19 Junho 2019
Um grande bando com quase 40 elefantes caminha sem pressa em direção a uma fonte em algum ponto da planície da savana africana. De repente, um helicóptero aparece.
A reportagem é de Swaminathan Natarajan, publicada por BBC News Brasil, 17-06-2019.
Os animais começam a correr, em pânico. Eles se movem de forma desordenada, se chocam uns nos outros e acabam machucando os filhotes.
A aeronave desce e, de dentro, um atirador lança dardos carregados de uma substância que paralisa os mamíferos. Pouco tempo depois, chega um jipe.
Um homem armado com um rifle de grosso calibre calmamente se aproxima dos animais sedados e dispara na cabeça de um dos elefantes que está à sua frente.
Em alguns minutos, toda a família de elefantes, com fêmeas mais velhas, reprodutoras, filhotes e elefantes jovens, estão todos mortos.
Essa é uma típica cena de abate de elefantes nos anos 1970 e 1980, quando milhares de animais foram mortos em locais em que se acreditava que eles haviam se tornado uma superpopulação.
Por essa mesma razão, Botsuana permitiu a retomada da caça controlada após cinco anos de proibição. A medida é criticada por grupos de defesa de direitos de animais, mas divide os conservacionistas. Isso porque, nos últimos anos, alguns desses grupos têm “aceitado” o abate de animais em certas circunstâncias.
Quais os argumentos contra e a favor nesse debate?
No Estado americano da Flórida, por exemplo, temporadas anuais de caça são organizadas para diminuir a incidência de uma espécie híbrida variante da píton birmanesa considerada uma espécie invasora.
As cobras, que podem atingir sete metros e pesar quase 100 quilos, acabaram se tornando uma ameaça para mamíferos nativos e algumas espécies de pássaros.
A situação chegou a tal ponto que as autoridades da Flórida chegaram a contratar caçadores profissionais de cobras da Índia.
Em casos como esse, em que espécies que são inseridas em determinado local e se reproduzem a ponto de colocar em risco a biodiversidade, os conservacionistas têm aceitado o uso do abate.
Um caso mais bem-sucedido nesse sentido foi o da “invasão” de ratos em Lundy Island, no sudoeste da Inglaterra. Após a eliminação dos roedores, em apenas 15 anos triplicaram os contingentes de espécies de pássaros como o bobo-pequeno e o papagaio-do-mar.
No ano passado, um tigre “comedor de homens”, que havia matado 12 pessoas, foi baleado no Estado indiano de Maharashtra depois que autoridades do Departamento Florestal argumentaram que essa seria a única forma de colocar fim aos ataques.
Ativistas pelos direitos dos animais desaprovaram a decisão e chegaram a recorrer à Justiça para tentar barrar a execução. Esses grupos foram criticados, por sua vez, por indianos que os acusaram de fazer parte de uma elite urbana que desconhecia a realidade dos vilarejos ameaçados pelo felino.
Especialistas que há décadas lutam pela proteção do animal que é símbolo nacional do país apoiaram a medida. A justificativa é que ela seria um sacrifício necessário para manter o apoio das populações locais às atividades de conservação da vida selvagem.
Um outro caso controverso e recente foi o abate de tubarões de grande porte em 2014 na Austrália.
Após uma série de ataques a surfistas, que fez 7 vítimas entre 2010 e 2013, o governo autorizou a caça aos animais.
Em cerca de três meses, 172 animais foram mortos. Ecologistas que se opuseram à medida ressaltaram que foram abatidos animais de pequeno porte e espécies que não apresentavam qualquer risco aos banhistas.
Em abril deste ano, uma corte no país disse haver evidências “esmagadoras” de que a morte de peixes predadores não reduz o número de ataques e proibiu os abates na região da Grande Barreira de Corais.
Elefantes comem cerca de 270 kg de comida por dia. Em busca de alimento, os animais podem deixar um rastro de destruição, esmagando colheitas e derrubando árvores.
Botsuana afirma que o fator que mais pesou na decisão de autorizar a retomada da caça aos animais foi o “alto nível de conflito entre animais e humanos” e o “impacto dele nos meios de subsistência”.
O país tem uma grande área protegida para a maior parte de seus 130 mil elefantes – pouco mais de 27 mil, entretanto, vivem fora das reservas, muitas vezes em locais próximos a núcleos humanos e a plantações.
Elefantes são longevos. Eles não se reproduzem tanto quanto os tigres, por exemplo, mas a ausência de predadores e o fato de viverem em grandes grupos aumenta sua expectativa de sobrevivência.
De acordo com o Centro de Pesquisa para Ecologia e Conservação da Universidade de Pretoria, cada fêmea pode ter até 12 filhotes em uma vida média de 60 anos.
Para muitos países, livrar-se dos animais não é apenas uma solução fácil, mas um caminho para gerar mais receita.
“A retomada da caça controlada vai ajudar as comunidades a aumentar a arrecadação e, em paralelo, mitigar os problemas causados pelos elefantes,” afirma Erik Verreynne, veterinário da vida selvagem e consultor baseado em Gaborone, Botsuana.
Isso porque as licenças para caça são emitidas pelo governo federal para comunidades locais, que as vendem, em geral, para caçadores ocidentais endinheirados. Um elefante adulto pode valer até US$ 55 mil.
“Botsuana nunca excedeu a cota de 340 elefantes quando permitiu a caça. Além disso, outros 200 ou 300 animais ‘encrenqueiros’ são mortos todo ano em caçadas organizadas pelas populações locais. Mas sacrificando cerca de 700 elefantes por ano nós conseguiremos construir uma base de apoio maior à conservação”, diz Verreynne.
Essa visão é compartilhada pelas autoridades encarregadas da preservação da vida selvagem de Uganda, que também emite permissões para caça.
“A caça é necessária, ela ajuda a controlar as populações de animais, especialmente predadores”, afirma Bashir Hangi, diretor de comunicação da Autoridade para a Vida Selvagem de Uganda.
Lá, os caçadores têm de trabalhar em conjunto com os funcionários do Departamento Florestal responsáveis por rastrear os animais que podem ser abatidos.
“Eles não podem sair matando o que aparecer”, acrescenta Hangi. Ele afirma que 80% da receita proveniente da atividade fica nas comunidades locais.
Um estudo de 2013 publicado pela organização Economists at Large, entretanto, apontou que esse percentual é inferior a 3% na maior parte do continente africano.
Especialistas como a cientista Paula Kahumbu, baseada em Nairóbi, no Quênia, discordam dessa prática.
“Precisamos enfrentar os problemas causados pelos conflitos entre elefantes e seres humanos. Mas matar os animais não é parte da solução.”
“Não consigo imaginar o som repugnante dos tiros que tiram a vida desses animais maravilhosos.”
Kahumbu defende que Botsuana abra suas fronteiras, para que o “excedente” de elefantes possa se dispersar para países vizinhos como Angola. Em paralelo, ela afirma que as autoridades deveriam erguer cercas elétricas para evitar que os elefantes destruam plantações.
“O abate foi testado na África do Sul. Eles mataram milhares de animais e não funcionou. Caçar elefantes é algo que causa estresse aos animais e agrava o problema do conflito entre eles e os humanos.”
“Também faz com que eles se reproduzam mais rápido.”
O conflito entre os animais e as comunidades locais também é um problema em países asiáticos. A permissão para a caça, entretanto, ainda não é vista como alternativa. Os animais que causam problemas são normalmente reconduzidos à floresta.
“Superpopulações de elefantes são resultado da perda de habitat desses animais. Matar não é uma solução”, afirma Sanjeeta Pokharel, que estuda o comportamento dos elefantes asiáticos.
A caça é comumente vista como um esporte sangrento, e imagens de caçadores posando ao lado de um grande felino como um leão, por exemplo, ou de um elefante podem causar um grande efeito negativo e manchar a reputação do país, especialmente nos dias de hoje.
Também é visto como um resquício do colonialismo, um símbolo da época em que o homem branco explorava as riquezas naturais da África.
Mas em Botsuana, que contabiliza um elefante para cada 18 pessoas, caçar é uma atividade corriqueira.
“Já estamos vendo uma violência retaliatória nessas comunidades. Leões envenenados, animais presos em armadilhas e condenados a uma morte lenta.
Também estamos vendo aumentar a caça furtiva”, afirma Verreynne.
“Botsuana está avaliando todas as opções. Mas nós precisamos atingir um ponto de equilíbrio entre o bem-estar animal e o bem-estar humano. Matar com uma bala é para mim mais menos cruel nessas circunstâncias.”
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Abate de animais pode ser usado como estratégia de conservação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU