24 Setembro 2016
A Cúria Geral da Companhia de Jesus em Roma (Borgo Santo Spirito 5) se encontra em plenas obras. Em outubro, inicia-se a Congregação Geral 36, convocada para escolher o novo Preposto Geral da Companhia de Jesus, e já começaram os trabalhos de preparação para organizar os distintos espaços. Até o próprio Pe. Adolfo Nicolás Pachón, atual Geral, teve que se mudar do quarto andar para o terceiro, para um pequeno quarto, esperando deixar Roma. Em sua carta de 20 de maio de 2014, já havia anunciado à Companhia “tenho convicção pessoal de que é meu dever dar os passos necessários para apresentar minha renúncia à Congregação Geral”. Naquela mesma carta, o Pe. Nicolás convidava a toda a Companhia a “entrar em um processo de profundo e autêntico discernimento espiritual sobre nossa vida e nossa missão”. E acrescentava: “Já que o Papa Francisco incitou à Igreja inteira a uma profunda renovação, olhando as grandes necessidades e esperanças da Igreja e do mundo, nós também podemos assumir com proveito seu convite”.
A entrevista é de Antonio Spadaro, SJ, Diretor da Civiltà Cattolica - Roma, publicada por Civiltà Cattolica, 10-09-2016. A entrevista foi publicada conjuntamente pelas revistas de cultura dos jesuítas na Europa como fruto de um projeto comum. A tradução do italiano para o espanhol é de Luis López - Yarto, SJ. secretário da Assistência Meridional da Companhia de Jesus (Espanha, Itália e Portugal). A tradução do espanhol para o português é de Vanessa Perius.
Adolfo Nicolás Pachón nasceu em Villamuriel de Cerrato, em 29 de abril de 1936. Foi eleito Geral em 19 de janeiro de 2008 como sucessor do Pe. Peter Hans Kolvenbach. Sua vida está profundamente vinculada ao continente asiático. Entrou na Companhia de Jesus, na Espanha, no noviciado de Aranjuez, e foi ordenado sacerdote em 17 de março de 1967, em Tóquio, onde ensinou Teologia sistemática como professor da Sophia University a partir de 1971.
Em 1978 vai para as Filipinas, onde se torna Diretor do Instituto Pastoral da Manila, exercendo o cargo até o ano de 1984. Sua formação teológica se desenvolve entre Madri, Tóquio e Roma. A Companhia lhe permitiu viver uma ampla experiência de governo, primeiro como Provincial do Japão, em seguida como Presidente da Conferência de Provinciais da Ásia Oriental e Oceania. Mas foi encarregado de realizar outros trabalhos em diversas nações, como Austrália, China, Japão, Coreia, Micronésia, Myanmar e Timor-Leste.
Ao chegar – um pouco adiantado – ao terceiro andar, seu secretário pessoal, o Pe. Gian Giacomo Rotelli me avisa que o Pe. Nicolás tem um encontro com alguns provinciais. Justamente na hora em que havíamos marcado nossa entrevista, vejo-o sair sorridente, como quase sempre o vi. Convida-me a entrar neste novo escritório dele, que tem todo o aspecto de algo provisório. Sento-me diante dele e falamos de inúmeras coisas, do momento atual, do Papa, etc. De modo que a entrevista começa com grande simplicidade. Suas respostas são quase sempre breves, principalmente no início, como se cada palavra tivesse seu peso, e, acima de tudo, com uma serenidade interior que sabe olhar para o passado e para o futuro sem sombras.
Eis a entrevista.
Padre, qual é seu estado de ânimo ao chegar ao final de seu trabalho como Superior Geral?
O de sempre ao final de uma missão. Deixei de ser útil e, com toda paz, posso começar a pensar em que outra coisa posso fazer.
Quais foram os momentos mais significativos para a Companhia durante os anos de seu generalato?
Os sínodos, a abdicação do Bento XVI, a eleição do Papa Francisco. Como sempre, não existem momentos “nossos”; são os importantes momentos da Igreja.
Durante sua experiência como Superior Geral talvez tenha podido avaliar a “situação” da vida religiosa de hoje. Em sua opinião, hoje, que “situação” é esta? Nota alguma mudança em comparação a quando foi eleito? Nota sinais de cansaço e tibieza, ou percebe claros sinais de esperança?
Não notei mudanças. A vida religiosa vai bem, e existe um grande desejo de servir à Igreja e de responder generosamente aos novos problemas de nosso tempo. Criou-se também uma nova esperança em torno do Papa Francisco, que nos conhece muito bem e conhece o lugar que ocupa e a missão que a vida religiosa tem na Igreja.
O Papa Francisco disse que os religiosos são pecadores e profetas. Como você interpreta suas palavras? Para um religioso, é importante sentir-se pecador? O que significa hoje ser profeta? Ele diz que o profeta "gera conflitos", o que é isso?
Para um religioso, é importante sentir-se pecador. Não somos nem melhores nem piores que outros cristãos; por isso não podemos julgar os outros. Possivelmente, no passado, sempre que nos considerávamos melhores, descobríamos pecados ocultos ou ocultados que nos humilhavam. Pensamos, com ele, que uma Igreja que julga aos demais está demonstrando pouca sabedoria e usurpando o lugar de Deus, único que vê nos corações.
Sobre a profecia, me atreveria humildemente a fazer uma distinção: há um trabalho profético da Igreja e que cabe aos que têm fé. A isto se refere tudo o que o Papa Francisco diz sobre a profecia: que “gera conflito”, que cria uma certa confusão e faz pensar.
Há outro trabalho que se dirige aos que não têm fé. Para estes, a profecia tem pouco sentido. A eles, entretanto, é preciso que lhes chegue o testemunho de uma sabedoria distinta, humanista, evangélica, capaz por si só, de fazer refletir e introduzir na alma o despertar do “será verdade?” “É mais humano, mais autêntico?”. Esta é a função dos religiosos em muitas situações, tanto fronteiriças como além das fronteiras, em um mundo que ignora nosso sentimento comum.
Mas hoje em dia, qual seria a linguagem profética?
Sempre me impressionou que o profetismo de Israel tenha chegado a seu fim. No livro de Daniel, denuncia-se o fato de que já não exista profetismo em Israel. Em busca de razões, a única plausível é que, durante o exílio, as pessoas perdem a fé. Já não há fé em Israel. Somente uma pequena parte mantém a fé. O profetismo pode dar-se unicamente no seio de uma comunidade de fé. E muitos religiosos vivem uma situação de fronteira ou em ambientes sem fé. Que linguagem seria adequada para tais ambientes? É interessante observar que, quando desaparece o profetismo, emerge a sabedoria como a nova linguagem de Deus. Talvez seja isso o que a Europa que perdeu a fé necessite, a linguagem da sabedoria. Talvez necessitamos de uma nova linguagem que use a sabedoria dos sábios, ou a sabedoria do povo, para falar uma língua que o mundo seja capaz de entender.
E esta sabedoria, ajuda a estar na periferia, nas fronteiras?
Sim, e temos que aprender uma nova maneira de contemplar o mundo, de ver as coisas, para poder falar: ir às fronteiras e ver como vivem esses outros que estão do outro lado delas pode, às vezes, implicar um esforço. Mas é ao mesmo tempo muito interessante e atrativo porque há sempre coisas boas nas demais pessoas, nas outras religiões. Esta é a razão pela qual fazem falta pessoas de fé muito profunda, bem enraizada e cultivada, para ir às fronteiras. Pessoas capazes de falar com sabedoria, capazes de se fazer ouvir.
Você viajou muito e tem uma visão ampla do mundo. Quais são, para você, os maiores desafios do mundo de hoje?
Tentando responder à pergunta de por que são tão poucos os japoneses que se fazem cristãos, um bispo japonês costumava dizer: "Jesus disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida". A maior parte das religiões asiáticas são religiões ou espiritualidades do caminho: xintoísmo, confucionismo, budismo, kendo, aikido, etc. E, no entanto, a maior parte dos missionários ocidentais vieram a pregar e a falar da verdade. Na realidade, não se deu um verdadeiro encontro com o Japão. Quanto mais viajo pelo mundo, mais penso que aquele bispo tinha razão: a Ásia é o caminho. A Europa e os Estados Unidos se preocupam com a verdade, a África e a América Latina são vida e mantêm vivos os valores que em outras partes do mundo foram esquecidos (a amizade, a família, os filhos, etc.).
Para os jesuítas é significativo que - se não me engano - Santo Inácio se interessasse mais pelo caminho, ou seja, por como crescer e se transformar em Cristo, do que por outros aspectos. O desafio para nós, cristãos, reside na necessária sensibilidade de todos os continentes para obter a plenitude de Cristo, que ao mesmo tempo é nossa plenitude de ser humano. Esta visão palpita em muitas palavras do Papa Francisco em favor de migrantes e refugiados.
Para você, a Companhia fez dela os problemas do nosso tempo? Como avalia o estado atual da Companhia em sua tensão apostólica?
Penso que os jesuítas, como todos sabem, embora não estejamos livres de defeitos, atravessamos um bom momento apostólico e estamos presentes em coisas importantes, como a pobreza, a exclusão, uma educação de qualidade para todos.
Você sente grande afeto pelo Japão. Hoje o que pode nos ensinar a missão nesse grande país, nessa cultura?
A sensibilidade musical. Os japoneses são um dos povos mais musicais do mundo. A religião se parece muito mais ao sentido musical do que a um sistema de ensinamentos e explicações racionais. Os japoneses, em grande parte graças a suas raízes budistas, possuem uma profunda sensibilidade, uma grande abertura à dimensão da transcendência, a gratuidade e a beleza que subjazem a outras experiências humanas. Mas, naturalmente, trata-se de uma sensibilidade que hoje se encontra ameaçada pela mentalidade estritamente econômica e materialista, que impede de alcançar dimensões mais profundas da realidade. A missão no Japão e na Ásia pode hoje nos ajudar a descobrir ou redescobrir a sensibilidade religiosa como sentido musical, como consciência e valorização de umas dimensões da realidade que são mais profundas que a religião instrumental ou que as concepções materialistas da vida.
Porém tudo isto tem a ver com a educação: educa-se o sentido musical, educar-se-á também o sentido religioso. As instituições da Companhia têm um papel nisto?
Seria uma tragédia se nossas instituições educativas se limitassem a insistir na racionalidade e na auto-compreensão do ser humano, em um mundo como o nosso, secular e materialista. As razões para empreender um processo de formação educativa são de índole totalmente diversa. Não embarcamos na tarefa de instruir para obter prosélitos, e sim para conseguir transformar as pessoas.
Queremos formar um tipo novo de humanidade que seja, por assim dizer, radicalmente musical, que mantenha a sensibilidade para a beleza, a bondade, o sofrimento dos demais e a compaixão. Oferecemos uma educação cristã porque estamos convencidos de que Cristo apresenta horizontes que vão além dos limitados interesses da economia ou da produção; que Cristo oferece uma visão mais plena da humanidade, que leva a pessoa além de si mesma por meio da dedicação aos outros e da preocupação com eles; que Cristo oferece não só informação, pois de informação o mundo está já saturado, mas sim uma sabedoria profunda. A universidade - e a Companhia tem muitas no mundo - é uma instituição social com uma função específica a serviço da sociedade, de seus valores, de seus horizontes e de seus ideais.
Você é europeu, mas viveu muito tempo na Ásia, e voltará para lá quando deixar seu cargo atual. O que representa a Ásia para a Igreja de hoje, e também para o mundo?
Uma fonte de esperança. A Ásia é diferente, e possui as fontes de sabedoria mais antigas da humanidade. Se Deus esteve presente em alguma parte do mundo, se "trabalhou e laborou", como diz Santo Inácio, na verdade, o fez de modo particularmente eficaz na Ásia. Vimos seus frutos quando aconteceu o grande terremoto, seguido do tsunami e a ameaça atômica, ao norte de Tóquio. Jamais o mundo tinha testemunhado tanto autocontrole, tanta solidariedade e tanta entrega como naquela ocasião. E o impressionante foi que não acontecia como fruto de um esforço politicamente orquestrado, e sim da reação espontânea de um povo educado, geração após geração, nesses valores dos quais o mundo inteiro foi testemunha, foi dito ao mundo algo significativo: uma mensagem profética.
Passemos à Europa. Como vê a situação da Igreja na Europa? Quais problemas e tensões principais se vive neste continente? Que perigos é necessário evitar?
Não sou perito em questões europeias, e a Europa ocupa uma parte muito pequena no mundo, ainda que importante. Julgo, portanto, muito difícil responder a esta pergunta. Os que mais entendem disso falam de secularização, de crise de sentido e de esperança, de falta de alegria; e acrescentam os mesmos problemas que, infelizmente, afetam também outros lugares, como a pobreza, a desocupação ou a violência, entre outros aspectos.
Surge com força o problema das migrações. Que perspectiva seria a correta para entender este fenômeno?
A do Papa. Existe uma situação de sofrimento e de exclusão; mas para nós, como humanos, são possíveis a solidariedade e a compaixão. Temos que nos deixar afetar pela situação e buscar juntos uma solução futura que ajude a todos de verdade. Contudo, perante soluções parciais desejamos compartilhar o que temos. Enquanto não conseguimos uma solução completa e definitiva, podemos compartilhar.
Embora devo dizer que nenhuma destas soluções resulta em uma resposta fácil. Não podemos esquecer nunca que as civilizações se comunicam entre elas graças aos refugiados e aos migrantes. O mundo que conhecemos foi se formando deste modo. Não é que umas culturas foram se somando a outras, mas se deu um verdadeiro intercâmbio entre elas. Com as religiões aconteceu o mesmo. Os imigrantes nos trouxeram um mundo sem o qual nos encontraríamos limitados na própria cultura, convivendo com os preconceitos e as limitações. Todo país corre o risco de fechar-se em horizontes muito estreitos, extremamente pequenos, enquanto que, graças a eles, nosso coração encontra uma forma de abrir-se; inclusive todo um país pode abrir-se a uma nova dinâmica.
Mas isto não implica uma visão diferente do mundo?
Temos que começar a conceber a humanidade como uma unidade e não como um conjunto de países separados uns dos outros por suas tradições, por suas culturas e por seus preconceitos. É necessário pensar em uma humanidade que necessita de Deus, que necessita de uma profundidade que só pode vir da união de todos.
Com a encíclica Laudato Si', o tema da ecologia se tornou parte integrante da Doutrina Social da Igreja. A Companhia, nestes últimos anos, levou muito a sério este desafio. Qual foi sua reação pessoal perante esta encíclica?
Acredito que a intervenção do Papa Francisco foi muito oportuna e que o tema não podia esperar mais. Era realmente muito urgente. Necessitávamos de uma nova tomada de consciência para acolher de modo positivo as iniciativas a favor da proteção da criação que estão surgindo por toda parte. Definitivamente me impressiona o modo como o Papa relaciona a natureza com os problemas dos pobres, que são os primeiros que sofrem suas consequências.
Durante seu generalato, foi eleito o primeiro Papa jesuíta da história. O que sentiu em seu interior ao inteirar-se da notícia? O que significa para a Companhia ter um Papa jesuíta? Se a Congregação Geral aceitar sua renúncia, não lhe ocorre que escolher um Geral da Companhia tendo um Papa jesuíta pode gerar uma situação interessante e muito especial? Em que sentido seria?
Antes de mais nada, para os jesuítas era impossível pensar que um dos nossos fosse eleito Papa: duzentos anos depois da supressão e vinte e cinco depois de uma intervenção papal no governo da Companhia. Tendo já acontecido o improvável, a eleição de um Superior Geral sob o pontificado do Papa Francisco, sendo ele mesmo jesuíta e, portanto, bom conhecedor da Companhia, adquire um significado especial. Devo dizer que se mostrou muito respeitoso com as Constituições e em sintonia com o modo de proceder da Companhia do Jesus, que é o seu.
O Papa Francisco, durante a entrevista que me concedeu em 2013, dizia-me que "o jesuíta deve ser uma pessoa de pensamento incompleto, de pensamento aberto". Para você, o que significa isto?
Significa algo muito importante e profundo. No fundo está a consciência, que às vezes esquecemos ou a temos ofuscada, de que Deus é um mistério, ou melhor, é "o mistério dos mistérios". Está claro que se acreditamos nisso, não podemos nos considerar donos da última palavra sobre Deus nem sobre nenhum dos mistérios dos quais nos deparamos: a pessoa humana, a história, a mulher, a liberdade, o mal, etc. Nosso pensamento é sempre um pensamento "incompleto", aberto a novos dados, a novas formas de entender, a novos julgamentos sobre a verdade. Temos muito o que aprender com o silêncio da humildade, com a singela discrição. O jesuíta, como disse uma vez na África, deve cheirar a três coisas: a ovelha, isto é, ao que vive sua gente, sua comunidade; a biblioteca, ou seja, a reflexão em profundidade; e a futuro, quer dizer a uma abertura radical à surpresa de Deus. Acredito que estas coisas podem fazer do jesuíta um homem de pensamento aberto.
Que posição ocupa a Eucaristia e os sacramentos na vida do jesuíta?
Pelo que compete à Eucaristia, temos insistido tanto e tantas vezes na presença real, que esquecemos muitos outros aspectos que têm a ver e que afetam a nossa vida ordinária. A Eucaristia é um intercâmbio de dons: recebemos pão como alimento cotidiano, tomamos uma porção deste pão e o oferecemos a Deus. O Senhor transforma este pão e nos devolve. Isto faz da Eucaristia um intercâmbio de dons que jamais cessa, e que pode mudar nossa vida. A Eucaristia nos ajuda a ser generosos e abertos. Santo Inácio vivia esta realidade, e tomava algumas de suas decisões mais importantes durante a celebração da Eucaristia. Impressiona-me o modo de celebrar do Papa Francisco: com calma, com dignidade, com um ritmo que convida à meditação e à interiorização. É assim que um jesuíta celebra.
Na homilia que teve na Igreja del Gesù em 3 de janeiro de 2014, o Papa Francisco disse: "Somente quando se está centrado em Deus se pode ir às periferias do mundo". Para você, quais são estas "periferias" hoje?
Sempre estive convencido de que os problemas da Companhia de Jesus são os problemas da humanidade, ou seja, a pobreza, o desemprego, a falta de sentido, a violência, a ausência de alegria. A pergunta que nos fazemos é a seguinte: como confrontar estes desafios? E aqui entra o fator total, o fator religioso, que leva consigo o colocar o "outro" em primeiro lugar, com esse tipo de desprendimento que permite ir além de onde perdemos nossa habitual segurança.
Você viveu pessoalmente os dois Sínodos sobre a Família. Encontrou diferenças com o Sínodo anterior do qual havia participado?Quais? Como julga, em geral, a experiência sinodal que viveu?
Acredito que a experiência sinodal mudou muito. Antes dos Sínodos da Família, participei no da Nova Evangelização. Aquele se desenvolveu com normalidade e se chegou às recomendações finais sem tensões e sem grandes iluminações. Suas limitações nasceram do fato de que se falou de nova evangelização sem mencionar que os êxitos e os fracassos da "velha" evangelização podiam contribuir.
No Sínodo da Família, pelo contrário, desde o primeiro momento se notava que o tema afetava a todos, e que cada um estava convidado a contribuir com as melhores reflexões. O próprio Papa disse que o Sínodo não desejava avançar sozinho, e sim com os bispos. Não há a menor dúvida de que o Papa pode proceder sozinho, num ritmo mais rápido, e tomar umas decisões que serão sempre bem acolhidas pela Igreja. Mas não quis fazê-lo precisamente para dar mais valor à contribuição do conjunto.
Portanto é uma pena que não receba o mesmo respeito por parte de alguns que, na Igreja, ocupam postos de autoridade para guiar os fiéis com sua palavra e com seu exemplo.
Com o Amoris laetitia nasceu claramente a necessidade de fazer um "discernimento pastoral" levando em conta as circunstâncias. O discernimento é um dos pilares da espiritualidade inaciana que impede que se tenha respostas preestabelecidas e prescinda da história concreta das pessoas. Mas, o que é o discernimento?
É importante dizer que é considerado um enorme privilégio participar de um Sínodo de bispos sem ser bispo, e havendo umas Constituições em que se diz que nossa vocação exclui a possibilidade de sê-lo. No entanto, na formação dos sacerdotes existem algumas carências. Em primeiro lugar, falta uma leitura mais exigente do Novo Testamento. Para que o magistério do Papa seja uma realidade viva, é preciso fazer da formação do clero “uma formação para o discernimento”. Santo Inácio chegou até a profundeza em seu discernimento, quando ajudava os demais, esforçando-se em saber quando se tratava de uma verdadeira ajuda e quando não era.
O Papa Francisco gosta muito da máxima “Non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo, divinum est”. Para você, o que significa este célebre epitáfio sepulcral de Santo Inácio?
Há várias teorias sobre o texto e sobre sua interpretação; para mim é um elogio da liberdade interior, da qual Santo Inácio tinha de sobra. Nós não tentamos copiar sua obra, nem sua grandeza, e muito menos sua repercussão social. A única coisa que nos importa é a vontade de Deus, e a pessoa humana é bastante capaz de fazê-la sua, de sentir-se satisfeito de conhecê-la e de realizá-la. Ninguém pode pretender conhecer a vontade de Deus com certeza. Todos estamos em busca e sempre obrigados a discernir onde está a vontade de Deus.
O que você espera, pessoalmente, da Congregação Geral? Que desejos pessoais tem?
Primeiro que se escolha um bom Superior Geral, algo não muito difícil considerando que a Companhia sobreviveu ao meu generalato. Espero que a Congregação identifique como melhorar nosso trabalho à Igreja e ao Evangelho "a serviço das almas", como iria querer Santo Inácio. Por isso meu desejo é que o fruto da Congregação seja uma melhor vida religiosa no espírito do Evangelho e uma renovada capacidade de imaginação. Os tempos mudaram desde a Congregação anterior. Precisamos de audácia, fantasia e valentia para encarar nossa missão como parte da mais ampla missão de Deus em nosso mundo. Espero também que o Papa se dirija à Congregação e lhe apresente seus sentimentos e suas preocupações.
Você, assim como o Pe. Kolvenbach, deixa seu ofício. Isso significa que terá que mudar a norma do cargo ad vitam, tendo decidido também Bento XVI renunciar ao ministério de Pedro?
Eu pensava o mesmo, mas o Papa Francisco me fez pensar que ainda há espaço suficiente na legislação da Companhia para que nosso trabalho seja concluído como os três últimos Gerais procederam. O Papa nos sugeriu, inclusive, que seria o bastante se os quatro Assistentes escolhidos para isso adotassem um papel mais ativo, sugerindo ao Geral que apresente sua demissão. Nos dias de hoje, com os progressos da medicina e a prolongação da vida, um grupo com vontade de servir e que necessita de agilidade de movimentos não pode se permitir três ou cinco últimos anos de debilidade de seu Superior Geral.
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Despeço-me do Pe. Nicolás porque já é hora da refeição. Paramos na porta. Noto que há algo que ainda retém sua atenção: a pergunta sobre o profetismo e a sabedoria. Diz-me que este tema lhe ocupou interiormente inclusive na oração. Hoje, em um mundo que perdeu a fé, Deus ainda se mantém ativo e trabalha. Mas, como falar dele? A linguagem da missão é a linguagem da sabedoria, fruto de um pensamento aberto e incompleto, e de uma fé capaz de reconhecer o Senhor onde Ele quer ser encontrado, não onde nossa rotina o busque. Observo nesta afirmação uma sintonia profunda entre o Papa e o Geral. Talvez será precisamente o marco quando se realizar a entrega do testemunho de um padre Geral ao seguinte.
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'A Ásia é o caminho'. Por um tipo novo de humanidade que seja radicalmente musical. Entrevista com o Pe. Adolfo Nicolás, Superior Geral da Companhia de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU