16 Fevereiro 2019
O projeto de uma Unisinos virtual, digital, assenta-se sobre dois trilhos e exige uma reflexão aprofundada. De um lado, situa-se o trilho do uso. A ausência da tecnologia interdita toda e qualquer iniciativa do estabelecimento de um campus inteligente. Desse modo, a infraestrutura tecnológica deve ser atualizada. Os processos antigos devem ser superados. Mais ainda, os instrumentos devem deslocar-se da idade mecânica para aqueles compatíveis com a sociedade de conhecimento. A modernização dos instrumentos tecnológicos de informação e comunicação é o apanágio da nova era, adequando-se à realidade dos alunos que vêm à universidade.
O artigo é de Pedro Gilberto Gomes, vice-reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP, atualmente atua, também, como professor titular da Unisinos. É autor e organizador de diversos livros, dos quais destacamos 10 Perguntas para a produção de conhecimento em comunicação (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2013), Da Igreja Eletrônica à sociedade em midiatização (São Paulo: Edições Paulinas, 2010) e Filosofia e ética da comunicação na midiatização da sociedade (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006).
Segundo Joël de Rosnay, "os mecanismos de base epigenética, permitindo agir sobre a complexidade do nosso corpo, podem ser transpostos para a complexidade da sociedade na qual vivemos e trabalhamos. Com efeito, o DNA societal constitui-se de genes virtuais, os quais chamamos de memes, genes culturais transmitidos por mimetismo graças aos meios de comunicação, aos comportamentos coletivos e à utilização de utensílios numéricos interativos." [1]
Desse modo, levando em consideração a transposição do gene ao meme, da genética à mimética, a epigenética como uma ciência subjacente à genética, é possível chamar de epimimética, uma ciência subjacente à mimética, cuja função seria estudar a transmissão dos memes na sociedade. [2]
Na provisoriedade da reflexão e correndo o risco de uma defasagem epistemológica, é possível aplicar os princípios da epimimética à consideração da pedagogia jesuíta.
A Companhia de Jesus, desde a sua fundação por Inácio de Loyola no século XVI, afirma como dístico norteador de sua ação a epígrafe: "Tudo para a Maior Glória de Deus". Esta é a essência que dá vida à experiência da pessoa que a ela se sente chamada. Aqui se enraíza o sentido da vocação do jesuíta. A busca da maior glória de Deus expressa tanto o princípio como o fim da vida na Companhia de Jesus.
Para dar conta desse propósito fundacional, o jesuíta busca em tudo amar e servir, consigna que coloca em primeiro plano o amor que traz como exigência buscar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus com o imperativo de ser contemplativo na ação. Portanto, contemplação e ação, qualificam e dão sentido ao amor vivido pelo jesuíta.
A sequência do DNA jesuíta que vai do em tudo amar e servir à maior glória de Deus é composto por uma cadeia de genes expressa em valores fundamentais. Um olhar contemplativo mais atento, identifica que o jesuíta, fruto da experiência espiritual dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, é uma pessoa indiferente frente a todas as opções. Com seus afetos ordenados, ele se inclina para aquilo que melhor ajuda para que possa cumprir a missão que lhe foi confiada. Nesse propósito, encara a vida como um desafio que o impulsiona a identificar e a escolher as coisas tanto quanto ajudam para a missão a que foi chamado. Portanto, para a Companhia de Jesus, não há um carisma específico, uma atividade singular que esgota a totalidade do seu projeto religioso. Em suas ações, nos diversos trabalhos, o que orienta sua vida e opções é o objetivo de formar homens e mulheres para os demais, na dimensão e no horizonte da formação integral da pessoa.
Esse DNA, de certo modo atemporal, vertebra a vida do jesuíta. No entanto, a cada época, os genes que o compõem sofrem modificações que lhe permitem manter-se atual e em dia com o seu tempo.
Nesse rol, elenca-se a dignidade da pessoa humana, a transparência republicana, a equidade e a diversidade, a justiça socioambiental e a reconciliação. Ao mesmo tempo em que atualizam o DNA jesuíta, dão suporte para que ele mantenha a sua vigência. Esses são códigos sob o código genético que, modificados, não modificam nem transformam o DNA.
Nesse concerto, insere-se a questão da tecnociência, na sua relação com as humanidades. A humanidade vive a que se habituou chamar de sociedade da informação. As tecnologias digitais vieram para ficar, impondo a sua lógica de viver e atuar.
As novas gerações nascem com um smartphone na mão. Tudo é gravado, tudo registrado. Os sites de pesquisa e de relacionamento balizam a vida da juventude que não pode prescindir das tecnologias digitais.
Crescem e se desenvolvem os projetos de cidades inteligentes, as smart cities. A vida do cidadão está organizada em função dessas tecnologias. A configuração social dá-se em função e a partir do conceito de cidades inteligentes.
As Universidades são convocadas a se posicionarem frente a essa realidade e a ela se adequarem. Sua estrutura, seus processos, seus projetos pedagógicos, em suma, sua concepção de educação, são desafiados a encontrarem seu caminho ao coração dos jovens.
Na esteira dessa realidade e em analogia com os conceitos de cidades inteligentes, as chamadas smart cities, hoje ganha força a concepção dos smart campus. A universidade adota o uso das tecnologias digitais para acelerar, aprofundar a relação com a comunidade universitária. Grandes investimentos são realizados, no intuito de trazer a multissecular instituição para as exigências do século XXI. Sinalizações, câmeras, redes on line, WiFi começam a fazer parte da identidade mais profunda das Instituições de Ensino Superior. Aquelas que não se enquadrarem nesse ambiente correm o risco de estagnarem num passado idílico e de não receberem o reconhecimento da comunidade. O debate está instaurado.
Aqueles que possuem reservas quando ao ingresso definitivo nessa sociedade da informação, alegam que existem realidades mais profundas que não são contempladas com as tecnologias digitais. Nada substitui a presença, a participação tal como vem sendo feito até agora. Há, inclusive, o risco da perda da identidade individual, da privacidade das pessoas.
Nesse particular, encontram-se argumentos fundamentais a favor ou contra da utilização maciça das novas tecnologias e da necessidade de projetar a universidade na perspectiva de um mundo novo que surge. Os debatedores perfilam-se entre os mais renovados pensadores contemporâneos. A chamada inteligência artificial deixou de ser uma questão de ficção científica para ser uma realidade que se impõe cada dia mais.
A Universidade do Vale do Rio dos Sinos [3] não pode nem deseja ficar alheia a esse processo. Para ser uma universidade de pesquisa e estar em dia com o seu tempo, perfila-se entre as Instituições que colocam na sua carteira de investimentos a perspectiva de construir um smart campus. Aqui se enraíza o projeto estratégico da Unisinos Digital.
No entanto, tal sonho e projeto entranha desafios que devem ser enfrentados pela Universidade. Não basta investir maciçamente em tecnologia e no desenvolvimento (ou compra) de instrumentos ou aplicativos digitais. É insuficiente pensar que as tecnologias digitais são apenas instrumentos mais elaborados para serem usados no relacionamento com o aluno, potencializando a sua eficiência. Um smart campus é maior que o uso de dispositivos tecnológicos de comunicação e informação.
O projeto de uma Unisinos virtual, digital, assenta-se sobre dois trilhos e exige uma reflexão aprofundada. De um lado, situa-se o trilho do uso. A ausência da tecnologia interdita toda e qualquer iniciativa do estabelecimento de um campus inteligente. Desse modo, a infraestrutura tecnológica deve ser atualizada. Os processos antigos devem ser superados. Mais ainda, os instrumentos devem deslocar-se da idade mecânica para aqueles compatíveis com a sociedade de conhecimento. A modernização dos instrumentos tecnológicos de informação e comunicação é o apanágio da nova era, adequando-se à realidade dos alunos que vêm à universidade.
Não obstante, a tecnologia não é neutra. Não se está apenas diante de dispositivos tecnológicos sofisticados. O embarque no trem da tecnologia digital traz consigo um novo modo de ser e de pensar. Um campus inteligente não acontecerá com melhoramentos incrementais nos dispositivos tecnológicos de informação e comunicação. Ele será fruto da criação de um ambiente sistêmico e complexo em que todas as iniciativas sejam integradas, estabelecendo um novo modo de ser no mundo. No caso, um novo modo de ser universidade. Significa, outrossim, vir ao encontro do mundo já vivido pelo aluno e apresentar-lhe uma universidade que inaugura o futuro sonhado e construído.
Ao mesmo tempo em que as pessoas são imersas num mundo tecnológico que lhes dá o sentido da vida, são desafiadas a transformar esse mesmo mundo, propondo novos sentidos de ver, relacionar e de fazer a diferença.
Um campus digital não é fruto de uma universidade inovadora, mas consequência de uma universidade instituída num ambiente de inovação. A inovação não é consequência de uma ação, mas de imersão na própria inovação. A inovação conforma a universidade ao mesmo tempo em que é por ela conformada.
Joël de Rosnay fala da instauração de um cérebro planetário. Há uma complexidade do sistema global que está mais além do individual. Diz ele: "A partir de um certo grau, a acumulação das mudanças quantitativas conduz a mudanças qualitativas fundamentais." [4] [5]
Ele apresenta três olhares complementares para melhor destacar a relação entre ciência, tecnologia, sociedade e impacto sobre o homem: reticulação, co-evolução e conexão. Para ele, são palavras chaves na reflexão sobre o assunto.
A primeira engloba o papel do microcomputador na formação de redes planetárias de comunicação interpessoal.
A segunda se relaciona com os efeitos de sinergia que conduzem às evoluções tecnológicas convergentes.
A terceira, por sua vez, sublinha a importância das interfaces entre as máquinas e entre as máquinas e as pessoas. [6]
Ele completa, dizendo: "Do microcomputador à sociedade reticular, o homem terá, assim, dado um passo decisivo em direção à interconexão de seu próprio cérebro com o cérebro planetário." [7]
Consequência disso: "Devemos, portanto, transformar nossos sistemas de educação e de aprendizagem para preparar o futuro, tendo em conta a metamorfose do trabalho humano e da aceleração exponencial de nossa evolução científica e técnica." [8]
As tecnologias digitais, os smart campus, trazem no seu bojo essa mudança nas relações sociais, no modo de ser e de viver. Criam uma nova ambiência para além dos dispositivos tecnológicos.
Universidade Inteligente é um novo modo de ser e de viver a Universidade.
[1] DE ROSNAY, Joël. Je cherche à comprendre.... Les codes cachés de la nature. LLL Les Liens qui Libèrent, 2016, p. 20 (tradução livre minha).
[2] Cf. Idem ibidem.
[3] Do mesmo modo, deve-se afirmar de toda e qualquer Universidade que seja orientada pelos princípios da Companhia de Jesus.
[4] Cf. ROSNAY, Joël. Le cerveau planetaire. Paris: Olivier Orban, 1986, p. 18.
[5] Idem ibidem (tradução livre minha).
[6] Cf. Idem, p. 19-20.
[7] Idem, p. 30. Tradução livre minha.
[8] DE ROSNAY, Joël. Je cherche à comprendre.... Les codes cachés de la nature. LLL Les Liens qui Libèrent, 2016, p. 18 (tradução livre minha). No original: "Nous devons donc transformer nos systèmes d’éducation et d’apprentissage pour préparer l’avenir, en tenant compte de la métamorphose du travail human e de l’accélération exponentielle de notre évolution scientifique et technique."
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Modo de usar, modo de ser. A Epimimética Pedagógica da Companhia de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU