Steve Bannon pronto para a cruzada: "O Papa é da extrema esquerda"

Bannon | Foto: Reprodução - Twitter

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

03 Julho 2019

O convite para o almoço de Steve Bannon, o ex-assessor de Donald Trump, chegou-me via SMS, no domingo 19 de maio. Ele me convidou para acompanhá-lo em sua suíte no hotel Bristol, que segundo os jornais custa 8 mil euros por noite. Por que um americano da extrema direita católica procura um ateu de esquerda e homossexual declarado? Eu não poderia recusar-me a encontrar um dos estrategistas políticos mais conhecidos e um dos mais duros opositores do Papa Francisco.

O relato é de Frédéric Martel, sociólogo e jornalista francês, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 30-06-2019.  A tradução é de Luisa Rabolini.

Em Roma, Steve Bannon está perto do Instituto Dignitatis Humanæ, uma associação e lobby discretos, do qual o cardeal Raymond Burke é presidente. O conselho administrativo reúne alguns dos prelados de orientação mais extremistas do Vaticano e dos círculos católicos fundamentalistas. O projeto de Bannon é criar uma escola de formação extremista no mosteiro de Trisulti, "A academia judaico-cristã ocidental". Burke e seu colaborador Benjamin Harnwell querem criar um movimento para empurrar a Igreja na "direção certa". Ou seja, contra as ideias do Papa Francisco.

No Hotel Bristol, Bannon começou por me elogiar por meu livro Sodoma: ele diz que ficou impressionado com a leitura e perguntou a um amigo jornalista em Roma se realmente 80% dos padres e cardeais no Vaticano são realmente gays. "Ele respondeu: você está errado, Steve, não são 80, mas sim 90", conta rindo.

Steve Bannon é inteligente e, no fundo, um libertário: sobre a moral sexual ele não tem nenhum tabu. Segundo ele, a batalha em Roma não deve ser travada sobre o tema da questão sexual, aliás, a Igreja deveria virar a página porque esse é um tema que divide.

Bannon não parece nada incomodado com a minha hipótese de que os principais cardeais da cúria sejam homossexuais. Também concordamos com o diagnóstico: a questão da moral sexual divide a Igreja, mas essa batalha não tem mais razão de ser, tornou-se esquizofrênica e hipócrita, visto o quanto a homossexualidade está difundida no Vaticano. Em todos os outros pontos, ao contrário, discordamos. Para Bannon é fundamental a luta contra a Europa federal, contra a imigração, contra o comunismo cubano-venezuelano e, obviamente, contra a China e o islã. E por estas razões, é preciso se opor ao Papa Francisco.

Em suas recentes entrevistas, Bannon lançou a ofensiva contra o Santo Padre com os tons que o caracterizam. Segundo ele, as hostilidades foram abertas por Francisco quando, durante sua viagem ao México, desafiou Trump celebrando uma missa na fronteira e denunciando aqueles que "constroem muros ao invés de pontes" e que, portanto, "não podem se chamarem de cristãos".

Hoje, Bannon ataca o papa como "aliado do partido de Davos" e por suas posições ecológicas: "O papa está politicamente posicionado, aderiu às ideias do establishment globalizado, incluindo as mudanças climáticas: é um verde, nem é mais de centro esquerda, é agora de extrema esquerda”. Segundo Bannon, o papa pertence ao ramo da Teologia da Libertação, o movimento pós-marxista nascido na América Latina que pregava uma "opção preferencial pelos pobres". Em uma recente entrevista ao NCRegister, Bannon disse que "a Igreja Católica é agora controlada por um grupo que vem da Teologia da Libertação, a escola de Frankfurt conquistou Roma, tudo o que fazem é inspirado em Gramsci: existe uma guerra pela hegemonia cultural". Quanto à China, Bannon se opõe com palavras muito duras à estratégia do compromisso desejada pelo Papa. O de Pequim, diz o ex-conselheiro de Trump,"é um regime totalitário" que está se tornando "um Estado em que a vigilância em massa dos cidadãos é sem precedentes na história". Com um país assim, "nenhum acordo secreto é possível". E se o papa tenta, "assine um pacto com o diabo".

Bannon também é crítico com a cúpula organizada no Vaticano em fevereiro contra os abusos sexuais: "Foi um desastre", mesmo que aqueles eventos estejam "corroendo" a Igreja e estejam prestes a se tornar "metástases". Mas o Papa, diz Bannon, não fez nada para efetivamente lutar contra os abusos.

A base para a guerra de Bannon contra o Papa, a academia "judaico-cristã" no mosteiro de Trisulti, está, no entanto, parada, bloqueada por um recurso administrativo. Mas ele garante: "O projeto já começou, a Academia já existe, vamos começar a formar pessoas". No mosteiro ou, se for impossível, em Roma.

A mais recente reviravolta foi a luta fratricida entre o cardeal Burke e Steve Bannon. Eu também, inadvertidamente, me encontrei envolvido na polêmica: um artigo do site de extrema-direita LifeNews contou minha discussão com Bannon sobre moral sexual e homossexualidade nos termos que resumi aqui. Burke disse que ficou chocado a ponto de decidir romper toda relação com Bannon (o artigo da LifeNews foi aprovado pelo próprio Bannon).

No final do longo almoço - mais de duas horas, nós dois sozinhos - ainda tenho dúvidas sobre as motivações de Steve Bannon. Por que quis se encontrar comigo? Quer dividir a frente de seus adversários? Queria informações para identificar os gays no Vaticano? Ele é homofóbico ou secretamente gay? Nada disso. Heterossexual e histórico, Bannon é bastante gay-friendly em privado. Mas em Roma enfrenta três batalhas nas quais precisa dos católicos: uma guerra contra o Islã e o nacionalismo chinês; uma defesa das raízes cristãs da Europa e, por fim, um desafio para aquele Papa demasiado progressista que, com suas posições sobre a pobreza, sobre a China e sobre o mundo árabe, se tornou seu inimigo natural.

Tanto que ele ainda seja o peixe piloto de Donald Trump nesta cruzada ou que esteja agindo sozinho, é claro que Steve Bannon está se preparando para as próximas lutas. Está no centro da guerra entre o Papa e o presidente norte-americano. Francisco é o adversário global de Donald Trump.

 

Leia mais