12 Julho 2007
No último Congresso da União Nacional dos Estudantes - UNE, realizado entre 04 e 08 de julho, em Brasília, a gaúcha Lúcia Stumpf foi eleita, com 72% dos votos, a nova presidente da entidade. Ela é a quarta mulher, a primeira em 15 anos, a chegar à presidência da UNE. Seu nome passa agora a constar no grupo dos que chegaram a esse cargo, tais como José Serra e Aldo Rebelo, atualmente governador de São Paulo e o deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados, respectivamente. A IHU On-Line entrevistou, por telefone, Lúcia Stumpf.
Na entrevista, Lúcia repercute algumas propostas e manifestações apresentadas durante a candidatura, fala das novas e antigas mobilizações e atuações da UNE e, ainda, do perfil do universitário brasileiro. “O perfil é muito heterogêneo, e esse é o desafio que a UNE tem: o de conseguir dialogar com todas essas realidades e interesses diferentes que permeiam a juventude universitária”, afirma.
Lúcia Stumpf tem 25 anos e faz parte da chapa “1º de fevereiro”. Foi eleita à presidência da UNE com 72% dos votos. Sua mãe, hoje professora universitária da UFRGS, é ex-militante política. Junto com ela, Lúcia, aos 11 anos participou das passeatas Fora Collor! em Porto Alegre. Lúcia, hoje, é filiada ao PCdoB e atua no movimento estudantil desde 2001. Foi diretora de comunicação e relações internacionais da UNE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você disse, em entrevista que quer radicalizar o movimento estudantil. Quais são as ações que pretende realizar na presidência da UNE que vão radicalizar o movimento no país hoje?
Lúcia Stumpf – Esse radicalizar é mais no sentido de nós conseguirmos fazer com que o movimento estudantil esteja cada vez mais presente no cotidiano da sociedade brasileira e possa se posicionar cada vez mais sobre temas que lhe dizem respeito. Em agosto, nós faremos uma grande jornada de luta em defesa de um Plano Nacional de Assistência Estudantil para as universidades públicas e em defesa da regulamentação do ensino privado no Brasil, pois hoje as universidades privadas são “terras sem lei” em que os reitores, muitas vezes, mandam e desmandam quando querem. Isso não acontece, é claro, em todas as universidades particulares, mas existem muitas em que um movimento estudantil é impedido de se organizar ou se posicionar dentro da instituição. O movimento pretende exigir uma imediata regulamentação do ensino privado no Brasil.
Radicalização também no sentido de trazer mais ousadia para o cotidiano do movimento estudantil, apresentando novas pautas para o seio do debate, como a questão da descriminalização do aborto, que é um tema que diz respeito à juventude e, imediatamente, aos estudantes universitários; a questão da descriminalização das drogas; os debates sobre o meio ambiente, tão importantes para nossa geração etc. Ou a gente discute todos esses temas agora ou não sabe como será o planeta que nossos filhos terão para viver. Então, propomos mais ousadia, radicalidade, uma pauta cada vez mais diversificada para o movimento estudantil, a fim de que a UNE seja capaz de dialogar com todo o conjunto de jovens que compõem hoje os universitários brasileiros.
IHU On-Line - E qual foi a principal bandeira que você empunhou para se eleger presidente da UNE?
Lúcia Stumpf – Fiz eventos em cada sala de aula e consegui discutir com os estudantes. Também consegui envolvê-los no movimento estudantil. Estudantes não participam da política stricto sensu, não querem construir o centro acadêmico, mas estão dispostos a construir um centro universitário de cultura e arte dentro da sua universidade. Desse modo, poderemos trazer para dentro do movimento estudantil o pessoal ligado à cultura, ou discutir, por exemplo, a função social do esporte. Então, eu acho que foi essa diversificação de pauta e a necessidade de ousar ainda mais e fazer mais mobilizações de rua, ter cada vez mais ações contundentes, no sentido de transformar o Brasil e a universidade, que me fez ser eleita.
IHU On-Line – A UNE sempre é lembrada pela sua atuação durante os períodos militar, Diretas Já e Fora Collor. Por que a UNE de hoje não mobiliza os jovens estudantes contra os acontecimentos na política, tão próximos aos momentos citados?
Lúcia Stumpf – Acho que a UNE continua mobilizando, sim, muitos jovens e estudantes universitários que têm um perfil cada vez mais diferenciado. Hoje, a maioria dos universitários está estudando em universidade particular, ou seja, é o jovem que passa o dia todo trabalhando para poder pagar a mensalidade da faculdade que ele faz das 19h às 22h. Ele já chega cansado para assistir aula, ou seja, está preocupado em concluir seus estudos o mais rápido possível. Conseqüentemente, ele tem mais dificuldade de se envolver no movimento estudantil. Com isso, a UNE terá que aprender a conseguir dialogar e a criar novos canais de diálogos com esse tipo de juventude. Por isso, nós faremos com que o movimento estudantil novamente esteja presente nos grandes momentos da história do País.
IHU On-Line – Qual é a sua posição sobre a ocupação das reitorias das principais universidades do país?
Lúcia Stumpf – A UNE mesmo promoveu no dia 06 de junho desse ano, na gestão ainda passada, um grande dia Nacional de Ocupações de Reitorias. Nós entendemos que essa é uma forma legítima de manifestação dos estudantes. Assim como as passeatas e outros tipos de mobilização, também as ocupações de reitorias são legítimas para reivindicações e para forçar que nossas solicitações sejam atendidas, seja frente ao Governo Federal, seja frente às universidades mais diretamente. Então, a UNE apóia este tipo de manifestação e não descarta que nesse mês de agosto, nessa jornada de lutas que estamos propondo, seja utilizado este formato de mobilização.
IHU On-Line – No que consiste o Plano Nacional de Assistência Estudantil?
Lúcia Stumpf – É uma exigência nossa de que o MEC volte a ter uma rubrica específica nas universidades federais para investir na assistência estudantil. Isso sempre existiu. Uma parte do orçamento do MEC servia especificamente para que as universidades investissem em restaurante universitário, em moradia estudantil, em auxílio transporte para o estudante carente. Mas o deputado federal Paulo Renato, que em 1998 era Ministro da Educação, cortou essa rubrica de assistência estudantil. A UNE está exigindo do atual governo que volte a investir no mínimo R$ 200 milhões do orçamento do MEC na assistência estudantil, para permitir que nas universidades federais haja essa política diferenciada, diminuindo o grau de evasão que sofrem.
IHU On-Line – Você é a quarta mulher que assume a presidência da UNE. Por que acha que as mulheres pouco chegam a este cargo?
Lúcia Stumpf – Eu acho que o machismo na sociedade brasileira ainda é muito enraizado, e essa baixa participação das mulheres em espaços mais destacados de decisão evidencia muito isso. E, dentro do movimento estudantil, dentro da universidade, isso se reflete. Fica claro com esses números, pois mais de 50 presidentes já passaram pela UNE e só quatro delas são mulheres. Ou seja, o movimento estudantil reflete esse machismo na sociedade brasileira, o que acaba dificultando com que mulheres cheguem a espaços mais destacados. Apesar de as mulheres serem maioria nas universidades brasileiras (mais de 56% das matrículas nas universidades brasileiras são feitas por mulheres), ainda assim elas são minoria à frente de Centros Acadêmicos, DCE’s e da própria UNE. Acho que com a eleição de mais uma mulher para presidente, a primeira em 15 anos, nós teremos, entre outros objetivos, a responsabilidade de, nesta gestão, aprofundar ainda mais este debate com relação ao machismo, à descriminalização do aborto e à abertura de creches nas universidades públicas, para que as estudantes que tenham filhos não sejam obrigadas a abandonar o curso e possam ter condições de seguir estudando com o apoio da universidade. Esses são temas que teremos que debater de forma ainda mais incisiva durante essa nova gestão.
IHU On-Line – Você tem sofrido algum tipo de crítica por ser mulher?
Lúcia Stumpf – A crítica que vejo é que, por exemplo, às vezes, pessoas se posicionam e se sentem mais à vontade para agir em conseqüência do machismo mesmo. Quando fui eleita agora, algumas pessoas chegaram a dizer “ah, foi eleita porque é bonita”. Então, quando é uma mulher que está falando em sala de aula ou quando está falando em um palco do movimento estudantil, às vezes as pessoas olham primeiro para a sua aparência, fazendo críticas ou elogios, mas enfim, analisam primeiro a aparência do que o conteúdo e a mensagem política que ela está passando. Nesse sentido, já sofri críticas, tendo passado por situações como essas.
IHU On-Line – Você tem pretensões de seguir na carreira política, como algumas pessoas que fizeram parte da UNE em gestões passadas?
Lúcia Stumpf – Isto é mais uma característica do trabalho da UNE, pois ela é uma grande escola de democracia. Quem passa pela UNE aprende muito sobre o cotidiano democrático, sobre a construção de consensos entre pensamentos diversos e acho que isso faz com que as pessoas, depois, sigam a carreira política. Atualmente, no entanto, a minha primeira pretensão é de poder ser jornalista, concluir meus estudos e poder ser uma repórter no futuro.
IHU On-Line - Para muitos, o movimento estudantil está muito alinhado ao Governo Lula, perdeu a sua independência e a sua autonomia. Como você vê essa crítica?
Lúcia Stumpf – Eu não tenho dúvidas de que a UNE, em seus 70 anos de história, nunca perdeu a sua postura absolutamente autônoma, frente a qualquer governo que tenha passado pelo poder público no Brasil. O que acontece é que os governos sempre tratam, de acordo com seus projetos e intenções, a UNE e o conjunto de movimentos sociais de maneira diferenciada. O governo Fernando Henrique Cardoso, que se sucedeu por oito anos, nunca recebeu a UNE. Nós insistíamos para que o ministro Paulo Renato nos recebesse para ouvir as reivindicações dos estudantes, solicitamos dezenas de audiências com o presidente para que ele nos ouvisse, para que pudéssemos fazer projetos em parceria, mas a UNE nunca foi recebida. No Governo Lula, existe uma postura diferenciada. Ele recebe a UNE, dialoga com os movimentos sociais, mas, ainda assim, a UNE mantém uma postura de absolutamente e total autonomia. Tanto que nós nos sentimos muito à vontade para fazer todas as críticas fazemos ao governo, todas as mobilizações e manifestações contrárias a ele. Nós nunca nos intimidamos de fazer esse tipo de coisa. Durante o último Congresso da UNE, levamos 18 mil alunos para a frente do Banco Central, exigindo que o presidente Lula tenha pulso firme para demitir Henrique Meirelles. A UNE já fez diversas manifestações no sentido de cobrar uma postura diferente do Ministério da Educação. Esse evento de agosto será uma cobrança ao Ministro Fernando Haddad e ao presidente Lula, para que eles assumam uma postura diferente em relação à educação brasileira.
IHU On-Line – Quem é hoje o estudante universitário brasileiro? É possível traçar um perfil desse estudante?
Lúcia Stumpf – O universitário hoje tem um perfil absolutamente heterogêneo, diferentemente de outras épocas. Na década de 1960, só víamos a classe média na universidade pública, pois as pessoas dela não tinham que trabalhar: viviam só para concluir seus estudos. Para viver o movimento estudantil de forma plena, hoje, o jovem universitário, como falei, é muito heterogêneo. Então, continuamos tendo a classe média dentro das universidades, assim como aquelas pessoas com condições menos favorecidas, os trabalhadores que estudam à noite para ter condições de terem um diploma. E ainda, também, as camadas mais pobres do país, que ingressam na universidade através de programas como o Prouni, que garante bolsas para famílias carentes. Então, o perfil é muito heterogêneo, e esse é o desafio que a UNE tem: o de conseguir dialogar com todas essas realidades e interesses diferentes que permeiam a juventude universitária.
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A UNE aos 70 anos. Entrevista especial com Lúcia Stumpf, nova presidente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU