03 Mai 2019
"Celebrar a Páscoa judaica e cristã é cantar e dançar a ciranda da Ressurreição, da vida triunfando sobre a morte. Jesus foi condenado à morte, mas ele ressuscitou. Por isso o ideal de vida e liberdade para todos/as não morre", escreve Gilvander Moreira, Frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, assessor do Serviço de Animação Bíblica – SAB – e da Via Campesina em Minas Gerais.
É tempo pascal. Tempo de construir uma nova aurora em meio a tantas trevas. Por mais escura que seja a noite ela sempre anuncia uma nova aurora. O sentido da Páscoa não pode ser privatizado por expressões religiosas que desencarnam a fé cristã e amputam a dimensão social da fé. A fé na ressurreição de Jesus Cristo não garante apenas vida após a morte. É preciso não esquecer que a Páscoa Judaica, origem da Páscoa Cristã, diz respeito à libertação dos povos escravizados no Egito pelo imperialismo dos faraós. Por isso Páscoa envolve reunir os injustiçados, atravessar os “mares vermelhos”, marchar rumo à terra prometida – terra partilhada e democratizada – e, enfrentar os grileiros e especuladores de terra lutando para conquistá-la. A Páscoa cristã atesta que Jesus de Nazaré, mesmo sendo inocente e justo, foi condenado pelos podres poderes à pena de morte, mas ressuscitou. O sonho ensinado e testemunhado por Jesus jamais será sepultado.
Há quase 2.000 anos ecoa uma notícia revolucionária dada em primeira mão por Maria Madalena, “apóstola dos apóstolos”, mulher que amava muito, era muito solidária e lutava contra toda e qualquer injustiça. Irradiando alegria, a partir do túmulo de Jesus de Nazaré, Maria Madalena saiu correndo e anunciando por todos os cantos e recantos: “Jesus está vivo, ressuscitou!” Bateram em ferro frio os chefes dos podres poderes da religião, da política e da economia, ao pensar que condenando Jesus de Nazaré à pena de morte, poriam fim no movimento popular e religioso de fraternidade real, testemunhado e ensinado pelo Galileu da periferia da Palestina. Celebrar a Páscoa de Jesus de Nazaré é momento oportuno para revigorar nossa fé no Deus da vida, fé na humanidade, fé nos oprimidos, fé na mãe terra, na irmã água e fé em nós mesmos. É também momento propício para celebrarmos todas as lutas do passado e do presente. Lutas por direitos fundamentais. Lutas que demonstram que só perde quem não entra na luta coletiva por direitos ou da luta desiste. Quem persevera na luta dos Movimentos Populares conquista direitos, mas cedo ou mais tarde.
O Evangelho de Mateus diz: "Jesus foi ao encontro das mulheres e disse: "Alegrem-se! Não tenham medo. Vão anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão!" (Mt 28,9b-10). Meu colega frei Cláudio van Balen e eu afirmamos: “a partir do testemunho e da mensagem de Jesus de Nazaré, somos todos convidados a reconhecer o poder da ressurreição instalado no coração das pessoas e de todos os seres vivos. Todos nós pertencemos à ordem da transcendência, em que grandeza divina se faz nossa herança. Que neste tempo de Páscoa, todos nós renasçamos para a missão que Deus mesmo nos reservou: sermos portadores/as de vida plena”.
Oxalá o poder da ressurreição seja luz em nossos corações, à guisa de uma esperança anônima que nos faça aguardar a participação na plenitude do ser. Que, em meio ao claro-escuro, com recuos e avanços, com a aparente predominância dos podres poderes, nos dirijamos, no dia a dia, ao encontro que Deus e a dádiva da vida nos oferecem. Deixemo-nos contagiar por um júbilo oculto que nos torne vitoriosos, mesmo quando parecemos sucumbir. Somos muito mais fortes do que nossos limites e contradições. Possamos encontrar na ressurreição de Cristo e de tantas pessoas a felicidade de nossas existências. Seja essa a alegria capaz de abrir os túmulos de nossas angústias e medos. Como o mar não escapa das ondas que lhe são impostas, possamos reconhecer-nos debaixo do poder e da bênção de Deus que é mistério de infinito amor. Ele nos constituiu herdeiras/os de riquezas celestes, portadores de um destino infinito: “combater o bom combate e fazer a diferença”, sempre conspirando a construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver: justa, solidária, democrática, sustentável ecologicamente, plural culturalmente e (macro)ecumênica. Experimentemos esse poder de ressurreição até mesmo em nossas fragilidades, ambiguidades e contradições. O germe da vida vencendo a morte e do amor superando o egoísmo está em cada um de nós como a luz do dia, como o ar que respiramos, como a lei graciosa de um movimento que nos conduz e encanta.
Celebrar a Páscoa judaica e cristã é cantar e dançar a ciranda da Ressurreição, da vida triunfando sobre a morte. Jesus foi condenado à morte, mas ele ressuscitou. Por isso o ideal de vida e liberdade para todos/as não morre. Com a ressurreição de Jesus ficou decretado que as utopias jamais morrerão, os sonhos de libertação jamais serão pesadelos, a luta dos oprimidos e injustiçados será sempre vitoriosa (ainda que custe muito suor e sangue) e as forças da Vida terão sempre a última palavra. Por mais cruéis que sejam, todas as tiranias, opressões, corrupções e guerras passarão! As crianças e todos que se regem pela lógica do amor triunfarão. Se olharmos, com benevolência, em volta, veremos, surpresos, que os sinais de Páscoa – de vida e ética - superam os sinais de morte. Injustamente o que é alardeado aos quatro ventos pela grande imprensa – imprensa dos opressores – é o negativo, aquilo que, como ácido, corrói o tecido social.
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Tempo de Páscoa: as utopias jamais morrerão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU