25 Agosto 2018
“Assistimos a uma mudança na configuração da territorialidade, vinculada ao processo de financeirização do sistema econômico. As grandes corporações determinam onde e como investir, o que subordina os poderes políticos estatais ao lobby empresarial e à pressão destas na hora de determinar suas políticas educacionais internas”, escreve Matías Caciabue, redator-pesquisador argentino do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), em artigo publicado por América Latina en Movimiento - ALAI, 23-08-2018. A tradução é do Cepat.
Com motivação pelo centenário do movimento da Reforma Universitária, transcorreu há uns dois meses a Terceira Conferência Regional de Educação Superior (CRES 2018), na cidade argentina de Córdoba, um megaevento promovido pelo Instituto de Educação Superior da América Latina e o Caribe (IEALC), um organismo regional da UNESCO que tem o objetivo de refletir e discutir, a cada 10 anos, qual é a visão de educação superior que rege no continente.
Esta terceira edição serviu, centralmente, para validar os consensos construídos nas Conferências anteriores: Havana (Cuba, 1996) e Cartagena (Colômbia, 2008). Em seu documento de encerramento, a CRES de Córdoba “reafirma o postulado da Educação Superior como um bem público social, um direito humano e universal, e um dever dos Estados”, ao mesmo tempo em que “o acesso, o uso e a democratização do conhecimento é um bem social, coletivo e estratégico, essencial para poder garantir os direitos humanos básicos e imprescindíveis para o bem viver de nossos povos, a construção de uma cidadania plena, a emancipação social e a integração regional solidária latino-americana e caribenha”.
A CRES em Córdoba marcou uma grande definição: a Universidade latino-americana não está disposta a implementar os consensos neoliberais sobre a educação superior. Isto significou referendar a posição tomada há exatamente 10 anos, quando o processo de integração regional transitava em um momento de maior fortaleza.
O neoliberalismo é a expressão cultural mais acabada de uma nova fase do capitalismo, marcada pelo domínio de uma oligarquia financeira global. Para dizer isso em números: em 2017, o 1% da população mundial se apropriou de 82% da riqueza socialmente produzida em escala planetária.
Este segmento populacional, que constitui uma classe capitalista de alcance transnacional, tem como base principal de sua acumulação a apropriação, controle e implantação do conhecimento estratégico. Surpreende, então, a visão acrítica sobre a globalização que impera nos documentos da CRES, um evento que supõe centrais as reflexões sobre a produção do conhecimento nas sociedades latino-americanas.
Nesse sentido, e frente a uma reflexão que deve transcender a CRES, nos propomos emitir uma série de pontos para a reflexão e o debate do que implica, nestes tempos, a globalização para nossos sistemas de educação superior, enquanto nova fase do sistema capitalista imperante em nível mundial:
Assistimos a uma mudança na configuração da territorialidade, vinculada ao processo de financeirização do sistema econômico. As grandes corporações determinam onde e como investir, o que subordina os poderes políticos estatais ao lobby empresarial e à pressão destas na hora de determinar suas políticas educacionais internas.
As universidades públicas são subfinanciadas ou são financiadas à mercê das pautas das grandes corporações ou do “financiamento internacional”. Sistemas de educação em plataformas virtuais que “formam sujeitos à medida” das necessidades pontuais do capital, que adotam de maneira acrítica a educação a distância, depauperam o trabalho docente e transferem a formação e a pesquisa científica-tecnológica do público-estatal ao privado-supranacional.
As empresas formam seus próprios trabalhadores de forma direta, sem a necessidade de títulos universitários, nem pós-graduações. Caso necessitem de pós-graduações, as únicas que valem são aqueles emitidas por seus elos centrais”, principalmente no atlântico norte (Harvard, Chicago, Londres, etc.).
As redes virtuais e as plataformas digitais são a nova forma de mediar e organizar as relações sociais, reconfigurando as formas de consumo, o reconhecimento social, os processos de educação, e até as atuações políticas coletivas (militantes de causas, não de projetos políticos). Isto dá marco estrutural à evidente crise no sistema de representação político institucional, e a montagem de uma ficcional “democracia global de mercado”. O capitalismo transnacionalizado conduz à construção de uma pequena burguesia “ilustrada” cada vez mais atomizada e desvinculada de suas realidades concretas (“classe média global”).
Cada vez mais, começam a desempenhar um papel fundamental como criadores de riqueza. As transformações neste âmbito estão ligadas à base material das novas tecnologias da informação e a comunicação. Cada vez são mais os contratantes e empregados que trabalham de forma remota. A venda de nossos conhecimentos, de nossos serviços, de nossos dados, de nossa força de trabalho, é cada vez mais internacional.
Sabemos que 2018 não é 2008. A validação na CRES dos acordos sobre educação superior elaborados em outro momento político regional fala da situação de “empate” que as forças populares têm em sua disputa com as fortalecidas forças da reação. A disputa existe. O observatório colombiano de universidades, de evidente traço pró-mercado, lamentava a oportunidade perdida na CRES 2018: “mais silêncios que aplausos e nenhuma aclamação após a leitura da Declaração de Córdoba, que não apresenta nenhum desafio, nem proposta nova substancialmente diferente das esboçadas na Conferência de 2008, em Cartagena. A situação política e fiscal da universidade pública argentina ofuscou a realidade de outros países, incluído o colombiano, cujos reitores participantes concluíram que, embora a Colômbia tenha dificuldades, há tempo superou a excessiva ideologização política e foram conquistados desenvolvimentos mais técnicos e de qualidade”.
Os ataques à educação por parte dos governos neoliberais começam pelo salarial e orçamentário, mas terminam na construção de um modelo de educação concorde às novas necessidades e requerimentos do capitalismo globalizado. Este é o horizonte conceitual da preocupante situação que atravessa o sistema de educação superior público argentino.
Universalizar a luta e o conhecimento são os objetivos centrais. Nessa direção, generalizar o debate e articular as forças populares são as tarefas urgentes que necessitamos realizar para transformar positivamente a educação superior, se a entendemos como ferramenta de libertação de nossos povos.
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A educação superior em um mundo globalizado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU