11 Janeiro 2019
O desenvolvimento social, cultural e político da Ásia depende em grande parte de como as tradições religiosas e comunidades deste continente saberão não só coexistir, mas também dialogar e cooperar. É o que afirma Benoît Vermander, professor de Ciências religiosas na Universidade de Fudan de Xangai, em artigo publicado por La Civiltà Cattolica, 07 e 08-01-2019, da qual reproduzimos alguns trechos. A tradução é de Luisa Rabolini.
No ano de 1546, aproximando-se das ilhas Moro no arquipélago indonésio, São Francisco Xavier escreveu aos seus coirmãos jesuítas que viviam na Europa estas frases: "As pessoas destas ilhas são muito selvagens e desleais. Cada uma destas ilhas tem a sua própria língua e existe uma ilha onde quase todas as aldeias têm uma língua diferente".
Três anos mais tarde, desembarcando no Japão, o mesmo Francisco Xavier observou, com algum alívio, que "em toda esta terra há apenas uma língua, e não é muito difícil de entender".
A descoberta do mundo linguístico do Sul da Ásia - especialmente do sudeste - por missionários cristãos, a partir do século XVI, foi para eles uma fonte de desorientação. Esta Babel linguística era vista como um obstáculo à evangelização e de alguma forma era associada ao "estado selvagem" dos nativos. Por outro lado, a unidade linguística - embora relativa - da China e do Japão era considerada uma prova de sua elevada civilização, mais disposta a acolher a fé cristã. Esta mesma diversidade linguística e cultural - cerca de 600 línguas e dialetos diferentes na Indonésia, 135 na Malásia - hoje poderia ser atribuída aos teólogos do Sudeste Asiático, como sua contribuição específica para o mundo cristão: os cristãos de tal território, de fato, ofereceram às suas respectivas Igrejas a multiplicidade de línguas, ritos e visões do mundo que provêm de seus países.
Em 1974, um importante livro, Waterbuffalo Theology (Teologia do búfalo da água, em tradução livre), escrito por Kosuke Koyama, um teólogo protestante japonês que trabalhava no norte da Tailândia, abria-se com a imagem de uma manada de búfalos pastando em um arrozal lamacento: "Os búfalos da água me fazem entender que devo pregar a esses camponeses a mais simples estrutura de frases e argumentação. Eles me lembram que eu tenho que abrir mão de todas as ideias abstratas e usar exclusivamente objetos que sejam imediatamente tangíveis".
Kosuke Koyama defendia o uso de uma linguagem figurada como uma maneira de evitar a abstração ocidental e, ao mesmo tempo, para retornar à essência da fé cristã e ao centro da vida das pessoas. As rãs das monções, o arroz grudento e as brigas de galos eram realidades que forneciam à comunidade metáforas semelhantes à linguagem e às intuições dos salmos judaicos. Koyama também criticava a "frieza" do vocabulário do budismo tailandês e o "calor" do registro lexical cristão. A ênfase colocada no desapego dos desejos e na libertação do sofrimento traduzia-se em um vocabulário específico, assim como a insistência na ardente "paixão" de um Deus que intervém na história.
Os missionários jesuítas, em particular, enfrentaram diretamente vários problemas linguísticos. Matteo Ricci - que esteve na China de 1583 até sua morte em 1610 - empenhou-se em redigir seus escritos apologéticos em um elegante chinês literário. Em 1615, os jesuítas obtiveram permissão do Papa para usar a língua vulgar na liturgia e traduzir a Bíblia para o chinês clássico. No entanto, eles não utilizaram tal permissão. Mesmo tentativas feitas no Japão durante o mesmo período fracassaram. De modo mais geral, se os escritos apologéticos e catequéticos nas línguas da Ásia oriental eram numerosos, as fontes oficiais do catolicismo ainda eram lidas em latim até meados do século XX.
Os missionários protestantes do Extremo Oriente valorizavam o encontro do cristianismo com as línguas orientais, especialmente através da tradução da Bíblia. Uma fase exploratória ocorreu entre 1800 e 1900, ou seja, durante o período em que as traduções do Antigo e do Novo Testamento foram concluídas em japonês e em chinês. Atribuir grande importância para a variedade do conhecimento linguístico do mundo, lembrar histórias de dificuldades, feridas, perdão, sobrevivência e esperança que moldaram as nações asiáticas e suas comunidades cristãs, estar atentos ao estilo da narrativa própria de várias culturas, tudo isso contribui para encontro entre a fé cristã e as várias narrativas religiosas da Ásia oriental. Palavras e conceitos tomam carne e sangue dentro do fluxo de uma história contada em diferentes línguas. O diálogo inter-religioso na Ásia tornou-se um compromisso a que nenhuma religião pode escapar, não só por razões espirituais, mas também para progredir rumo à reconciliação nacional e étnica, garantir a dignidade humana e enfrentar juntos os desafios globais (diálogo entre civilizações, ecologia, luta contra o consumismo, desenvolvimento de uma ética global).
Ao mesmo tempo, as novas diretrizes redesenharam em parte a orientação das religiões asiáticas e influem sobre as condições nas quais se desenrola o diálogo inter-religioso.
O "revivalismo" tornou-se uma tendência religiosa predominante na Ásia. O exemplo mais evidente - mas não o único - é fornecido pela nova vitalidade adquirida pelo Islã neste continente, bem como em outras partes do mundo. A Indonésia é a nação muçulmana mais populosa do mundo; o Bangladesh e o Paquistão têm uma esmagadora maioria muçulmana; a Malásia também tem uma maioria muçulmana, embora não tão pronunciada. A Índia tem uma forte minoria muçulmana e as populações muçulmanas estão nas regiões fronteiriças - mais expostas aos conflitos - das Filipinas, da Tailândia e da China. O problema é que essa "vitalidade" inclui uma série de fenômenos muito diferentes, que devem ser cuidadosamente distinguidos. Primeiro, encontramos uma espécie de atmosfera revivalista, que destaca o orgulho tanto religioso como étnico contra um fundo de sensibilidade pós-colonial, e uma doutrinação muito generalizada, que influencia a consciência de várias camadas da população em toda a Ásia.
Em segundo lugar, há movimentos marginais violentos, encorajados pelas redes internacionais, que provocam atentados e que atraíram a atenção de todo o mundo, dificultando o fortalecimento do diálogo. Em terceiro lugar, assiste-se a estratégias políticas que buscam impor e fazer respeitar as leis religiosas e o aparato estatal islâmico. Tais estratégias ameaçam o tecido do estado laico, que é uma característica da Ásia pós-colonial. Ao mesmo tempo, é importante notar que, desde 2001, as comunidades muçulmanas sofrem frequentemente de uma maior hostilidade e preconceito, especialmente em países onde são minoria; e esses preconceitos podem às vezes aumentar a violência e os comportamentos desviantes.
Em um contexto marcado por conflitos potenciais ou reais, os crentes não deveriam renunciar ao ideal de viver e rezar uns ao lado dos outros, como uma forma privilegiada de diálogo. Por outro lado, é razoável pensar que Deus esteja mais satisfeito com pessoas que rezam lado a lado do que com aquelas que se matam. A oração muitas vezes revela-se uma "força revolucionária" e crentes de diferentes religiões devem encontrar maneiras de rezar juntos em tempos e lugares de conflito, de desastres naturais, ou mesmo para estabelecer relações fraternas entre si. Em tal situação, embora isso possa parecer "idealista", não se pode ignorar a importância de uma abordagem espiritual, até mesmo "mística", para um entendimento inter-religioso. Ao mesmo tempo, é necessário abordar imediatamente a dimensão política dos encontros inter-religiosos. Os movimentos revivalistas étnico-nacionais e o despertar religioso são fenômenos relacionados entre si, porque os aspectos étnicos, partidários e religiosos muitas vezes se confundem.
O último ponto a ser incluído nesta agenda inter-religiosa é o compromisso de encarar a história de maneira sincera. Os encontros inter-religiosos e interétnicos podem ser favorecidos por narrativas compartilhadas ou, ao contrário, dificultados por narrativas conflitivas e divisivas. No entanto, quando estas últimas são honestamente reconhecidas, tais encontros promovem uma necessária cura da memória. Um verdadeiro diálogo inter-religioso depende de uma maior exploração da notável variedade de tradições culturais. Hoje, as intuições humanas e espirituais contidas nelas são apreciadas apenas no âmbito das tradições particulares de onde provêm; mas também podem ser melhor avaliadas através das leituras cruzadas e dos encontros. As novas interpretações que essa troca favorece alimentarão, por sua vez, os valores humanos e civis que o processo de desenvolvimento do continente asiático exige. O futuro da Ásia, por sua própria natureza, deve ser inter-religioso.
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O futuro da Ásia. No diálogo inter-religioso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU