02 Abril 2019
A tese compartilhada pelos participantes do Congresso Mundial sobre a família em Verona é que a família seria um evento natural. Mas eram naturalmente estéreis as matriarcas (Sara, Rebeca, Raquel) e não era de forma alguma natural, como sabemos, o pai carpinteiro que assumiu a responsabilidade de criar o filho de Deus. O texto bíblico indica de forma forte que o mistério da geração da vida e de seu acolhimento, nunca possa ser reduzido materialistamente às leis da natureza, pois traz consigo aquele milagre da palavra sem o qual a humanização da vida seria simplesmente impossível.
O comentário é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 31-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que palavra? Aquela que realmente fomenta a vida, tornando-a digna de vida, instituindo-a como a vida de um filho. Aquela palavra que nomeia e reconhece em uma determinada vida não a manifestação anônima da natureza, mas uma vida humana, vida carregada por um nome próprio. O amor nunca é, de fato, amor genérico pela vida, mas é sempre o amor por um nome.
Sem o milagre da palavra que adota a vida do filho, não existe nem pai nem mãe, não existe aquela responsabilidade ilimitada que institui a parentalidade muito além das leis da natureza. É tão difícil de entender? Deveríamos realmente reduzir a força sublime desse extraordinário gesto de adoção, fruto do amor dos Dois, a um mero mecanismo de células, a uma engrenagem anônima da natureza ou a uma mera necessidade instintiva? Ou deveríamos realmente pensar que essa responsabilidade ilimitada é um privilégio exclusivo dos chamados pais naturais?
Mas não é justamente esse gesto de parentalidade um gesto que excede qualquer lei da natureza? Não é a força nua da palavra de Deus - de sua graça - que cura as matriarcas da esterilidade, possibilitando a filiação humana da vida? Podemos realmente pensar - realmente pensam isso os defensores da família natural - que a geração de um filho seja um evento da natureza, semelhante a uma chuva ou a uma folha de grama?
A vida humana não vive de instintos, mas se alimenta da luz da palavra. Um espermatozoide ou um óvulo não são suficientes para realmente gerar um filho, nem para criar um pai ou uma mãe. Há pais e mães naturais que abandonaram seus filhos, que nunca se tornaram pais, que não têm interesse algum pelas vidas dos filhos que geraram naturalmente. Há casais heterossexuais que não têm ideia do que seja o héteros, o respeito e a admiração pela diferença do outro que a lição do amor exige.
A heterossexualidade, dizia Lacan, nunca é reduzível a um dado de anatomia, mas é a postura fundamental do amor: é realmente heterossexual quem sabe amar o outro em sua diferença. Pode sê-lo ou não, com as mesmas possibilidades, uma lésbica, um homossexual ou um chamado heterossexual. É tão difícil de entender?
O que realmente faz a diferença é a lei do amor e não a lei da natureza. É o coração da pregação cristã. Onde esta Lei é operacional há respeito pelo héteros, pela diferença absoluta do outro; onde, ao contrário, esta Lei está ausente, há contestação, reivindicação, destruição do héteros. Há famílias que querem reivindicar o direito exclusivo do amor. Há quem pense que o anonimato da lei da natureza garanta uma boa parentalidade. Não se percebe o caráter toscamente materialista de tais posições? Na natureza, o instinto organiza a vida da cabeça aos pés.
Mas o mesmo vale para a vida humana? Existiria um instinto parental? Talvez presente em pais naturais e ausente em pais adotivos? Não deveríamos talvez aprender a raciocinar de outra forma? Pensar, por exemplo, que todos os pais naturais deveriam olhar aqueles adotivos para aprender o que significa doar a si mesmos em uma relação sem qualquer continuidade natural, sem espelhamento. É tão difícil entender que existe pai e existe mãe, que existe família não porque há continuidade de sangue ou diferença anatômica dos órgãos genitais dos pais, mas porque há doação, amor pelo héteros do filho, aceitação de uma responsabilidade ilimitada, experiência incondicional do acolhimento?
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A verdadeira lei do amor. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU