22 Setembro 2012
"Na República Centro-Africana, onde estou realizando uma pesquisa sobre governança em uma zona de conflito, a guerra anti-caça ilegal tem sido especialmente brutal. Em áreas remotas de parques, longe do olhar público, guardas florestais e milícias lideradas por mercenários estrangeiros, guias de safáris e soldados franceses em uma missão de cooperação com o governo, têm travado uma guerra suja em prol dos elefantes", relata Louisa Lombardi, estudante de pós-doutorado da Universidade da Califórnia, em Berkeley, em artigo publicado pelo Herald Tribune e reproduzido pelo Portal Uol, 21-09-2012.
Eis o artigo.
Os números mais recentes de baixas na antiga guerra do homem contra os animais na África foram divulgados, e são ruins para ambos os lados.
Pelo menos 25 mil elefantes podem ter sido massacrados na África em 2011 --mais do que em qualquer ano desde que o levantamento teve início em 2002-- segundo Kenneth Burnham, o estatístico da Monitoramento de Abate Ilegal de Elefantes, uma agência de pesquisa intergovernamental.
Centenas de seres humanos também morreram em consequência do massacre de elefantes --não apenas ao serem atacados e pisoteados, mas também pelas balas disparadas por outros humanos lutando em prol dos animais.
Desde os anos 80, sob o manto dos esforços de conservação e com fundos da União Europeia, governos, ONGs e associações privadas, guardas florestais africanos têm travado uma guerra de baixa intensidade raramente discutida contra os caçadores ilegais. O conflito está se tornando cada vez mais militarizado, com tanto os caçadores ilegais quanto os anti-caçadores ilegais justificando sua beligerância em resposta à do outro.
Na República Centro-Africana, onde estou realizando uma pesquisa sobre governança em uma zona de conflito, a guerra anti-caça ilegal tem sido especialmente brutal. Em áreas remotas de parques, longe do olhar público, guardas florestais e milícias lideradas por mercenários estrangeiros, guias de safáris e soldados franceses em uma missão de cooperação com o governo, têm travado uma guerra suja em prol dos elefantes.
É difícil saber exatamente quantas pessoas morreram. Os grupos que apoiam os esforços anti-caça ilegal podem contar o número de guardas que tombam no cumprimento do dever, mas não os caçadores ilegais despachados para covas escondidas na mata. Os relatórios que vi para o projeto anti-caça ilegal financiado pela União Europeia na República Centro-Africana, ao se referirem aos efeitos sangrentos de seu trabalho, quando o fazem, fornecem números conflitantes e fazem apenas referência de passagem ao número de pessoas “neutralizadas” --ou colocam a categoria “homens” na coluna rotulada “animais mortos”.
Alguns guardas anti-caça ilegal alegam ter matado centenas de caçadores ilegais. Em um caso particularmente macabro em 2007, em uma parte remota no nordeste da República Centro-Africana, uma dúzia de anticaçadores mutilaram os corpos de um punhado de caçadores ilegais que eles mataram sob a vigilância de um mercenário de mão pesada, que liderou uma guerra nas florestas da África Central em 2005-2007. Testemunhas me disseram que viram membros humanos pendurados em galhos de árvores.
Enquanto isso, o massacre de elefantes continua. No Parque Nacional Zakouma, no sudeste do Chade, e arredores, a UE financia guardas florestais para combaterem os caçadores e pastores nômades, em seus esforços violentos anticaça ilegal. Incapazes de controlar eficazmente a área de 3 mil quilômetros quadrados, eles se concentraram em zonas específicas de refúgio de elefantes. Não funcionou. Em 2006, acreditava-se que 3 mil elefantes viviam na área; dois anos depois, segundo a Wildlife Conservation Society, restavam apenas 1.000. Um colega meu que pesquisou o parque no ano passado encontrou menos de 500.
Os agentes anticaça ilegal satanizam ainda mais os caçadores ilegais os descrevendo como estrangeiros predatórios. Mas moradores locais frequentemente são cúmplices. Na África Central, demônios familiares como o Exército de Resistência do Senhor ou as milícias Janjaweed são citados como os principais matadores de elefantes, e dizem que o marfim é exportado pelo Sudão para a China. Mas canais menos óbvios também são importantes. Grande parte do marfim de Zakouma, por exemplo, parece ser obtido pelos chadianos e camaroneses e não levado para o leste, para o Sudão, mas para oeste, pelo Chade e até Camarões e a Nigéria. E apesar dos guardas anticaça ilegal raramente serem acusados de participarem no comércio de marfim, eles são frequentemente pegos vendendo carne de caça para os mercados locais.
O que pode ser feito? Abordagens participativas para a conservação exibiram algum sucesso, pelo menos nas zonas não militarizadas. Começando pelo Campfire (sigla em inglês para Programa de Gestão de Áreas Comunais para os Recursos Indígenas) no Zimbábue nos anos 80, as receitas geradas por meio da gestão e conservação da natureza, como as taxas para turismo e caça esportiva, foram entregues para as comunidades em torno das zonas protegidas.
A ideia era de que se as pessoas tivessem um interesse financeiro na preservação das populações de animais, elas teriam a iniciativa para impedir os caçadores. Esses esforços resultaram em menos mortes. Segundo o Campfire, tanto a população de elefantes quanto a humana nessas áreas dobrou entre 1990 e 2003. (Mas análises independentes notaram que o programa era mais coercivo e menos lucrativo para as comunidades do que seus apoiadores reconheciam.)
Em áreas com violência endêmica e governos ineficazes, como na África Central, estratégias repressivas são mais comuns. A única preservação da natureza bem-sucedida foi por acidente.
Os conservacionistas temiam que a guerra civil no Sudão dizimaria a vida selvagem nas savanas verdejantes, pântanos e florestas do sul. Mas um levantamento pela Wildlife Conservation Society, após o acordo de paz de 2005, mostrou que em enclaves inacessíveis, algumas populações de animais, especialmente gazelas e antílopes, mas também elefantes, na verdade cresceram.
Infelizmente, os fatores geográficos e circunstanciais que permitiram isso são impossíveis de reproduzir. Os animais do Sudão do Sul encontraram um refúgio natural nos pântanos do Sudd, ao leste do Nilo, que são intransitáveis para os seres humanos.
As perspectivas de fim da caça ilegal em zonas de guerra por meio de gestão humana são diminutas. A única forma de reduzir tanto o massacre de elefantes quanto as mortes relacionadas de seres humanos seria reduzir a demanda pelo marfim. E essa é uma tarefa difícil.
Uma campanha de relações públicas exibindo fotos horríveis das carcaças de elefantes teria pouco efeito na China, Tailândia e Filipinas --os países que impulsionam a demanda por marfim. A demanda local é movida por crenças religiosas, incluindo, entre muitos católicos e budistas, a noção de que o marfim honra a Deus.
O endurecimento da arquitetura legal internacional também seria difícil, dado os grandes lucros que o governo chinês, entre outros, obtém com o comércio. Apenas as vendas de marfim obtido depois de 1989 são proibidas --um critério fácil de falsificar.
Mas coibir a demanda por marfim é, no final, a única forma de coibir tanto a morte de elefantes quanto de seres humanos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Guerra" pelo marfim causa mortandade na África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU