03 Janeiro 2019
As surpreendentes notícias de novembro de que o Vaticano pediu que os bispos dos Estados Unidos não votassem em várias propostas para responder à crise dos abusos sexuais foram motivadas pelo escasso tempo oferecido ao Vaticano para estudar as propostas e os potenciais conflitos com a lei da Igreja, de acordo com uma carta obtida pela Associated Press.
A reportagem é de Cindy Wooden, publicada por Catholic News Service, 02-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Associated Press informou no dia 1º de janeiro que obteve a carta escrita em 11 de novembro pelo cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, ao cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, pedindo que os votos fossem adiados.
DiNardo informou os bispos sobre o pedido do Vaticano no dia 12 de novembro, no início da sua reunião de outono, cuja agenda estava focada principalmente na crise dos abusos sexuais e na responsabilização dos bispos.
“Considerando a natureza e o escopo dos documentos que estão sendo propostos pela Conferência, acredito que teria sido benéfico ter mais tempo para consultar esta e outras Congregações com competência sobre o ministério e a disciplina dos bispos”, escreveu Ouellet, de acordo com a Associated Press, que também relatou que um esboço das propostas estadunidenses chegou ao Vaticano apenas no dia 8 de novembro.
Em resposta às perguntas da Associated Press, DiNardo disse: “Está claro agora que havia expectativas diferentes da parte da Conferência Episcopal e da parte de Roma que podem ter afetado a compreensão dessas propostas”.
As propostas incluíam padrões de conduta episcopal e a formação de uma comissão especial para examinar as denúncias contra bispos por violações dos padrões.
“Do nosso ponto de vista”, disse DiNardo à Associated Press, as propostas dos bispos dos Estados Unidos “foram pensadas para não haver ingerência na autoridade da Santa Sé”.
O presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos disse que a sua surpresa diante do atraso foi genuína, porque, “no início de outubro, compartilhamos o conteúdo e a direção das propostas com diversos dicastérios da Santa Sé. Ao não encontrarmos objeção, avançamos nos esboços finais”.
“Nós não havíamos planejado, e a Santa Sé também não havia solicitado, compartilhar os textos antes que o órgão episcopal tivesse a oportunidade de fazer emendas a eles”, disse ele à Associated Press em uma mensagem também disponibilizada ao Catholic News Service. A Sala de Imprensa do Vaticano não respondeu imediatamente a um pedido para comentar a declaração.
A reunião de novembro, disse DiNardo, foi planejada para pôr as propostas “em uma forma final, após o que seria possível que a Santa Sé tivesse uma oportunidade para rever e apresentar ajustes”.
“Houve mais discussões por volta do dia 6 de novembro com o cardeal Ouellet sobre as propostas”, disse. “Naquele momento, achei melhor compartilhar os textos com ele. Eu aconselhei o cardeal Ouellet que qualquer atraso na finalização desses textos em novembro seria uma grande decepção para os fiéis, que esperavam que seus bispos tomassem uma atitude justa”.
“Embora houvesse especificações canônicas mencionadas” como algo necessário para o Vaticano, disse DiNardo, “a ênfase parecia estar em adiar a votação e em não querer ir além da reunião entre presidentes das Conferências Episcopais em fevereiro.”
A carta de Ouellet, de acordo com a Associated Press, reconheceu que as Conferências Episcopais têm certos poderes, mas insistiu que “o trabalho da Conferência deve estar sempre integrado à estrutura hierárquica e à lei universal da Igreja”.
Na época da reunião dos bispos de novembro, tanto o Vaticano quanto DiNardo se recusaram a publicar uma cópia da carta de Ouellet.
Em uma reportagem de 13 de novembro sobre o atraso, a CNS informou que um empregado da Congregação para os Bispos, respondendo em nome de Ouellet, disse que seu escritório estava “trabalhando para assegurar a melhor avaliação e acompanhamento das questões levantadas pelo episcopado estadunidense”.
Ao mesmo tempo, a CNS informou que Andrea Tornielli, um repórter vaticano nomeado posteriormente pelo Papa Francisco para ser o diretor editorial do Dicastério para a Comunicação, escreveu no site Vatican Insider que “uma fonte vaticana envolvida no assunto” lhe disse: “É errado pensar que a Santa Sé não compartilha o objetivo dos bispos dos Estados Unidos de ter instrumentos eficazes para combater o fenômeno dos abusos de menores e para estabelecer pontos firmes em relação à responsabilização dos próprios bispos”.
“O motivo para pedir um adiamento (da votação)”, disse a fonte, “não deve ser considerado como um pisar no freio, mas como um convite a avaliar melhor os textos propostos, inclusive em vista da reunião de fevereiro entre todos os presidentes das Conferências Episcopais do mundo com o papa, dedicada à luta contra os abusos.”
Tornielli informou que o Vaticano acredita que a proposta sobre os padrões de responsabilização dos bispos “vai além do direito civil e canônico” e que o Vaticano levantou preocupações “em relação à natureza genérica de algumas passagens” e à “incoerência entre o conteúdo do documento em relação à comissão nacional sobre a responsabilização dos bispos e o Código de Direito Canônico”.
Por exemplo, disse sua fonte, “no esboço entregue ao Vaticano, a comissão está descrita como uma instituição sem fins lucrativos que não tem status jurídico e canônico, mas que é capaz de exercer um poder de julgamento sobre os bispos”.
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Carta de cardeal ajuda a explicar por que bispos dos EUA adiaram votação sobre propostas contra abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU