08 Março 2017
As teses sobre o processo e condenação de Jesus de Nazaré é o tema do artigo de Carlo Nordio, publicado por Il Messaggero, 04 -03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, “pelo que sabemos de sua morte, só se pode concluir que foi submetido a um julgamento romano, por uma acusação romana e que foi condenado por um juiz romano, a uma pena exclusivamente romana, com um titulus de condenação (Iesus Nazarenus Rex Iudeorum) romano”.
Eis o artigo.
Para o crente, Jesus Cristo é o Salvador, o Filho de Deus. Para o historiador, é um profeta apocalíptico que pregou na Palestina na primeira metade do século primeiro, e morreu na cruz. Desde que, no século XVIII, Hermann Reimarus iniciou um estudo não confessional sobre a vida de Jesus, foram elaboradas sobre Ele as mais diversas teses, por vezes ousadas e até mesmo extravagantes. Bauer, Couchoud, Drews e outros sustentaram até que ele jamais existiu. Essa conclusão foi desprezada pela quase totalidade da crítica, e Bultmann disse que nem valia a pena discuti-la. No entanto, sempre pelo estrito ponto de vista histórico, existem poucas certezas a respeito de Jesus, fora da pregação e do fim. É nesse último ponto que as discussões têm sido mais acaloradas: quem foi o responsável por sua morte? Infelizmente, a primeira resposta foi falsa e cruel: foram os judeus. Uma boa parte do anti-semitismo nasceu justamente a partir desse preconceito infundado; e, ainda hoje, mesmo na tão civilizada França, existem sintomas alarmantes de sua persistência.
Antes de tudo, vamos apresentar uma consideração. A crítica neotestamentária nasceu na Alemanha, que ainda hoje detém o recorde de publicações e não mostra sinais de mudança. De lá, foi para a França, com Renan, Loisy, Goguel e Guignebert; em seguida, para a Grã-Bretanha e, por fim, para os Estados Unidos, onde, hoje, a discussão é intensa. Os judeus também deram sua contribuição, com Klausner e Montefiore. Mas, no vasto panorama, os italianos estão quase ausentes. Culpa do dogmatismo da Igreja? Talvez. Mas acho que é mais por sua própria culpa. Entre os italianos, esse tema não gera tabu: gera indiferença.
Vamos voltar à questão anterior. As principais teses são três. A primeira, como já foi dito, que os verdadeiros culpados foram os judeus. A segunda, que foram os romanos. A terceira, que a culpa foi de ambos: o Sinédrio como denunciante e acusador e Pôncio Pilatos, como juiz e executor. Vamos analisá-las.
Os Evangelhos não são - e a Igreja há pouco tempo já o admite - nem livros de história, nem registros judiciais. Por isso, é inútil perguntar-lhes um relato exato do julgamento de Jesus. Na verdade, os sinóticos contradizem-se em vários pontos, como no caso dos dois ladrões que insultam o crucifixo, do sonho de esposa de Pilatos e da intervenção de Herodes, entre outros; são narrados de forma distinta por Mateus, Marcos e Lucas, que concordam, no entanto, em um ponto: Jesus foi preso à noite por uma turba de judeus, que o levou imediatamente para o Sinédrio. (Lucas, no entanto, escreve: à casa do sumo sacerdote). João acrescenta que, juntamente com os guardas do Templo, havia uma coorte romana. Se foi assim, dever-se-ia admitir que os romanos também tomaram parte na captura, e que, portanto, Jesus já era suspeito de sedição, o único crime que aos agnósticos que ocupavam a Judeia poderia interessar. Afinal, se Jesus foi levado naquela mesma manhã diante de Pilatos para julgamento, isso significa que este já tinha sido avisado e estava pronto para processá-lo.
Essa, e outras circunstâncias, levaram a maioria dos críticos a concluir que a denúncia teria partido das autoridades judaicas, alarmadas pela atividade do pregador, que já se tornara conhecido pela expulsão dos vendilhões do Templo, e receosas de uma reação violenta por parte dos Romanos. A acusação de blasfêmia, motivada pela auto proclamação messiânica de Jesus, seria assim transformada em delito de lesa-majestade: enquanto a primeira era indiferente para os Romanos, esse último comportava automaticamente na crucificação. Embora os Evangelhos tendam a enfatizar a culpa dos sacerdotes (e até mesmo do povo) judeus e diminuir o papel de Pilatos, a sentença final, ainda assim, foi deste.
Essa tese intermediária, a mais plausível de fato, faz justiça às calúnias que durante séculos foram dirigidas contra os judeus como responsáveis por nada menos que o deicídio. O Concílio Vaticano II - depois de longa discussão - finalmente aboliu essa infâmia, que, infelizmente, custou tanto para Israel. A própria frase execrável "o seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" provavelmente sequer foi proferida.
Hoje, apenas Blinzler e alguns poucos apóiam a (quase) exclusividade da responsabilidade dos judeus. No entanto, como muitas vezes acontece, a um argumento extremo contrapõem-se outros ainda mais radicais. O mais inflamado foi defendido há alguns anos por um ilustre jurista de Jerusalém, Chaim Cohn, em um livro traduzido e comentado pelo prof. Zagrebelsky, onde se argumenta que o Sinédrio reuniu-se naquela noite fatídica não para condenar Jesus, mas para defendê-lo, ou, de qualquer forma, para dissuadi-lo de provocar os romanos, tentando assim salvar-lhe a vida. Inútil dizer que a tese foi posta de lado; mas isso demonstra como o tema dá vazão a fantasias.
Como mencionado, o mundo anglo-saxão acompanha a vertente alemã nessa incessante pesquisa. Infelizmente, na Itália, fala-se pouco: acredito que as obras de Winter e de Weaver nunca foram sequer traduzidas. No entanto, algo está se movendo. Numa louvável iniciativa, as editoras Paideia e Queriniana, cujos textos estão disponíveis nas livrarias paulinas, abrem espaço para quase todas essas teses, mesmo aquelas que algumas décadas atrás teriam sido consideradas heréticas. De fato, eu acredito que para o católico devoto pouco importe saber se Jesus foi morto pelos judeus, pelos romanos ou por ambos.
O que é essencial é que o seu sacrifício tenha cumprido o plano salvífico de redenção na cruz, independentemente da identificação dos responsáveis. Uma tese sábia e conciliadora, já basicamente enunciada anos atrás pelo então Mons. Ravasi justamente em resposta ao livro de Cohn.
Resta, no entanto, o julgamento da história. E é um julgamento muito prudente, porque a busca do Jesus histórico, como escreveu um século atrás Albert Schweitzer, resulta em um impasse. O grande médico teólogo consolou-se indo para Lambaréné para cuidar dos mais pobres entre os pobres, como Madre Teresa. Mas o problema existia e continua existindo, porque as certezas que temos sobre Jesus são muito poucas. E, pelo que sabemos de sua morte, só se pode concluir, com Guignebert, que foi submetido a um julgamento romano, por uma acusação romana e que foi condenado por um juiz romano, a uma pena exclusivamente romana, com um titulus de condenação (Iesus Nazarenus Rex Iudeorum) romano. Portanto, de um ponto de vista puramente histórico, a culpa de sua execução foi principalmente, se não totalmente, romana.
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A condenação de Jesus, um veredito romano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU