02 Agosto 2019
"A crítica a Bergoglio de diferentes ambientes próximos ao mundo tradicionalista e expressos pelo blog Messa in Latino deve ser explicada, já que podemos ver uma orientação clara, de quem rejeita o Concílio".
O comentário é de de Riccardo Cristiano Porpora, publicado por Formiche, 01-08-2019 A tradução é de Luisa Rabolini.
Os atos de acusações dos "tradicionalistas católicos" contra o Papa Francisco não são mais notícias, porém são muitos, acima de tudo. Eles variam dos migrantes para a família, da Amazônia para a pedofilia, só para mencionar os mais conhecidos. Desnecessário entrar em detalhes sobre o ataque que também afetou a reorganização do Instituto João Paulo II, culpa - seria apropriado falar de mérito, mas para eles é uma culpa - do Monsenhor Vincenzo Paglia. Mas o ataque tradicionalista ao Papa Francisco sobre a Síria merece mais aprofundamento porque provavelmente toca um nó difícil de entender e de dizer, mas fundamental. Diz respeito à própria essência de ser cristão e o antissemitismo.
Que antes do Concílio Vaticano II houvesse um preconceito generalizado contra os judeus, testemunhado pela oração "pelos pérfidos judeus", é conhecido. Com a declaração conciliar Nostra Aetate , o Concílio soube não apenas fechar aquela página, mas abrir uma nova, composta de estima recíproca e fraternidade. Tudo isto significou finalmente o reconhecimento da liberdade religiosa e, portanto, o diálogo também com as outras grandes religiões, começando com o terceiro monoteísmo, o Islã. Os tradicionalistas, que rejeitam a ideia de liberdade religiosa, expressaram até mesmo posições extremas, como a famosa entrevista negacionista do Holocausto de um de seus bispos ordenado ilegitimamente quando foram excomungados, monsenhor Richard Williamson.
Este fato está associado a uma islamofobia evidente, como testemunha a história recente. Fortalecidos por essas duas tendências, atacam o Papa Francisco pela carta que ele escreveu ao presidente sírio Assad. Uma carta que, pelo que sabemos, parece tão natural quanto necessário, uma vez que implora a proteção dos direitos humanos garantidos internacionalmente na área de conflito da população civil. Em Idlib, no norte da Síria, esses civis são três milhões. Eles não têm nada a ver com os jihadistas que o regime transportou com segurança das zonas que reconquistou, todos ali. Não: eles são as vítimas disso, pois são vítimas dos bombardeios que o regime sírio e os russos realizam diariamente contra a população civil, atingindo hospitais e destruindo inteiros campos cultivados, agravando as já insuportáveis condições de vida. Que o Papa tenha decidido escrever em nome e em respeito a esses despojados parece óbvio, evidente.
Não para os tradicionalistas, que do blog Messa in latino o acusam de ter ficado do lado dos "degoladores". Crianças, mães desesperadas, todos "degoladores"? Três milhões de "degoladores"? Vamos ler. Escreve o blog Messa in Latino depois de admitir que o regime realmente violou os direitos humanos, porque guerra é guerra: "por outro lado, no entanto, e Bergoglio deve saber, existem as forças do mal, os degoladores, os estupradores, os terroristas ... ". É estranho para um site tradicionalista dirigir-se ao Papa não como Santo Padre, mas como Bergoglio, e isso diz algo sobre a substância do tradicionalismo.
Mas, além disso, ninguém sabe de uma palavra em defesa das milícias armadas de parte do papa, mas, como o regime, elas também lutam contra a população civil. Basta recordar que, em Idlib, foram levados um milhão e quinhentos mil sírios desalojados que o regime não queria que permanecessem nas áreas que reconquistou, embora não tivessem pegado em armas, mas apenas por que são pobres e de fé sunita e, portanto, indesejáveis ao regime. Sua transferência ocorreu em meios muito menos confortáveis do que os reservados para os jihadistas que, ao longo dos anos, foram transferidos às custas do regime na faixa que teve que deveria ser desmilitarizada em Idlib. A guerra do Idlib é contra eles ou contra os civis? E se a primeira hipótese fosse verdadeira, por que os cartórios de registro de muitas cidades sírias foram queimados após a reconquista do governo? Como poderiam os refugiados que fugiram para o exterior ou as pessoas desalojadas voltar para casa se não têm mais os títulos de propriedade de suas casas, de suas terras?
A crítica ao Papa Francisco em vários ambientes próximos ao mundo tradicionalista e expressada pelo blog Messa in Latino deve ser explicada, uma vez que há uma orientação clara, de quem rejeita o Concílio. E aqui notamos uma importante assonância: o Presidente Assad, embora ele não seja cristão, certamente não aprecia a virada conciliar. Por ocasião da visita de João Paulo II a Damasco, teve a audácia de acusar os judeus de deicídio. Deixado demais em surdina pelas crônicas da época, esse episódio não é fortuito, mas lança luz sobre o papel que o fundador da dinastia Assad, Hafez, imediatamente designou para um hediondo hierarca nazista, Alois Brunner, que, forte de sua experiência, trabalhou como consultor do regime na concepção, criação e gestão dos aparatos de segurança, muitos, todos em concorrência entre si e todos ligados diretamente ao chefe. Há, portanto, em Damasco, um terminal culturalmente perverso, que sempre encontrou apoio, pelo menos em partes do regime, como demonstra a história e o símbolo do Partido Social Nacional da Síria, alinhado com os Assad.
É por isso que a guerra síria nos permite ver de perto alguns tradicionalistas daquele mundo: podemos facilmente chegar a um arquimandrita formado em ambientes tradicionalistas como a Fraternità Sacerdotale San Pietro. Em 2012, afirmou que os rebeldes de dentro de Homs bombardearam as Igrejas, apesar do fato de que os bombardeios mais evidentes fossem aqueles realizados de fora de Homs, pelo exército sírio. De quem se trata? O jornal francês La Vie nos ajudou a enquadrá-lo, lembrando que ele, Philippe Tournyol de Clos, se manifestou em Paris em novembro de 2011 contra um show do italiano Castellucci junto com outros lefebvrianos, os salafitas (frequentemente próximos ao terrorismo) franceses de Forsane. Alizza e grupos antissionistas pró-iranianos. Como ele, mas em um carmelo libanês perto da mesma Fraternidade, formou-se uma irmã que se faz chamar madre Agnes de La Croix, antes irmã Fadia Lahham. Definida por alguns como a pasionaria de Assad, tornou-se famosa pela citação feita a ela na ONU pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Lavrov, quando foi alegado que os rebeldes tinham se autoasfixiao em Ghouta, em agosto de 2013. Certamente, pode-se pensar que ela cometeu um erro de avaliação, os relatórios da ONU não eram conhecidos. Seria possível que nem tenha percebido o teor de alguns sites com os quais colaborou, como o Plumeenclume.org, que hospedou textos do negacionista Robert Faurisson?
As polêmicas sobre as relações com esses ambientes também se reportavam à Itália, não apenas à França. Na Itália, de fato, falou-se de outra irmã devido a algumas fotografias com ativistas da Casa Pound. Ela o sabia? Ela diz que não, mas merecia atenção não por eles, mas por esta declaração: "O Presidente, o povo e o exército são a nossa trindade". Parece a síntese daquele cristianismo nacional e nacionalista, religião secular no sentido de que diviniza a autoridade política, que hoje causa tanta discussão.
Assim, o cristianismo no qual podem ser encontrados tais impulsos, obviamente não apreciará o Papa Francisco e sua representação do conflito. São ambientes que se tornaram influentes também graças a empresários influentes, não necessariamente pertencentes a grupos eclesiais organizados, mas certamente cristãos, como George Haswani, melquita, incluído na lista negra da União Europeia pela intermediação do petróleo realizada entre o regime sírio e o Isis. Haswani nega isso, mas afirmou que na fase terminal do sequestro as freiras foram alojadas em sua vila em virtude de seu papel como mediador, em contato direto com o presidente Assad. No entanto, desde a sua libertação, anos atrás, a abadessa de Maalula nunca teve permissão de falar com a imprensa, e um prior foi colocado à frente das freiras. O muro de silêncio impenetrável que envolve sua história contradiz o relevo que seu sequestro teve. Da abadessa até se perderam os rastros, alguns dizem que ela estava ou está em clausura, em Damasco.
A escolha do Papa Francisco é falar também no Oriente Médio com a linguagem da Declaração Nostra Aetate, do Concílio, de fraternidade. Uma escolha apreciada por muitos cristãos da Síria, assim como por muitos muçulmanos sírios. O número de vítimas muçulmanas do ISIS, mulheres, idosos, crianças, crianças, o número de pais que ousaram desafiar os cursos de doutrinação do ISIS de seus filhos enviando-os secretamente aos antigos professores de religião, indica que dizer que do outro lado estão as forças do mal é um erro que não podemos permitir. Infelizmente, inverter a história é sempre um erro. Sempre se fala que Assad tenha defendido seu país da invasão de jihadistas estrangeiros. No entanto, os jihadistas estrangeiros que lutam com ele são muito mais do que os primeiros. Trata-se de Jaysh ash Shaabi, Liwa 'Abu Fadl no Abbas, Kataeb Sayyed ash Shuhada, Liwa Dhu l Fiqar e Liwa' Ammar ibn Yassir. Organizações xiitas iraquianas treinadas pelos libaneses do Hezbollah e pelos iranianos, esses grupos lutaram ao lado das forças paramilitares de "defesa nacional": no total, eles teriam sido mais de 50.000. Até o patriotismo diante da realidade deveria cambalear. Mas o verdadeiro ponto posto pelo Papa Francisco é o de reconstruir a fraternidade também nas terras árabes, sobre as ruínas ideológicas do pan-arabismo e do pan-islamismo.
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Por que os tradicionalistas preferem Assad ao papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU