26 Julho 2019
Mais de 125 líderes católicos assinaram uma carta expressando objeções à nova Comissão de Direitos Inalienáveis do governo Trump, um dentre os vários protestos de grupos LGBTQ e de outros ativistas preocupados com a questão.
A reportagem é de Robert Shine, publicada em New Ways Ministry, 25-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os signatários da carta, identificados como teólogos católicos, lideranças comunitárias e defensores dos direitos humanos, escreveram ao secretário de Estado, Mike Pompeo, sobre suas objeções “aos objetivos e à composição” da comissão, que está sendo liderada pela católica altamente anti-LGBTQ Mary Ann Glendon. Os signatários explicaram:
“A nossa fé e o nosso compromisso com os princípios da democracia nos obrigam a ver cada pessoa na Terra como um ser humano pleno. Apoiamos firmemente os direitos humanos fundamentais de todas as pessoas e damos continuidade orgulhosamente à longa tradição em nosso país de defender a expansão dos direitos humanos em todo o mundo. É nossa convicção que essa Comissão irá prejudicar esses objetivos, promovendo uma visão da humanidade que é condicional, limitada e baseada em uma perspectiva religiosa muito estreita que é inconsistente com as crenças e as práticas de bilhões de pessoas neste país e ao redor do mundo.
“A preocupação mais urgente é que a composição da Comissão indica que isso levará o nosso Departamento de Estado a adotar políticas que prejudicarão pessoas que já são vulneráveis, especialmente mulheres pobres, crianças, pessoas LGBTI, imigrantes, refugiados e pessoas necessitadas de serviços de saúde reprodutiva. Essas políticas serão incorporadas em tudo, desde as leis sobre os vistos e a imigração até programas de ajuda internacional, e irão prejudicar ainda mais os verdadeiros direitos humanos em nome de uma versão muito parcial do Cristianismo, que está sendo promovida pelo atual governo. Não podemos permitir que isso ocorra em nossos nomes e prometemos os nossos esforços contínuos para evitar que esse seja o modo como a postura da nossa nação em relação aos direitos humanos é comunicada ao restante do mundo.”
A carta é obra do ex-embaixador dos EUA junto à Santa Sé, Miguel Diaz, da teóloga Mary Hunt, da diretora executiva do DignityUSA, Marianne Duddy-Burke, e do teólogo e padre Bryan Massingale, que se reuniram durante um fórum sobre o estado do movimento católico LGBTQI global no início deste mês em Chicago.
Massingale comentou:
“Seria impensável que um membro do gabinete norte-americano questionasse um princípio histórico no documento fundador da nossa nação, a ‘Declaração de Independência’. Minar a convicção de que todos os seres humanos, criados à imagem de Deus, possuem direitos inerentes à vida e à liberdade, é ao mesmo tempo perturbador como norte-americano e ofensivo como cristão.”
Duddy-Burke explicou que, durante o fórum, havia cadeiras postas à parte para os delegados africanos que não conseguissem vistos a tempo. Tal discriminação, disse ela, só aumentaria com a comissão. Diaz, que agora é professor da Loyola University Chicago, acrescentou:
“Temos uma obrigação ética de amar os nossos próximos e de proteger os seus direitos inalienáveis, independentemente de seus modos particulares de serem pessoas humanas em relação à identidade de gênero, orientação sexual, raça, perspectivas religiosas, etnia, capacidade física, status de imigração e qualquer outra particularidade usada para discriminar (...) Todos os seres humanos foram criados à imagem de Deus e todos foram dotados pelo seu Criador com o direito fundamental à Vida, à Liberdade e à busca da Felicidade. Nenhuma pessoa falando em nome do governo ou em nome de Deus pode fazer isso para minar ou negar esse direito.”
Os teólogos que assinaram a carta incluem M. Shawn Copeland, Charles E. Curran, Ir. Margaret Farley, Elizabeth Johnson, Orlando Espin, Maria Teresa Davila, Bradford Hinze e Cristinia L. H. Traina. Muitos defensores da reforma da Igreja também assinaram, incluindo a Ir. Jeannine Gramick, SL, e Francis DeBernardo, do New Ways Ministry.
Os católicos não são as únicas vozes que expressam preocupação com a comissão. Cerca de 180 grupos civis e de direitos humanos se juntaram a mais de 200 diplomatas, acadêmicos e funcionários públicos de alto perfil, enviando suas próprias cartas pedindo que a comissão fosse encerrada com base nas “posições extremas de seus membros em oposição aos direitos LGBTQI e aos direitos reprodutivos”, noticiou o Washington Blade.
Já o professor Drew Christiansen, SJ escreveu na revista America sobre os problemas com a Comissão de Direitos Inalienáveis. Se, como disse o porta-voz do Departamento de Estado, a competência da comissão não é examinar as políticas e, em particular, não aquelas relacionadas ao gênero, sexualidade e direitos reprodutivos, então o que ela fará? Christiansen comentou:
“A revisão dos direitos inalienáveis por parte do secretário Pompeo representa uma ameaça a duas dimensões-chave da moderna lei dos direitos humanos: primeiro, ameaça o nosso reconhecimento do desenvolvimento histórico dos direitos ao longo dos séculos. Percorremos um longo caminho desde a Magna Carta. Em segundo lugar, ela põe em risco a universalidade dos direitos, proclamados pela Declaração de Independência e pela Declaração Francesa dos Direitos do Homem.
“Uma possibilidade é refazer os direitos humanos internacionais no modo norte-americano, limitando seu alcance para refletir uma visão norte-americana excepcionalista dos direitos humanos. Essa parece ser a intenção de Pompeo.”
O governo Trump tem pressionado agressivamente a questão da liberdade religiosa internacionalmente, de acordo com o National Catholic Reporter. Na semana passada, o segundo encontro ministerial para promover a liberdade religiosa promovido pelos EUA reuniu autoridades governamentais e líderes religiosos de 106 nações. Lá, anunciou-se que os EUA lançariam a Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa e puniriam algumas nações por supostos abusos contra a liberdade religiosa. De modo especialmente relevante para os católicos, anunciou-se ainda que os EUA e a Santa Sé seriam coanfitriões de uma cúpula sobre a liberdade religiosa no dia 2 de outubro, informou o Crux.
Se a agenda doméstica do governo Trump for um indicativo, as preocupações por trás dessas cartas e declarações estão inteiramente justificadas. Seu uso indevido da liberdade religiosa e da lei natural poderia causar um grande dano à igualdade LGBTQ em todo o mundo, dada a enorme influência do governo dos EUA. A Santa Sé deveria reconsiderar a sua cúpula conjunta de outubro, e todos os católicos devem continuar se manifestando contra a ameaça que Mary Ann Glendon e a sua Comissão de Direitos Inalienáveis representam.
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Mais de 125 líderes católicos assinam carta para acabar com a comissão sobre ''lei natural'' do governo Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU