09 Janeiro 2019
Nova Zelândia e Alemanha tiveram manifestações antifascistas neste início de ano, de olho na nova gestão em Brasília; movimentos sociais e ONGs demonstram indignação com Medidas Provisórias, mas também cautela.
A reportagem é de Leonardo Fuhrmann e Bruno Stankevicius Bassi, publicada por De Olho nos Ruralistas, 08-01-2019.
A primeira semana do governo Jair Bolsonaro foi marcada por retrocessos e anúncios de reviravoltas em direitos da população do campo, em especial dos povos originários e tradicionais. Mas a reação da sociedade civil, por enquanto, tem sido majoritariamente epistolar: notas com “repúdio” às medidas, manifestos, cartas. No máximo, das ONGs aos movimentos sociais, foram feitas algumas representações ao Ministério Público Federal.
A retirada do poder de fazer demarcações e licenciamentos da Funai, a redução da autonomia do Incra e a extinção do Consea encontram-se entre essas medidas. Aliadas dos povos do campo, as organizações não governamentais também passarão a ser monitoradas pela Secretaria de Governo. Essas mudanças foram apresentadas em medidas provisórias. O Incra também suspendeu, por tempo indeterminado, todos os processos de aquisição de terras para camponeses.
Embora o desmonte da estrutura de proteção aos trabalhadores rurais seja rápido, as medidas são compatíveis com as promessas de campanha de Bolsonaro e com as suas declarações depois de eleito. Mesmo sem poder alegar surpresa com os anúncios do governo, os movimentos sociais ligados a esses grupos reagiram na primeira semana do ano mais com palavras do que com manifestações de rua.
Os funcionários da Funai, por exemplo, divulgaram uma nota em que criticam o desmonte da política indigenista. Eles dizem que nem os povos nem os indigenistas foram consultados sobre a mudança. Em nota, o Cimi considera que a medida fere os artigos 231 e 232 da Constituição. Indígenas capixabas também anunciaram que vão lutar pelos seus direitos. Eles prometem resistir. Uma das questões é: como?
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) buscou a via judicial para tentar evitar a perda de autonomia da Funai. Entrou com uma representação no Ministério Público Federal para tentar reverter a medida. A mesma medida foi tomada por líderes indígenas de Roraima. Ao longo dos últimos dias, este observatório – que inaugurou no dia 1º a editoria De Olho na Resistência – mostrou que, para entidades do setor, a mudança deve paralisar a demarcação de 232 terras indígenas e 230 territórios quilombolas.
Em outra frente, organizações indígenas do Acre protocolaram nesta segunda-feira (07/01) no Ministério Público Federal uma ação questionando outra proposta do governo federal, que pretende abrir as terras indígenas para a exploração agropecuária. A ação também questiona a reestruturação ministerial. Líderes indígenas do Amazonas divulgaram uma carta ao presidente, em protesto contra as mudanças.
E Bolsonaro vai além. Segundo o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Nabhan Garcia, o governo prepara uma proposta para revisar e anular atos anteriores, incluindo demarcações de territórios tradicionais já homologadas e a titulação de terras para a reforma agrária.
Antes de assumir o cargo, Garcia foi presidente da União Democrática Ruralista (UDR), que, durante os anos 1980, promoveu a formação de milícias no campo, sendo acusada por dezenas de assassinatos – entre eles, do líder extrativista Chico Mendes, morto sob encomenda de um dirigente da UDR no Acre.
A divulgação de uma nota também foi a reação da Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais (Abong) para a medida que as coloca sob “supervisão” da Secretaria de Governo. Para essas entidades, a decisão fere o direito de organização social. A preocupação com a extinção do Consea também foi manifestada em notas de repúdio. A decisão foi anunciada no ano em que o Brasil pode voltar ao mapa da fome da ONU.
Para o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, não é hora de aventuras: “Esses ataques eram previsíveis, mas a contenção de um problema social não se dá pela violência, ou então isso pode explodir. É um momento de reflexão”.
Na última quinta-feira (3/1), o ex-diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Clovis Figueiredo Cardoso, assinou um memorando determinando a paralisação da compra e desapropriação de terras para reforma agrária, atendendo a um pedido do novo governo.
“Quem criou a figura do sem terra não foi o MST, foi a sociedade brasileira e sua lógica de ocupação da terra” diz Gilmar Mauro”. “Eles querem atacar a consequência e não a causa do problema social”. Para o dirigente do MST, apesar da primeira semana sem grandes movimentações, as resistências irão ocorrer: “Vamos apoiar toda resistência que haja”.
Entre políticos, as manifestações também soam protocolares. A presidenciável Marina Silva (Rede), que foi senadora e ministra do Meio Ambiente, usou as redes sociais para protestar contra a decisão, que coloca a demarcação sob a análise dos ruralistas que comandam o Ministério da Agricultura. O PT divulgou uma nota em que considera que a medida enfraquece direitos constitucionais dessas comunidades.
Do outro lado dos oceanos os grupos antifascistas decidiram agir. No dia 4, um grupo ocupou a Embaixada Brasileira na Nova Zelândia para pedir que o país da Oceania rompa relações diplomáticas com o Brasil por conta da posse de Bolsonaro. No dia seguinte, a Embaixada de Berlim, na Alemanha, também foi alvo de manifestações contra o presidente. Em mensagem pichada na fachada do prédio, os manifestantes afirmavam que lutariam contra o fascismo no Brasil.
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Resistência a medidas do governo Bolsonaro começa com “repúdios” e representações ao MPF - Instituto Humanitas Unisinos - IHU