10 Fevereiro 2017
As exigências de Deus estão na medida de seu amor para conosco, conforme diz Jesus no evangelho. Ele sabe que somos capazes de ouvi-lo. Escutemos, pois, sem medo, porque somos livres. «Se quiseres, tu podes, depende de tua escolha manter-se fiel», lembra Ben Sirá, o Sábio. O Espírito que «esquadrinha tudo, até mesmo as profundezas de Deus» está conosco.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, comentando 6º Domingo do Tempo Comum A 17. A tradução é de Francisco O. Lara, Lara e José J. Lara.
1ª leitura: O Senhor "não mandou a ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar" (Ecl 15,16-21)
Salmo: Sl. 118(119) - R/ Feliz o homem sem pecado em seu caminho, que na lei do Senhor Deus vai progredindo!
2ª leitura: "Falamos da sabedoria escondida que, desde a eternidade, Deus destinou para nossa glória" (1Cor 2,6-10)
Evangelho: "Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo..." (Mt 5,17-37 ou 20-22.27-28.33-34.37)
À exceção do mandamento que prescreve “honrar pai e mãe”, ou seja, amar a vida que, atravessados pelo amor que vem de Deus, nossos pais nos deram, todas as outras prescrições do decálogo são proibições. É estranho, porque «a Lei e os profetas» podem enfim se resumir no duplo mandamento, positivo, de amar a Deus e ao próximo (ver, por exemplo, Mateus 22,37-39). Aquelas proibições enumeram as condutas que nos fazem sair do amor, mas não nos falam em como amar. O que, de fato, não é algo que se ordene: se eu amo por obediência, é a mim mesmo que eu busco, a minha perfeição, e não o outro. Quero ser irrepreensível. Há somente uma precisão positiva: amar ao próximo «como a si mesmo». Resta, contudo, saber quando e como amamos a nós mesmos verdadeiramente. Quanto a isto, podemos cometer muitos erros. Afinal, ficamos sabendo que amar-nos a nós mesmos consiste, na verdade, em dar a própria vida para que outros vivam, e que assim, aliás, é que nos tornamos verdadeiramente vivos. A Páscoa de Cristo é a revelação disto. No Calvário, do lado dos homens, a Lei foi violada e, do lado de Cristo, tornou-se obsoleta, foi superada. Resta-nos encontrar a maneira de «dar a própria vida». São as circunstâncias e os acontecimentos da nossa história que irão dizer. Ainda uma vez, vemos que não há modo de se prescrever como amar; cabe a nós descobri-lo, ao longo dos nossos encontros com os outros. Aí, então, estaremos para além da Lei, mas sempre em sua linha. Poderia se dizer que o amor nos dá comportamentos contrários às proibições da Lei, mas não é o bastante: os comportamentos são apenas a expressão exterior daquilo pelo qual somos habitados.
Há um contraste, porém: depois de ter-nos dito que nenhuma letra será tirada da Lei até que tudo seja cumprido, Jesus põe-se a agravar as prescrições. Não acrescenta nada a elas, mas passa dos comportamentos exteriores às disposições interiores que as comandam. Estes comportamentos proibidos pela Lei são de fato a expressão de uma perversão do amor em profundidade. Passa-se do «fazer» isto ou aquilo ao «sê-lo». Paulo vai falar em passar da Lei à fé. Neste novo regime, o que a Lei prescreve é mais bem-observado do que sob o antigo. Só que não é mais em nome da Lei que se age conforme o que ela exige, mas sob a regência da escolha de fazer o outro existir; ou de deixá-lo existir. Esta escolha não é totalmente espontânea. Sua origem não se encontra em nós mesmos: ela vem da acolhida em nós de um amor que vem dum outro lugar. É resultado desta nova Aliança, que vem substituir a que estava fundada na Lei e sob a qual era vivida. Mais tarde, ficamos sabendo que esta nova Aliança se conclui pelo acolhimento do Espírito, que é o próprio Deus infundido em nós. Mas, como não poderíamos ser semelhança de Deus se perdêssemos a nossa liberdade, não é de uma vez por todas que o Espírito vem tomar posse de nós. Ele nos é dado a cada instante, e a cada instante é que devemos identificá-Lo, oferecendo-Lhe a nossa adesão. Em três pequenas parábolas, a do «teu irmão que tem alguma coisa contra ti», a do processo iminente e a da ameaça de guerra, aprendemos que a reconciliação é mais importante do que o culto religioso e que a recusa em acabar com os nossos conflitos nos conduz finalmente à catástrofe. A vida está do lado do Amor.
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A lei do amor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU