24 Julho 2019
Iniciativa diplomática sem precedentes do Vaticano, que envolve o Papa Francisco, o Secretário de Estado e o número três da hierarquia eclesiástica, o cardeal Turkson, chefe do dicastério para o desenvolvimento humano integral que foi especificamente para Damasco. É a primeira vez que um membro de tão alto prestígio viaja para a Síria, até Assad, não por ocasião de visita às Igrejas Orientais. Tudo se origina de uma carta pessoal que o papa escreveu ao presidente sírio. É a segunda carta pessoal e, portanto reservada, que o Papa endereça a Assad, que na ocasião é indicado com seu nome completo, Bashar Hafez al Assad, para confirmar o caráter oficial e pessoal da carta.
O comentário é de Riccardo Cristiano, jornalista, em artigo publicado por Articolo 21, 22-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A carta anterior, particular, foi enviada pelo Papa por ocasião da conquista da Alepo Oriental. Naquela circunstância, o regime de Damasco falou da libertação de Alepo. O intelectual sírio e cristão Faruq Mardam Bey esclareceu que a libertação era "libertação da população". Dezenas de milhares de moradores de Alepo submetidos a sobreviventes do cerco foram expulsos de suas casas, destruídas. O papa, no período que antecedeu o Natal, antes que o exército conquistasse a cidade, escreveu a Assad, mas este, aproveitando-se da confidencialidade, tentou modificar o sentido, com um comunicado divulgado pela agência de notícias do governo, a Sana. A Sala de Imprensa foi forçada a intervir, esclarecendo que o Papa pedia ao presidente sírio que respeitasse o direito humanitário internacional. Ou seja, o respeito pelos civis durante aquele cerco selvagem e depois a proteção dos direitos dos civis que foram expulsos de suas casas.
Desta vez, o Vaticano não permitiu que o líder sírio jogasse com antecedência, imediatamente informou que o cardeal Turkson e o cardeal Zenari estavam se reunindo com o presidente Assad para comunicar a preocupação do Santo Padre pela população civil de Idlib. Logo em seguida, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, interveio e anunciou os objetivos da iniciativa humanitária do papa. Assim resumidos pelo Vatican News: "Proteção da vida dos civis, suspensão da catástrofe humanitária na região de Idlib, iniciativas concretas para o retorno em segurança das pessoas desalojadas, libertação de prisioneiros e acesso às famílias de informações sobre seus entes queridos, condições de humanidade para presos políticos. Junto com um renovado apelo para a retomada do diálogo e da negociação com o envolvimento da comunidade internacional".
A catástrofe humanitária de Idlib deve ser explicada, dado que recentemente unidades do exército sírio queimaram plantações inteiras com bombas incendiárias e a população civil fugiu para a fronteira com a Turquia, hermeticamente fechada. E, de fato, Parolin esclareceu:
"Na origem desta nova iniciativa está a preocupação do Papa Francisco e da Santa Sé pela situação de emergência humanitária na Síria, particularmente na província de Idlib. Mais de 3 milhões de pessoas vivem na área, das quais 1,3 milhão são desalojados internos, forçadas pelo longo conflito na Síria a encontrar refúgio naquela mesma área que havia sido declarada desmilitarizada no ano passado. A recente ofensiva militar somou-se às já extremas condições de vida que eles tiveram que suportar nos campos, obrigando muitos deles a fugir. O Papa acompanha com apreensão e grande tristeza o destino dramático das populações civis, especialmente das crianças que estão envolvidas nos sangrentos combates. A guerra infelizmente continua, não parou, os bombardeios continuam, várias instalações sanitárias foram destruídas naquela área, enquanto muitas outras tiveram que suspender completamente ou parcialmente sua atividade."
Portanto estão em jogo os desalojados, um milhão e 300 mil pessoas, muitos dos quais hoje vivem embaixo das árvores, os campos de refugiados não conseguem acomodá-los, estão transbordando e os bombardeios se intensificam, chegando a 400 bombas por dia.
Mas por que estão todos lá, em Idlib? Trata-se de uma escolha do regime: os deslocados vêm das áreas que se insurgiram contra o regime, não pegaram em armas e simpatizaram com as razões da revolta. Quando suas áreas foram reconquistadas pelo regime, todos foram enviados para a província mais setentrional, Idlib, como todos os guerrilheiros. Assim, as regiões reconquistadas eram libertadas de uma população considerada "não leal a Assad", e atacar o Idlib teria sido justificado pela presença dos jihadistas armados transferidos para lá justamente pelo regime, que os acompanhou a Idlib em segurança.
A guerra aos "terroristas" é na verdade uma guerra aos desalojados, que devem deixar o país, destinado apenas para os fiéis ao regime e para a população que eventualmente será importada do Iraque e do Líbano.
Assim, inclusive sobre as pessoas deslocadas, o Vaticano achou necessário trazer esclarecimentos: se não forem criadas as condições para trazer as pessoas internamente deslocadas de volta para suas casas, pode-se pensar em trazer de volta em segurança os exilados, os refugiados, aqueles que o regime expulsou?
Mas não é só isso. O Vaticano perguntou, sempre por intermédio do secretário de Estado que relata o conteúdo da carta do Papa, também sobre outra tragédia, a dos desaparecidos:
"Em março de 2018, o Independent International Commission of Inquiry on the Syrian Arab Republic publicou um relatório sobre este assunto, falando de dezenas de milhares de pessoas detidas arbitrariamente. Às vezes em prisões não oficiais e em lugares desconhecidos, elas sofreriam diferentes formas de tortura sem ter qualquer assistência legal ou contato com suas famílias. O relatório observa que muitos deles infelizmente morrem na prisão, enquanto outros são sumariamente executados".
Assim, na Síria, os hospitais são bombardeados, são postos em fuga os deslocados expulsos de outras áreas, os dissidentes são perseguidos, os presos políticos são mortos.
Este é o quadro sírio, que o Vaticano detalha com precisão, enquanto as diplomacias fecham os olhos ou pensam em banquetear-se com a reconstrução a ser realizada sobre as valas comuns das vítimas deste genocídio sírio, que ninguém pretende procurar nem para oferecer-lhes um digno sepultamento, não justiça.
Mas por que o Vaticano deu esse passo "enorme"? As razões podem ser muitas. A deriva racista que alguns expoentes políticos cristãos libaneses estão assumindo contra os refugiados sírios pode ser uma. Mas talvez dizer que o Vaticano entendeu que a ideia oriental da sinfonia entre poder político e poder eclesiástico implementada na Síria está colocando em risco a própria ideia de cristianismo diante de crimes dessa envergadura comentados apenas com o silêncio não é nenhum exagero.
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Bergoglio, Assad e uma carta que arquiva a sinfonia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU