06 Mai 2019
Uma crise genuína – e não um melodrama autoinventado, mas sim uma honesta ameaça existencial a Deus – é algo curioso, na medida em que, muitas vezes, ela produz efeitos descontroladamente contrastantes nas pessoas. Para alguns, pode gerar raiva e ressentimento; para outros, confusão e desespero; e para outros ainda, apenas indiferença e aborrecimento.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 02-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há ainda outra possibilidade, no entanto – que, em algum subgrupo da população, uma crise irá induzir uma profunda fome de reformas, um foco mais estreito naquilo que é essencial e um forte impulso para acertar as coisas.
De acordo com os professores e os estudantes do Pontifício Colégio Norte-Americano de Roma, o seminário para os futuros padres dos Estados Unidos na Cidade Eterna, esse último efeito é notavelmente comum entre os membros do seminário hoje. Se for verdade, isso sugere a possibilidade tentadora de que os horrores da crise dos abusos sexuais clericais possam resultar, contra todas as probabilidades, em uma geração mais forte de padres– ou, no mínimo, uma geração mais clara em relação àquilo que está em jogo.
“Nenhum de nós teria pedido esse escândalo e a dor que ele causou”, disse o Pe. Peter Harman, de Springfield, Illinois, e reitor do Pontifício Colégio Norte-Americano desde 2016. “Mas, talvez, e eu confio na bondade de Deus, se isso nos faz querer ser padres pelas razões certas, então que assim seja.”
O padre Louis Masi, um estudante de 28 anos de Nova York, disse que parte dessas “razões certas” hoje são um impulso para fazer parte da solução, e não do problema.
Masi disse ao Crux que está impressionado que os jovens atraídos ao sacerdócio e à vida religiosa hoje “têm o desejo de fazer parte de uma geração que seja um sinal de esperança, um sinal de santidade e luz na Igreja”.
“Embora tudo o que aconteça na Igreja esteja tendo um efeito profundo sobre eles, em muitos aspectos é uma afirmação ainda maior do seu chamado, porque eles percebem que, se eles têm esse desejo em seu coração mesmo no meio de tudo isso, eles estão respondendo não apenas a uma ideia própria ou a algo apresentado a eles, mas sim a algo que realmente vem de Deus”, disse.
Harman e três seminaristas do Pontifício Colégio Norte-Americano falaram com o Crux no fim de abril, em parte durante o almoço em um dia em que dois diáconos recém-ordenados – a penúltima etapa em sua formação antes do sacerdócio – tinham acabado de voltar dos Estados Unidos e estavam sendo acolhidos de volta à casa. Os rugidos que subiram no refeitório quando o seu retorno foi anunciado revelaram grande parte do esprit de corps que o lugar tende a fomentar.
O Pontifício Colégio Norte-Americano, com uma população estudantil neste momento de 212 alunos, pode ser referido apenas de forma meio jocosa como o “West Point da Igreja norte-americana”, mas ele se esforça poderosamente para combater qualquer senso de elitismo ou superioridade. Isso é provavelmente importante especialmente na era do Papa Francisco, quando o “clericalismo”, a noção de que o clero deveria gozar de privilégios ou de um status exaltado, é um tabu.
No entanto, por mais que tentem promover uma humildade adequada, não há como evitar o fato de que o Pontifício Colégio Norte-Americano tende a receber os melhores e os mais brilhantes seminaristas norte-americanos de cada geração – o que significa que é um bom lugar para avaliar em que as futuras lideranças da Igreja mais motivadas e mais reflexivas do país estão pensando e sentindo.
Joseph Ferme, um seminarista do primeiro ano de 25 anos da Arquidiocese de Boston, que cresceu em Long Island, diz que ninguém que ele conhece nega os danos que os escândalos de abuso causaram.
“As pessoas [no Pontifício Colégio Norte-Americano] não estão se escondendo debaixo das pedras ou fingindo que essas coisas não existem, que não há lutas na Igreja”, disse. “Mas, ao mesmo tempo, há uma grande alegria e uma grande esperança nos homens que ainda estão olhando para o sacerdócio.”
“Eles percebem aquilo que a Igreja realmente precisa neste momento da nossa história, que são padres bons e santos que realmente levem a formação a sério”, disse Ferme.
Harman reconheceu que, como muitos dos seus calouros têm entre 20 e 30 anos, elas nunca conheceram uma Igreja que não fosse marcada pela crise dos abusos – e, acredita ele, foram forçados a ir mais fundo por causa disso.
“Quando eu cheguei ao Pontifício Colégio Norte-Americano em 1995, eu era um bom seminarista”, lembrou. “Eu fiz o que devia fazer, tirei boas notas, fui ativo na comunidade, e isso me ajudou bastante.”
“Eu acho que esses rapazes tiveram que ter uma vida pessoal de oração mais profunda e meditativa sobre o Senhor Jesus e as Escrituras do que eu”, disse Harman. “Eu acho que eles estão realmente comprometidos em cultivar isso em suas vidas. Eles percebem que é uma necessidade absoluta.”
Harman enfatizou que, apesar do espírito entusiástico, isso não quer dizer que eles também não estejam feridos.
"Os rapazes da idade deles, nesta geração em que a autoridade já está manchada, realmente ficaram abalados em termos de quem eles podem olhar e em quem eles podem confiar”, disse, explicando que a sua estratégia é pedir aos seminaristas que passem menos tempo em blogs e mídias sociais e mais tempo examinando suas próprias vidas e ambientes, para discernir quem e o que realmente é digno da sua confiança.
Outra parte da abordagem, disse Harman, é ser claro sobre o que se espera.
“Eu disse aos rapazes que, se este é um lugar onde se fala de celibato, mas que não se exige isso, ou onde as leis da Igreja não são cumpridas, então o reitor tem que ir embora”, disse. “Mas eu também disse que é responsabilidade de todos viverem isso, e, se você não levar esse compromisso a sério, então nós dividiremos o táxi até [o aeroporto de] Fiumicino.”
Harman estimou que, no momento em que um padre recém-ordenado deixa o Pontifício Colégio Norte-Americano, ele terá recebido cerca de 100 horas de formação sobre o celibato e a castidade, sobre limites e intimidade, e sobre desenvolvimento psicossexual, assim como uma exposição completa aos protocolos antiabuso dos bispos dos Estados Unidos.
“Eu posso dizer que todos os estudantes levam isso a sério”, disse. “Eles estão cientes do que está em jogo.”
Tem sido frustrante para Harman ver seminários e a cultura do seminário tantas vezes citados em discussões sobre os escândalos de abuso como um fator causal, sem reconhecer, de acordo com ele, que, independentemente do que aconteceu no passado, as coisas hoje tendem a ser muito diferentes.
Perguntado sobre os rumores de “grupelhos homossexuais” ou de um “lobby gay”, por exemplo, ele disse que isso é basicamente implausível.
“Há muitos bons homens nesta casa e nos seminários, e, se isso estivesse ocorrendo de uma maneira chamativa, os próprios seminaristas não tolerariam isso”, disse Harman. “Eles diriam: ‘Não é isso que queremos’. Eles são muito francos sobre as coisas que eles percebem que os incomodam, então eu simplesmente não vejo que as pessoas estejam deixando isso passar despercebidas ou não denunciadas.”
O Pe. Colin Jones, um estudante de 27 anos da Arquidiocese de Minneapolis-St. Paul, um lugar especialmente atingido pelos escândalos, reconheceu que isso é uma ferida.
“Dói muito ver esses mentores, essas figuras paternas caindo dessa maneira”, disse ele, insistindo que ainda há perguntas a serem respondidas antes que o “fechamento que todos querem” seja possível.
No entanto, Jones também enfatizou que a resposta está em voltar às raízes.
“Meu diretor espiritual ajudou muito”, disse. “Ele me forçou a perguntar: ‘O que é o sacerdócio? Em quem ele se foca? Não é este professor, ou o meu arcebispo, ou esses padres que eu admiro: é Jesus.”
Quando Ferme examina a paisagem, ele realmente vê o fogo debaixo das cinzas dos escândalos.
“Levando-se em conta onde a Igreja está agora, as pessoas realmente precisam ver que alguns estão dando tudo pela Igreja, suas próprias vidas, porque acreditam nisso e estão dispostas a fazer isso, não apenas pela Igreja, mas por todos os seus membros”, disse.
“Nesse sentido”, continuou, claramente ciente da ironia daquilo que ele estava prestes a dizer, “este é um grande momento para estar na Igreja”.
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Em seminário norte-americano em Roma, escândalos não estão dissuadindo os futuros padres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU