31 Mai 2019
"Saberá a velha UNE renascer das cinzas, superar um aparelhismo míope e insignificante, ou surgirão novos movimentos, em várias direções?", pergunta Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
Ao final dos anos cinquenta e princípios dos sessenta, o Brasil tinha cerca de cem mil universitários. Ali era central a União Nacional dos Estudantes (UNE), tanto na vida estudantil como também na arena política brasileira, com uma forte presença no movimento nacionalista. Trago um exemplo significativo. Durante uma greve estudantil pela gratuidade dos transportes que paralisou o Rio de Janeiro, o presidente Juscelino, com seu estilo direto, recebeu os dirigentes universitários no palácio do Catete e, dirigindo-se a seu líder, convidou-o a sentar-se na sua cadeira presidencial, desafiando-o a dizer o que ele seria capaz de fazer naquele situação.
Em 1961 a UNE, dirigida por Aldo Arantes, da Ação Popular, com a assessoria de Betinho, sacudiu o país com a mobilidade da UNE Volante. Ela estaria na sacada do Palácio Piratini, ao lado de Brizola, na campanha da Legalidade. Era um meio estudantil relativamente pequeno, mas muito articulado, com fortes militâncias, trabalhando em frente única, cristãos, comunistas, socialistas, trabalhistas. Anos antes, os estudantes estiveram ativos na defesa da soberania do petróleo. Mesmo nos primeiros tempos depois do golpe de 1964 a UNE, na clandestinidade, seguiu presente quando, em Ibiúna, seus dirigentes em congresso foram cercados e aprisionados. Um dirigente da UNE, Honestino Guimarães, estaria logo na lista dos desaparecidos.
Nos anos seguintes, ocorreu uma enorme expansão de universidades e universitários. Estes passariam a contar-se aos milhões, espalhados por um grande número de cidades. Houve assim um aumento exponencial. Mas a UNE que emergiu adiante não esteve à altura da transformação. Pior, ela foi capturada e aparelhada por um partido, o PC do B. Seus congressos não tiveram presença significativa nem legitimidade nesse meio em permanente crescimento.
E é isso que talvez possa estar mudando. Bastaram dois ministros da educação mentecaptos e um presidente boquirroto, ao chamarem estudantes mobilizados de idiotas úteis e baderneiros, para provocarem os brios destes, que se já estavam saindo às ruas, o fizeram com mais força, na defesa de uma educação e de uma universidade ameaçadas. E voltam a aparecer, aqui e ali, as históricas bandeiras da UNE.
Depois da gigantesca mobilização de 15 de maio, a maior que se tem notícia pela sua amplitude e abrangência, agora, dia 30 de maio, novamente a juventude se faz presente. E nela, núcleos de militantes conscientizados, se agrupam em movimentos mais ou menos espontâneos e normalmente pacíficos.
Saberá a velha UNE renascer das cinzas, superar um aparelhismo míope e insignificante, ou surgirão novos movimentos, em várias direções? A vantagem de um grande movimento, como uma nova UNE, seria criar um espaço plural, articulando nele diferentes tendências. A lição da frente única na UNE dos sessenta deixou um exemplo a levar em conta.
Como um velho dirigente estudantil daqueles tempos dinâmicos, que se recusa a abdicar da esperança, não posso deixar de alegrar-me com novas perspectivas entre os jovens de hoje, a geração de meus netos, com outras bandeiras e sensibilidade original, porém indicando que sempre haverá lugar para a utopia e para o renascer de uma prática que aposta na justiça, na liberdade, na igualdade e no direito à diferença.
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Como contribuição, trago o clima que vivíamos os que, no começo dos anos 60, queríamos preparar um mundo melhor. Vem num poético texto de Emmanuel Mounier com que nosso mestre, Henrique de Lima Vaz, terminou um artigo para uma revista da União Metropolitana de Estudantes e que publicamos, Betinho e eu, no livro que preparamos na ocasião, Cristianismo hoje:
O pequeno e encolhido medo abriga-se no ancoradouro das tranquilas enseadas do passado, onde os mastros vegetam na calmaria de todos os conformismos. A coragem lúcida e generosa eleva o gesto largo ao vento dos grandes espaços livres, abrindo no mastro grande a grande vela para a rota da mais alta estrela
E outro texto de Mounier, que escreveu dias antes de sua morte, aos 45 anos:
Mais do que nunca temos de reencontrar a revolta de nossos vinte anos e a ruptura dos vinte e cinco. O cristão não abandona o pobre, o socialista não abandona o proletário, ou eles adjuram seu nome.
E em que pensam, com que sonham os jovens mobilizados nas manifestações de hoje? Solidário, uno-me a eles, saltando décadas, onde a esperança é atemporal.
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A UNE está de volta? (Para meus netos) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU