20 Março 2019
Bolsonaro foi aos EUA com um pacote a oferecer a Donald Trump. Nele está o aluguel da base de Alcântara, que ainda depende de aprovação do Congresso, a isenção de vistos para turistas norte-americanos, o apoio na luta contra o Governo de Nicolás Maduro, sem falar na decisão brasileira de abrir mão do status de país em desenvolvimento nas negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). Em contrapartida, recebeu apoios público do norte-americano para entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e para receber o status de aliado preferencial fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) —talvez até mesmo dentro da organização, como afirmou Trump dizendo que "precisava falar com muita gente" a respeito. O resultado prático em relação aos potenciais avanços políticos e econômicos entre os dois países ainda divide opiniões.
A reportagem é de Regiane Oliveira, publicada por El País, 19-03-2019.
“Foi uma viagem simbólica, unilateral, em que o Brasil adere à agenda do Governo Trump”, afirma o ex-embaixador Rubens Ricupero. De acordo com ele, a visita será proveitosa apenas para a agenda interna de Bolsonaro — “dentro da linha que ele vem defendendo em relação a seus apoiadores, que têm uma mesma ideologia”—, mas sem nada de concreto. Ele afirma, no entanto, que o acordo sobre a base de Alcântara pode ter utilidade. “A base não está sendo usada, é útil, mas não é um grande resultado.”
Matias Spektor, professor e pesquisador de relações internacionais da FGV, no entanto, viu a viagem com mais otimismo. Em seu Twitter, afirmou que foi uma “vitória enorme para Bolsonaro”. “Foi o maior pacote de concessões já dado por um presidente americano a um colega brasileiro nos últimos trinta anos de democracia “, disse, em relação ao apoio a entrada na OTAN e na OCDE, ao acordo sobre a base de Alcântara, ao fortalecimento dos fóruns de Inovação e Energia, à parceria no combate ao crime organizado e à projeção de identidade internacional comum entre os países, com foco nos princípios de “fé, família e país”. Spektor destacou ainda que a visita vai provocar "repercussões para as relações do Brasil com a China e com o resto da América do Sul".
Já o Fabio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros na Universidade de Oklahoma, afirma que alguns aspectos positivos da visita só terão sua eficácia analisada com o tempo. “Algumas dessas coisas que Bolsonaro prometeu, como Alcântara, ainda têm que passar pelo Congresso. E quais condições políticas ele terá para cumprir essas promessas?” "Concessões em troca de uma reciprocidade assimétrica e difusa, na esperança de integrar a OCDE. Os diplomatas dos EUA devem estar eufóricos", escreveu Adriana E. Abdenur, coordenadora do Instituto Igarapé, que atua na área de segurança internacional e potências emergentes.
Um tema ainda em aberto é a cooperação a Casa Branca em relação à crise na Venezuela. O Brasil declarou que não quer intervenção militar, mas pede que o Exército venezuelano apoie Juan Guaidó na derrubada do Governo de Maduro. Nesta terça, ao lado de Trump, Bolsonaro evitou descartar um apoio à uma ação bélica, opção que é rechaçada pela ala militar do Governo. “Vamos ver se essa linha vai se manter”, diz Ricupero. A ONG de Direitos Humanos Conectas divulgou dura nota. “É grave quando o chefe de Estado brasileiro emite declarações ambíguas, em desacordo com a posição oficial do país. Essa atitude gera incertezas e mostra fraturas no núcleo central do governo pelo simples fato de estar diante do presidente de uma potência como Estados Unidos”, disse Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
Os Estados Unidos já haviam divulgado a intenção de conceder ao Brasil o status de aliado preferencial fora da OTAN (major non-NATO ally, em inglês). Atualmente, 17 países possuem este status, dentre eles Argentina. No ano passado, a Colômbia se juntou à Otan como parceira global. Na teoria, isto significa acesso especial a políticas de cooperação, transferência de tecnologia e recursos na área de defesa, além de vantagens em licitações para compras militares.
Na prática, no entanto, há dúvidas se este é o melhor caminho a ser seguido pelo Brasil. “Esta categoria reúne países que têm estado ao lado dos Estados Unidos em conflitos internacionais, como Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Japão, Israel e Egito”, afirma Ricupero. “Como a expressão indica, um aliado militar é alguém que vai apoiar os EUA em relação a inimigos comuns. E os inimigos dos EUA, hoje em dia, são países como Afeganistão, Iraque, Líbia, para onde estes aliados têm que se engajar, mandando tropas, apoiando decisões americanas em organismos internacionais”, explica.
Ricupero é taxativo: “O Brasil não tem este tipo de adversário. A agenda dos EUA é contra a China, Rússia, Irã, que são grandes clientes de exportações do Brasil”. Para o ex-embaixador não faz sentido do ponto de vista de segurança, uma vez que os problemas que os EUA estão envolvidos atualmente, como terrorismo internacional, não tem relação direta com o Brasil, mas também não faz sentido do ponto de vista político e econômico. “Teremos apenas perda de autonomia, porque sempre ser um aliado significa seguir os EUA nas posturas que eles adotam na ONU”, diz.
O Brasil formalizou em 2017, ainda durante o Governo Dilma Rousseff, seu pedido de adesão à OCDE, em continuidade aos primeiros acordos feitos no segundo mandato de FHC e ampliados durante a presidência de Lula (ainda que o Governo Lula tenha esfriado a aproximação por causa da ênfase na relação com os emergentes). A organização, formada por 35 países, tem como objetivo o desenvolvimento econômico das mais avançadas nações do mundo, embora países emergentes como México, Chile e Turquia também participem.
Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações Internacionais na FGV, listou na época do pedido de adesão, em artigo para o EL PAÍS, alguns potenciais benefícios da medida, como a obrigação do país de implementar mudanças legislativas para cumprir regras mais sofisticadas em termos de concorrência, transparência e tributação. “Para investidores estrangeiros, a adesão ao grupo significaria um selo de qualidade nas políticas públicas brasileiras, constituindo um passo importante para dar credibilidade à narrativa de que o Brasil está no rumo certo. É possível imaginar um futuro Ministro da Fazenda dirigindo-se a delegações estrangeiras e retratando o Brasil como o maior mercado emergente do mundo que cumpre os rigorosos padrões da OCDE”, escreveu.
Mas não faltaram críticas ao que chegou a ser chamado de entreguismo brasileiro ao “clube dos ricos”. E agora, com a decisão de Bolsonaro de dar continuidade ao projeto dos governos anteriores, estas críticas voltam à tona. “A OCDE é mais um think tank, que publica estudos, negociam regras sobre tributação, problemas de relação financeira. Entrar neste grupo significa ter que adequar legislação a essas regras. Para isto, muita coisa teria que mudar”, afirma Ricupero.
Sá e Silva também desconfia da medida. “Fazer parte de um clube com o qual talvez você não consiga cumprir com a exigências não me parece uma boa ideia. Quanto a expectativa de desempenho econômico melhor, me pergunto: os países têm sucesso comercial por que estão na OCDE, ou a OCDE foi formada por países com sucesso comercial? Em meio a economias altamente industrializadas e financializadas, o Brasil será o primo pobre, sem poder de decisão”, analisa.
De qualquer forma, o apoio prometido por Trump não será gratuito. Em Washington, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia afirmado que o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizier pedira, em contrapartida, que o Brasil saísse do grupo de países em desenvolvimento, favorecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) com vantagens e flexibilidade em acordos comerciais. A concessão acabou confirmada no documento final do encontro.
Durante a visita, Bolsonaro não poupou críticas a imigrantes irregulares, até mesmo brasileiros, e defendeu a construção do muro de Trump, na fronteira do México, justamente no momento em que entrou em vigor o fim do regime de cotas para veículos leves entre os países, previsto no acordo para livre comércio de automóveis e a integração produtiva entre os dois países, assinado em 2002.
Bolsonaro chegou a pedir desculpas pela declaração sobre os imigrantes brasileiros, mas, ainda assim, o discurso, cujo foco agradar Trump, pode criar problemas futuros para o Brasil. Segundo Sá e Silva, inicialmente, Bolsonaro foi percebido nos EUA como um quase Trump, mas essa imagem se deteriorou. “A elite norte-americana, mesmo a mais interessada em fazer negócios, desconfia um pouco dessa abordagem de guerra comercial adotada por Trump, que aposta mais nas relações bilaterais e um antagonismo em relação à China, à qual Bolsonaro dá eco. É um neoliberalismo dos anos 90 e parte do establishment teme isto”, afirma.
A aproximação com Trump e o discurso anti-imigração também deve afetar a percepção dos brasileiros. “Temos um fenômeno curioso na Costa Leste, em Boston, uma cidade progressista, que tem bastante brasileiros contrários a Trump, mas a favor de Bolsonaro, o que intriga os americanos”, conta Sá e Silva. Muitos saíram do Brasil em busca de segurança, mas estão à margem do sistema legal de imigração. “A aproximação de Trump e Bolsonaro deve aborrecer estas pessoas. Não vejo ganho em relação aos brasileiros que estão aqui, nem em relação a outros países. A posição de fechar fronteiras é malvista internacionalmente”.
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Bolsonaro e Trump em análise: concessões brasileiras, chancela e ganhos políticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU