foram levados de volta pela guarda costeira da Líbia. Trancados em centros de detenção e novamente forçados a sofrer horrores incontáveis e pagar os traficantes. Benjamin, de 25 anos da Guiné-Bissau, não consegue ficar em pé, ambos os pés enfaixados. Os guardas o atingiram com tiros de metralhadora durante uma tentativa de fuga. Os psicólogos da Emergency que os encontraram, na linguagem fria e sanitária os descrevem assim: “Apresentam condições evidentes de desconforto da esfera cognitiva, emocional e comportamental. Para alguns deles, a experiência aguda de frustração e da dor deu origem a ideias suicidas".
Durante todo o dia, durante catorze dias, no convés para dormir ou apoiar-se nas grades do navio para olhar para aquele mar que eles odeiam, que os deixa aterrorizados e do qual se tornaram prisioneiros. Os primeiros foram resgatados em 1º de agosto de um barco semiafundado, eram 65. Durante o dia a tripulação do Open Arms interceptou outro e no navio eles se tornaram 121, já demais para um barco com apenas dois banheiros. Uma terceira intervenção, dois dias depois, também a pedido das autoridades maltesas: a bordo subiram outras 39 pessoas que o governo de Valletta teria acolhido, mas naquele momento seria muito perigoso deixar descer à terra apenas os últimos chegados. Impossível explicar aos outros porque ninguém quer eles ou os outros 356 recuperados, em quatro resgates diferentes, do Ocean Viking do MSF e do SOS Mediterranèe, no qual sabe-se lá quanto tempo mais terão que esperar. Todos homens, exceto quatro mulheres, 103 menores desacompanhados, muitos deles com idades entre 13 e 15 anos, da África subsaariana. Muitos deles sobreviveram do bombardeio do centro de detenção da Tajoura na Líbia.
Adel tem 16 anos e vem do Sudão. Ele disse aos médicos do MSF: “Saí do Sudão depois que meu pai foi morto diante dos meus olhos durante um ataque à minha aldeia. Minha mãe e meus irmãos moram em um campo de refugiados. Eu tinha um irmão mais velho que foi para a Líbia antes de mim, mas nem sei se ele está vivo. Levei sete dias para atravessar o Saara, com um pedaço de pão e um litro de água para dividir entre 33 pessoas. Eu vi matar um homem que viajava comigo, sem motivo. Eu fui preso e forçado a pagar várias vezes pela minha libertação. Tentei atravessar o mar duas vezes, mas fui levado de volta e trancado em um centro de detenção, a segunda vez em Tajoura. Eu estava lá quando eles bombardearam. Eu consegui escapar entre os mortos, corri descalço através das chamas, você pode ver as cicatrizes nos meus pés. Eu quero ir para um país onde eu possa encontrar um emprego para sustentar a mim e à minha família".
Veja as rotas de migração em vídeo de Open Arms:
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Isa e Adel em fuga no mar “Por que ninguém nos ouve?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU