10 Mai 2019
Nesta entrevista, o professor e pesquisador Gabriel Grabowski fala do sucateamento da educação brasileira. Segundo ele, o movimento político de ataques às universidades e de cortes nos investimentos começou ainda em 2014, intensificando-se nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. A conversa aconteceu a partir do lançamento do livro A desconstrução do futuro (Carta Editora, 2019), obra composta de vinte e cinco artigos escritos mensalmente, de janeiro de 2017 a janeiro de 2019, nos quais o autor narra os retrocessos impostos à educação ao longo de dois anos.
Nos textos, Grabowski aponta as medidas que comprometem não só o futuro dos jovens que atualmente estão nas universidades, mas principalmente as novas gerações, que já sentem o impacto negativo de um conjunto de propostas que colocam professor e estudante como protagonistas secundários no processo da educação.
Gabriel Grabowski (Foto: Igor Sperotto | Divulgação)
Gabriel Grabowski possui Graduação em Filosofia Plena pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Dom Bosco (1985), Especialização em Sociologia (Ufrgs, 1997), Mestrado em Educação Profissional (Ufrgs, 2004), Doutorado em Educação (Ufrgs, 2010) e MBA de Gestão Universitária pela UCS/Comung (2017). Atualmente é docente e pesquisador da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS); pesquisador do Programa de Qualidade Ambiental e Mestrado em Letras; e professor do Centro Universitário Metodista de Educação (IPA), em Porto Alegre (RS). Integra a Diretoria da Associação de Escolas Superiores de Formação de Profissionais do Ensino (Aesufope) e o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS). Seus estudos e pesquisas versam sobre os seguintes temas: Educação e Trabalho, Financiamento da Educação e Financiamento da Educação Profissional, Ensino Médio, Educação Profissional, Juventude e Formação de Professores.
A entrevista é de Cristiano Goldschmidt, jornalista e professor universitário.
Como o senhor recebeu a notícia divulgada recentemente de que o governo cortará 30% do orçamento destinado às Universidades Federais?
Esse anúncio nos causa uma profunda apreensão sobre o futuro da educação no país. Há poucos dias os jornais estamparam que de 2014 a 2018 nós já tivemos uma redução de investimentos na educação na ordem de 56%. E para você ter uma ideia, o orçamento do MEC de 2014 a 2018 já teve uma queda de 117 bilhões para 103 bilhões. E a rubrica específica de investimentos que seria para ampliar a qualidade e o acesso à educação básica e superior no Brasil teve um decréscimo de 11,3 bilhões para 4,9 bilhões, e a projeção para esse ano de 2019 na peça orçamentária é de uma queda maior ainda, ou seja, o investimento baixaria para 4,2 bilhões. Isso demonstra uma tendência que começou em 2014, que é a redução real de investimentos na educação no Brasil. Quando você soma essa redução dos investimentos nesta ordem de mais de 50% com a PEC 95 do teto dos gastos, aprovada em 2016, e este anúncio de agora, de uma redução de mais de 30%, significa que sim, a nossa educação está ameaçada, em todos os sentidos: ameaçada quanto a sua oferta, ameaçada a sua qualidade, e obviamente não teremos nenhuma expansão no ensino superior nem na educação profissional, e o próprio ensino médio torna-se ameaçado.
Abordada em um dos textos do seu livro, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) para a formação de professores é questionada pelos docentes. Quais são as questões levantadas?
Acho que a primeira crítica mais séria em relação à BNCC é de que a própria proposta da BNCC para a formação de professores veio posteriormente à BNCC da Educação Básica. Primeiro tivemos a aprovação da BNCC do ensino infantil e fundamental, em 2017, tivemos a aprovação da BNCC do ensino médio em 2018, e hoje o que tem é apenas uma proposta de BNCC que foi enviada pelo MEC ao Conselho Nacional de Educação, e agora o MEC a solicitou de volta para fazer ajustes com a perspectiva e a concepção do novo governo. Toda reforma curricular deveria ter o caminho inverso. Primeiro você teria que pensar a preparação dos professores, a formação dos professores para uma nova concepção de educação básica como a BNCC tenta propor, e nesse caso o processo está invertido, ou seja, os últimos a terem uma BNCC serão os professores. Essa decisão de propor e implementar a BNCC da formação dos professores significa que as editoras no Brasil vão preparar o material, o conteúdo, o desenvolvimento de competências e habilidades dos alunos e irão oferecer isso aos sistemas de ensino através de material didático, apostilas e livros didáticos, e o professor será apenas o executor disso lá na escola, dentro da lógica da BNCC. Tanto o professor quanto o estudante serão protagonistas secundários no processo da educação, visto que a escola, o estudante e o professor receberão um pacote educacional, um processo de aprendizagem já planificado para desenvolverem no tempo e no espaço escolar.
De que forma a nova BNCC da educação básica prejudicará os jovens mais pobres?
O que prejudicará é esta BNCC, pois está inserida num projeto conservador e reacionário de educação desencadeado a partir do governo Temer e em aprofundamento no governo Bolsonaro. Inicialmente ela rompeu a unidade da educação básica mediante duas BNCCs: uma para ensino infantil e fundamental, outra para o ensino médio. Sobre a primeira, ela traz essa grande mudança de que a partir dela não mais trabalharemos conteúdos, saberes e conhecimentos - através de disciplinas -, mas desenvolveremos competências e habilidades. Nós não temos ainda uma experiência e um acúmulo acadêmico e cultural de como desenvolver competências e habilidades em crianças de educação infantil, por exemplo, ou do ensino fundamental. Já a BNCC do ensino médio fixou quanto a formação geral. A Base Nacional Comum para todo o Brasil deverá ter no máximo 1800 horas, das 3000 horas do ensino médio. As outras 1200 horas a escola deverá optar por um dos cinco itinerários, que é aprofundar a formação em ciências humanas, ou matemática, ou ciências da natureza, ou linguagens, e o quinto itinerário é o ensino técnico profissional. Isso significa um possível risco para jovens, que consiste ele ter um ensino médio com apenas 1800 horas de formação geral, de cultura geral para todas as áreas, e isso é uma redução do nosso atual currículo. Ou seja, será uma educação de qualidade inferior ao que nós temos hoje, ocupará o jovem mais tempo fazendo itinerários no ensino médio e inibindo a sua continuidade nos estudos no ensino superior.
Que análise o senhor faz das Diretrizes Curriculares para o Novo Ensino Médio (DCNEM), que propõem que 40% do currículo poderá ser na modalidade EaD e institui até o trabalho voluntário na carga horária dos alunos?
Teremos vários “ensino médio” pelo país. Essa lei abre estas possibilidades de configurações diversas de formação básica. Um “novo” ensino médio que se propõe em tempo integral - e não de educação integral -. Este ensino médio poderá ser ofertado através de Educação a Distância, sendo 20% no diurno e 30% no noturno. Isto significa que, se a escola optar pelo quinto itinerário de formação técnica, esse itinerário poderá ser feito todo em EaD. E, também, prevê que o jovem incorpore toda e qualquer experiência de trabalho e voluntariado, como carga horária desse itinerário. Quer dizer que, se um jovem fizer estágio, um jovem que participa de um projeto de voluntariado, poderá compor o currículo com estas atividades. Cursos de qualificação profissional, com certificações parciais, poderão compor a carga horaria do 5º itinerário também. Se todas estas atividades poderão servir como carga horária para o ensino médio, isto significa que o jovem ficará menos tempo na escola que hoje, precarizando sua formação ainda mais.
O senhor aborda em outro texto do seu livro a questão do juvenicídio, falando dos altos índices de jovens assassinados no Brasil. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre isso.
O juvenicídio é uma categoria que foi desenvolvida por um pesquisador mexicano – Prof. José Manuel Valenzuela -, que estuda a violência praticada contra os jovens na América Latina, desde o México - onde temos grandes episódios de matança de jovens -, mas ele traz isso para Argentina e outros países, como Guatemala, Equador e Brasil. Os artigos refletem a relação entre falta de educação para nossa juventude e o alto índice de mortes desta juventude. Do total de homicídios no Brasil, bem como do total de presos no Brasil, a grande maioria são jovens que deveriam estar no ensino médio ou na universidade. Da nossa população carcerária atual, em torno de 800 mil presos, 70% a 80% são jovens. E dos 63/64 mil homicídios ano no Brasil, em torno de 54% são de jovens, ou seja, mais de 50% dos homicídios são de jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar no ensino médio. Por não estarem no ensino médio e por falta de oportunidades profissionais, visto que o desemprego atinge mais os jovens, eles se tornam presas muito mais fáceis do crime organizado, inclusive dentro do sistema prisional. É uma tragédia extremamente grave, porque se queremos construir uma nação melhor hoje e no futuro, precisamos cessar o juvenicídio contra nossos adolescentes e jovens, fontes de vida e criatividade. O Brasil mata mais jovens que a guerra na Síria, no Iraque e outras guerras que estão transcorrendo.
A autonomia da escola e da universidade de fato encontra-se ameaçada? Afinal, qual é a função da educação e qual o papel do professor?
Sim, mais do que nunca. Eu entendo que o papel da escola e do educador, seja professor, seja pai, é desenvolver a autonomia do estudante em todas as suas dimensões. A primeira autonomia a ser desenvolvida é a intelectual, e eu pressuponho que todo pai, toda mãe, todo educador queira que seu filho, a criança, o adolescente, o estudante aprenda a pensar com a sua própria mente. Autonomia é o pensar próprio, desenvolvimento intelectual próprio, ou seja, o que ele aprende o auxilie a desenvolver a sua visão do mundo, a sua concepção do mundo, as suas ideias, os seus saberes, caso contrário ele sempre estará sujeito a depender de alguém. Essa é a importância do desenvolvimento da autonomia intelectual. A segunda dimensão é a autonomia ética, o estudante saber conduzir a sua vida em sociedade, em coletividade, por isso a importância dele desenvolver valores e princípios - que na ética nós chamamos de qualidades de virtudes - que possibilitam viver com os outros em sociedades diversas e plurais. E, a terceira dimensão, é a autonomia política, ou seja, que ele possa ter os seus posicionamentos em relação ao mundo, à sociedade, em relação à própria cidadania, sem serem tutelados por nenhuma força política de qualquer ordem ou natureza.
Os 25 artigos do seu livro, escritos mensalmente, de janeiro de 2017 a janeiro de 2019, analisam projetos que propõem o desmonte da educação brasileira. Que análise o senhor faz do conjunto dessas medidas?
Iniciamos a entrevista lhe mencionando que a educação no Brasil vem sofrendo uma total reestruturação de 2014, não só na redução dos investimentos, mas em toda a sua estruturação regulatória. Primeiro, o Brasil interrompe a tendência de crescimento de investimento em educação, reduzindo drasticamente os recursos. O governo Temer altera, neste mesmo período, todo o arcabouço regulatório legal, da educação básica à educação superior. Na educação básica, aprovaram a BNCC, a Reforma do Ensino Médio, mudaram a legislação da EaD no Brasil, bem como a legislação da educação do Ensino Superior. Aprovou-se, também, uma nova proposta de currículo (por competências e habilidades), aproximando-se das demandas do mercado. E todo esse conjunto de ataques às universidades e aos professores precisa ser analisado neste contexto geral de reformulações educacionais na perspectiva de submeter a educação a economia de mercado. É uma obra complexa, articulada, orquestrada em várias frentes. Nada aí está desconexo. A própria nomeação de gestores em Secretarias de Estado da Educação e no próprio Ministério da Educação, advindos de outras áreas que não a da educação são administradores vinculados à economia, demonstrando a necessária vinculação da formação e da educação aos interesses de produção econômica. Quando o ministro da educação e o presidente dizem “não vamos mais investir em ciências humanas”, em desenvolvimento das pessoas, é sinal de que nós vamos tornar a educação cada vez mais um instrumento dos interesses da esfera econômica. E o livro a “Desconstrução do futuro” retrata os dois anos – de 2017 até 2019 -, em que todos estes movimentos se materializam, desconstruindo todas as políticas públicas na educação, comprometendo o futuro da juventude brasileira.
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Professor e estudante como protagonistas secundários no processo da educação. Entrevista com Gabriel Grabowski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU